Valor Econômico
Segunda maior produtora de gás natural do país, atrás apenas da Petrobras, a Shell garantiu mais quatro clientes no mercado brasileiro, dentro do processo de abertura do setor. Com os novos negócios, a multinacional assegura um destino imediato para os volumes que produz no pré-sal.
Ao mesmo tempo em que estreia, em janeiro, como fornecedora de gás no Brasil, por meio de sua produção local, a empresa se prepara para, no futuro, ampliar o portfólio no país a partir também da importação de gás natural liquefeito (GNL).
A lista de novos clientes da Shell se concentra no Nordeste e inclui a Unigel e a distribuidora Bahiagás. Em ambos os casos, o suprimento começa em 2022. A petroleira também tem acordo prévio para fornecer gás, a partir de 2026, para duas termelétricas que venceram o leilão de reserva de capacidade no dia 21 de dezembro.
O contrato com a Unigel marca a estreia da Shell no mercado livre de gás. A multinacional abastecerá as fábricas de fertilizantes da Bahia e Sergipe pelos próximos anos. Já o acordo com a Bahiagás é válido por apenas um ano, em 2022. Esses dois novos clientes se juntam à Copergás, concessionária pernambucana com a qual a petroleira já havia assinado, em agosto, contrato de dois anos (2022/2023).
O diretor-presidente da Shell Energy no Brasil, Christian Iturri, conta que, juntos, Unigel, Copergás e Bahiagás demandarão entre 3 milhões e 4 milhões de metros cúbicos diários (m3/dia) do gás produzido pela companhia no pré-sal, a partir do ano que vem — incluindo volumes firmes e parcelas contratadas no modelo interruptível.
A Shell Energy é o braço de comercialização de gás e energia da multinacional e se tornará no futuro, também, fornecedor das termelétricas Termopernambuco (550 megawatts), da Neoenergia no Porto de Suape (PE), e Portocem (1.571 megawatts), da Ceiba Energy, no Porto de Pecém (CE). A petroleira tem memorandos de intenções para fornecer gás aos dois projetos vencedores do leilão de energia do dia 21. Os volumes envolvidos nos acordos não foram revelados.
Dessa vez, a Shell atuará apenas como fornecedora do combustível, ao contrário do modelo de negócios adotado pela companhia no projeto Marlim Azul (565 megawatts), em Macaé (RJ), no qual a empresa entrou como sócia da termelétrica, com 29,9%, em consórcio com a Pátria (50,1%) e Mitsubishi Power (20%). A usina está prevista para operar a partir de 2023 e consumirá o gás do pré-sal.
A Shell é sócia da Petrobras em Tupi e Sapinhoá, o primeiro e terceiro maiores campos produtores de gás do Brasil, respectivamente. Até então, a multinacional vendia a sua parcela de gás para a estatal, operadora das concessões, mas pelo termo de compromisso assumido pela petroleira brasileira junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), para abertura do mercado, a Petrobras não poderá mais renovar contratos de compra de gás de terceiros.
De acordo com dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP), a Shell produz 15 milhões de metros cúbicos diários (m3/dia) no Brasil. O volume representa 11% da produção bruta nacional. Nem todo volume, no entanto, está apto para comercialização, uma vez que parte dele é reinjetado para aumentar a recuperação de petróleo ou queimado nas plataformas, por questões técnicas, por exemplo.
Iturri afirma que, de imediato, os contratos com a Copergás, Bahiagás e Unigel serão atendidos com o gás do pré-sal — bem como a térmica Marlim Azul. O plano da Shell, no entanto, é formar um portfólio de gás mais diversificado no futuro e passar também recorrer à importação de gás natural liquefeito (GNL).
A multinacional é uma das maiores fornecedoras globais da commodity. A ideia é que, em 2026, quando começarem a valer os acordos de suprimento à Termopernambuco e Portocem, a petroleira já esteja em condições de importar gás.
“Temos várias possibilidades sendo analisadas neste momento que vão desde participarmos [com investimento] no terminal de GNL quanto sermos usuários de um terminal existe ou desenvolvido por terceiros”, comentou o executivo.
Sem dar detalhes sobre o volume, Iturri conta que todo o gás disponível da Shell, hoje, já está vendido. Ele cita, no entanto, que a companhia garantiu mais uma fonte de gás para a partir de 2022, ao arrematar 25% dos volumes excedentes da cessão onerosa de Atapu, em consórcio com a Petrobras (52,5%) e TotalEnergies (22,5%).
“Esperamos no próximo ano voltar a contratar outros volumes, a depender das chamadas públicas que sejam abertas [pelas distribuidoras]”, disse. “[Nas negociações com as concessionárias] Tivemos a difícil situação de pedir desculpas e dizer que não tínhamos gás suficiente para todas [para 2022]”, revelou.
Poucas distribuidoras conseguiram, até o momento, garantir contratos com novos fornecedores em 2022. Este é o caso da Potigás (RN) e PBGás (PB), que assinaram contrato com a PetroReconcavo, e Copergás e Bahiagás. Na maior parte dos casos, os contratos serão renovados com a Petrobras, em acordos que podem chegar a quatro anos e reajustes de 50% em janeiro.
O Valor apurou, no entanto, que as distribuidoras tentam emplacar cláusulas que lhes permitam aproveitar janelas de oportunidades para contratações futuras advindas de outros supridores, durante o período de vigência do contrato com a estatal brasileira.
“Não podemos ter a expectativa de que, de repente, vai todo mundo deixar de comprar da Petrobras, porque o principal fornecedor continuará sendo a Petrobras por muito tempo”, afirmou Iturri, que, vê, no entanto, o início de um “momento histórico” no mercado brasileiro. “O Brasil precisa dessa mudança de um sistema monopólico para um sistema de muito mais competição, mais aberto”, completou.
Iturri afirma que a Shell mudou a forma de precificação do gás, diante da escalada dos preços do GNL no mercado internacional nos últimos meses. No primeiro contrato fechado pela companhia, com a Copergás em agosto, foi negociada uma flexibilidade na indexação dos preços.
Pelos termos do acordo, a concessionária poderá arbitrar, a cada três meses, o indexador de preferência: se o barril do petróleo ou o Henry Hub, preço de referência do gás nos EUA. Segundo Iturri, a preferência, nos acordos mais recentes, foi pela utilização de uma fórmula mais estável, ligada a um único indexador. “Se uma das partes quiser fazer hedge, é mais fácil quando se tem um só índice”, comentou.
Ao ser questionado se os preços praticados pela companhia representarão uma queda nos patamares, em relação aos praticados pela Petrobras, Iturri respondeu que o objetivo, durante as negociações, foi, justamente “ter um preço mais competitivo”. A multinacional, no entanto, não revela as cifras envolvidas nos novos contratos.