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A necessidade de uma reforma no sistema tributário brasileiro é tema tão antigo quanto necessário, mas que sempre esbarra em interesses conflitantes entre os diferentes entes federativos. O setor de combustíveis saiu na frente em matéria tributária e terá, a partir do dia primeiro de abril, um modelo arrecadatório que atende à necessidade de simplificação e transparência, requisitos mínimos de qualquer sistema tributário moderno e eficaz. A arrecadação do ICMS nos combustíveis passará para o modelo de monofasia, cobrado uma única vez, no produtor, e com mesma alíquota para todos os estados. O peso econômico do setor justifica a grande expectativa pela mudança, definida após o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) publicar o convênio entre os estados e definir as novas alíquotas.
O setor de Petróleo & Gás responde por quase metade (47%) da matriz energética brasileira, sendo 34% de petróleo e 13% de gás natural. Representa 15% do PIB Industrial do Brasil, sendo 8% provenientes da indústria de derivados de petróleo e biocombustíveis – mais dados da importância do setor podem ser encontrados no site Além da Superfície, que se propõe a explicar a indústria. Na visão do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), a instituição da monofasia na cobrança do ICMS nos combustíveis é um grande avanço sob diversos aspectos ao assegurar transparência e simplicidade na cobrança do tributo.
“A monofasia no ICMS, que será cobrado apenas na origem, seja do produtor ou do importador do derivado, elimina a cumulatividade e a alta complexidade que prejudica as empresas e também os órgãos arrecadatórios e de fiscalização. O setor sai na frente no que se refere ao ICMS com uma reforma no sistema de arrecadação importante para todos”, afirma Valéria Lima, diretora de Downstream do IBP, entidade que participa ativamente dos debates em torno do tema.
Visão semelhante tem o pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito SP, Thiago Buschinelli Sorrentino, que chama a atenção para as vantagens do modelo de cobrança monofásico para estados e para o Distrito Federal. “Uma dessas dimensões é a facilidade de cobrança. Há uma menor quantidade de empresas a fiscalizar, pelo menor número de produtores do que de postos de combustíveis, por exemplo. Além disso, as empresas tendem a ser mais organizadas contabilmente pela simplificação de todo o processo”, comenta Sorrentino.
Os estados, lembra Lima, a executiva do IBP, tinham até o dia 31 de dezembro para cumprir a determinação do STF e chegar a um convênio sobre o regime monofásico referente ao ICMS-combustível, em consonância com a Lei Complementar 192/22, que regulamentou a monofasia do ICMS prevista na Constituição Federal desde 2001, quando foi publicada a Emenda Constitucional nº 33 sobre o tema. O acordo acabou sendo publicado uma semana antes do prazo final.
Valéria Lima explica que a tributação do setor de combustíveis no modelo de substituição tributária, que ainda vigora, é complexa. Neste sistema, em regra, o responsável pelo recolhimento do tributo por toda cadeia é o produtor ou importador e, para tanto, tem que observar uma base de cálculo presumida. No entanto, se na venda final ao consumidor o preço do combustível ficasse maior ou menor do que o considerado como base para cálculo do ICMS haveria um ajuste. “É muito complexo, porque vai ajustando ao longo da cadeia e também porque cada Estado tem alíquotas diferentes”, comenta Lima. Ela lembra que empresas burlavam a regra ao emitir notas em estados com menor ICMS, o que agora, com alíquota única em âmbito nacional, essa prática acabaria.
Nos últimos anos, a negociação envolvendo os estados gerou entraves para a implementação da monofasia. O tema entrou na pauta em 2001 com uma alteração constitucional criando o regime monofásico do ICMS com alíquotas únicas no país, mas aguardava Lei Complementar (LC) ou um convênio entre os estados para entrar em vigor, o que nunca ocorreu. Foram 20 anos de paralisação até que a forte alta nos preços dos combustíveis em 2021, impulsionada pela pandemia de Covid-19, jogou o holofote sobre a tributação do setor. Foi preciso uma intervenção do STF definindo um prazo limite para que os estados chegassem a um acordo. A publicação do convênio pelo Confaz ocorreu no dia 23 de dezembro.
“Foi um grande passo para o setor de combustíveis e uma espécie de ensaio do que se pretende fazer em termos de reforma tributária, simplificando a cobrança dos tributos”, diz Mozart Rodrigues Filho, gerente Jurídico e Tributário do IBP. “A monofasia era uma bandeira antiga do setor, que facilita para quem paga e simplifica processos de fiscalização e cobrança para os estados, mas há pontos que terão que ser abordados em algum momento”, acrescenta.
O debate sobre a essencialidade de alguns serviços, lembra Valéria Lima, foi um dos fatores que ajudou a destravar a implantação da monofasia no setor. “O tema saiu do papel por conta de um projeto na Câmara sobre a essencialidade de setores como energia, telecomunicação e combustíveis limitando o ICMS a 18%, o que gerou forte estresse nos estados pelo impacto arrecadatório”, explica a executiva do IBP, acrescentando que a essencialidade nunca foi pauta do setor de petróleo e gás, mas que acabou ajudando no debate sobre tributação dos combustíveis.
Pela regra definida no Confaz, o ICMS é fixo para diesel, biodiesel e GLP para todo o território nacional. A alíquota de ICMS no Brasil para diesel e biodiesel será fixada em 0,9456 real por litro e para o GLP, conhecido também como gás de cozinha, em 1,2571 real por kg. A monofasia na gasolina ainda não foi adotada e é uma discussão que precisa avançar no segmento.
Thiago Sorrentino, da FGV, também critica a não inclusão de outro combustível, o etanol hidratado, na monofasia. “A remoção do etanol na mudança no modelo de cobrança pode ser deletéria, dada a importância desse produto não apenas como combustível, mas como precursor ou componente de outros combustíveis e produtos”, comenta o especialista. Na visão de Sorrentino, o ideal seria que o tema fosse resolvido no Congresso, onde há representação política dos estados.
O IBP segue acompanhando de perto os detalhamentos necessários para a implantação da monofasia do ICMS nos combustíveis a partir de abril. “A expectativa é muito boa porque a LC 192/22 tem caráter estruturante por tornar realidade a simplificação tributária para a circulação de combustíveis, setor que está na base da economia brasileira e há muito tempo espera por esta mudança”, afirma a diretora de Downstream do IBP. “A redução da alta complexidade tributária terá impactos positivos na efetividade e eficiência fiscalizatória, nas obrigações acessórias do contribuinte, na transparência ao consumidor e no combate a condutas anticompetitivas e lesivas à ordem econômica decorrentes da sonegação. A regulamentação da monofasia pela emissão do Convênio ICMS pelo Confaz é o instrumento que garante o pleno efeito deste inegável avanço tributário”, conclui Valéria.