Valor Econômico
O presidente Jair Bolsonaro publicou a resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) que mantém a mistura do biodiesel ao diesel fóssil em 10% até 31 de março de 2023. No despacho, o governo rejeitou o artigo que permitia a participação de produtos de outras rotas tecnológicas, como os coprocessados, no mandato do biocombustível.
A resolução foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União desta sextafeira. A medida desagradou ao setor produtivo de biodiesel. A indústria e o Ministério da Agricultura defenderam teor de 12% a partir de janeiro, mas tiveram voto vencido na reunião desta semana do CNPE.
Os produtores também reclamam de interferência do ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, e do presidente Jair Bolsonaro em temas que já estavam em debate com a equipe de transição. O grupo técnico de agricultura do governo eleito condenou a decisão do CNPE.
A resolução publicada “estabelece, como de interesse da Política Energética Nacional, a fixação do teor de mistura obrigatória do biodiesel no óleo diesel fóssil em 10% no período de 1º de janeiro a 31 de março de 2023”.
Pelo cronograma original, a mistura de biodiesel ao diesel deveria ser hoje de 14%. O governo federal fez sucessivos cortes no teor ao longo dos últimos dois anos sob o pretexto de ajudar a reduzir o preço do combustível na bomba aos consumidores. Com isso, as indústrias do biocombustível operam com ociosidade de até 60%.
Na reunião, o CNPE também aprovou um artigo para admitir qualquer rota tecnológica de produção na adição obrigatória de biodiesel ao diesel. Com isso, o diesel renovável, ou diesel R5 da Petrobras, resultante de coprocessamento de petróleo e 5% de óleo vegetal, poderia ser misturado ao fóssil e disputar espaço no mandato reduzido do biocombustível puro.
A medida também permitia que as demais rotas tecnológicas gerassem emissão de Créditos de Descarbonização (CBios). Na publicação da resolução, a exposição de motivos diz que o MME recomendou a rejeição desse artigo.
Ubrabio quer “revogaço” contra medidas
O diretor-superintendente da União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio), Donizeti Tokarski, afirmou que o setor produtivo vai tentar reverter a decisão de manter a mistura do biocombustível ao diesel fóssil em 10% no primeiro trimestre do ano que vem.
Segundo Tokarski, um representante da Frente Parlamentar Mista do Biodiesel (FPBio) deverá apresentar um projeto de decreto legislativo para sustar a decisão. O setor também vai intensificar a articulação com a equipe de transição do governo eleito para defender um “revogaço” dessas normas que prejudicaram o setor. A entidade também não descarta a aprovação de uma nova resolução, com parâmetros mais favoráveis aos biocombustíveis, em nova reunião do CNPE no início de 2023.
“Existe uma pressão muito grande de setores retrógrados que criticam o biodiesel, e a posição deles prevaleceu, apesar de o Brasil ter todas as condições para aumentar a mistura”, afirmou ao Valor. Tokarski disse confiar na posição do grupo técnico de agricultura da transição, coordenado pelo senador Carlos Fávaro (PSD-MT), que condenou a decisão do CNPE. “O biodiesel não é só combustível e energia. Faz parte de um complexo que envolve diversos setores e precisa de análise técnica, econômica, social, ambiental e de saúde pública”, completou.
A notícia não foi completamente ruim para o setor. Bolsonaro resolveu rejeitar parte da resolução aprovada pelo CNPE que permitia a participação de outras rotas tecnológicas no mandato do biodiesel. O dirigente da Ubrabio disse que integrantes do conselho avisaram o presidente que o tema era polêmico e que não havia consenso.
“O presidente teve a sensibilidade de ver que esse tema foi polêmico, sem embasamento técnico adequado e suficiente para ser interpretado legalmente. Havia insegurança para o consumidor com a liberação de combustível fóssil com parte renovável”, disse Tokarski.
Abiove critica despacho
O presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), André Nassar, disse que o setor do biodiesel precisa concentrar esforços na articulação com as equipes técnicas de transição para viabilizar mudanças na condução das políticas do biocombustível a partir do ano que vem. O foco é dialogar com o senador Jean Paul Prates (PT-RN) na área de Minas e Energia.
Nassar criticou o despacho presidencial que oficializou a manutenção da mistura em 10% até 31 de março de 2023. “Temos que trabalhar nos grupos de transição, pois o governo novo ao entrar pode ter um plano diferente e mudar”, disse ao Valor.
A intenção é iniciar o próximo governo com “canal aberto” de interlocução com o novo Ministério de Minas e Energia para ter confiança e convencimento com alas que hoje impedem avanços do setor. “É importante discutir em conjunto para começar o novo governo com debate aberto com o biodiesel e as demais fontes renováveis”, completou.
Aprobio destaca diálogo com governo eleito
A Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio) avaliou, em nota, como “positivo pelo menos o fato de que a decisão rejeitou o artigo que previa a inclusão de outras rotas tecnológicas no mandato do biodiesel, principalmente o coprocessado (que não é um biocombustível)”. Segundo a entidade, isso dá tempo para uma devida análise e debate das várias questões ambientais, técnicas e jurídicas envolvidas.
Sobre a mistura, mantida em 10%, a Aprobio disse que “o setor permanece tratando com o governo eleito uma forma de reverter ou mesmo ajustar a decisão que prorroga o imenso impacto sobre o setor de biodiesel e toda a cadeia produtiva”.