UDOP
Biogás e biometano são apostas para cortar emissões de gases de efeito estufa
O Brasil tem a meta de zerar emissões líquidas até 2050. Atualmente 75% dos gases de efeito estufa liberados no país têm origem no uso da terra, sobretudo em razão do desmatamento e da agropecuária. Uma das apostas para fazer a conta fechar é o biogás, com seu subproduto mais novo e atraente, o biometano.
O Brasil, com o segundo maior rebanho bovino do mundo e uma importante produção sucroenergética, tem potencial para gerar energia elétrica a partir do biogás em patamar equivalente ao setor hidrelétrico (172 gigawatts). Se transformado em biometano, poderia substituir até 76% do diesel consumido no país, de acordo com a Abiogás (Associação Brasileira do Biogás).
O biogás resulta da decomposição de material orgânico na ausência de oxigênio. Lixo, esgoto, esterco e restos agrícolas são ideais, por serem baratos e abundantes. O biogás pode gerar eletricidade e calor, assim como o gás natural fóssil, mas é renovável. Também pode ser purificado e convertido em biometano, um biocombustível –num processo que ainda produz biofertilizantes.
“Há quase 20 anos meu tio viu um biodigestor instalado num colégio agrícola e passou a se interessar. Os produtores de nossa região precisavam aquecer suas granjas e cortar gastos, ao mesmo tempo. Um tio se juntou a outro, decididos em apostar nesse hobby. Não planejamos isso”, conta Fabio Heck, gerente da Biokohler, empresa fruto dessa aposta, que atua no ramo de instalação de biodigestores e geração de biogás.
São mais de 250 usinas de biogás montadas desde sua criação, espalhadas pelo território nacional. Sete delas são propriedade direta da Biokohler, voltadas para geração elétrica, em parceria com fazendas do oeste do Paraná que alimentam os biodigestores. Somente uma tem um purificador de biometano, que abastece a frota de veículos da empresa. O sistema é adequado ao conceito de economia circular.
“Enxergamos o biometano como uma saída para não dependermos somente de energia elétrica. E estamos em uma região que, devido à quantidade de veículos pesados empregados pelo agronegócio, pode se tornar um polo para este gás”, diz Heck.
Nos últimos dez anos, o número de usinas de biogás no Brasil subiu de 130 para 1.365, segundo o mais recente levantamento da CIBiogás, uma ICT+I (instituição de ciência e tecnologia com inovação). Juntas, elas têm capacidade de produzir 4 bilhões Nm³ (metros cúbicos normais, a unidade padrão para gases) por ano –quase um terço do valor energético que Itaipu produziu em 2022.
Se o Brasil estivesse utilizando a sua real capacidade, que chega a 78 bilhões de Nm3, seria possível gerar 798 mil empregos e retirar da atmosfera 642 milhões de toneladas de gases de efeito estufa, segundo balanço do projeto GEF Biogás Brasil.
O Sul e o Sudeste concentram a maioria das unidades, com destaque para Minas Gerais (274), Paraná (198) e Santa Catarina (82).
A maioria gera energia elétrica. Só seis são autorizadas pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) a produzir biometano, e outras 21 estão em processo de autorização. A expectativa é que haja 90 usinas até o final da década, produzindo 6 milhões de m³ diários de biometano.
“Além da descarbonização, o Brasil ganha competitividade com a adesão do biogás e biometano”, afirma Ricardo Müller, engenheiro ambiental responsável pela Dr. Biogás, uma empresa de consultoria e disseminação de informações. “Já atendi fazendas onde o biogás impactou 40% das despesas.”
Um de seus clientes, dono de um fábrica de cerâmica, passou a se dedicar também à suinocultura para produzir biogás. Com 6.000 animais, corta a conta de energia e revende biogás. O ganho é de R$ 40 mil por mês. “Ele está ganhando mais dinheiro com as fezes do que com o porco”, brinca Müller.
Potencial desperdiçado
Apesar do crescimento, o potencial é subaproveitado: a agropecuária contribui com apenas 17% dos substratos para biogás, atrás de esgoto (63%) e indústria (20%).
“A implementação do biogás não é algo trivial. Até termos um mercado de carbono estabelecido, com metas rígidas e incentivos específicos ao setor, os consumidores vão optar pelo mais barato, seja ele poluente ou não”, afirma Renata Isfer, presidente executiva da Abiogás.
Ela também cita outro gargalo apelidado de “o ovo e a galinha”, onde há um impasse entre produtores, infraestrutura e consumidores. Por exemplo, “os postos não procuram fornecedores de biogás ou instalam bombas para o biocombustível por não haver demanda. Do outro lado, o caminhoneiro, que poderia fomentar o negócio, não converte seu veículo por não ter onde abastecer.”
O produtor também precisa se atentar que o biogás não é para qualquer um. “A lógica é de trás para frente”, explica Airton Kunz, pesquisador da Embrapa. “Se sua fazenda não produz matéria orgânica suficiente, não haverá gás”, afirma. A calculadora BiogásFORT, da Embrapa, estima o volume de gás que pode ser gerado a partir de determinada produção.
“Dependendo da fazenda e do investimento feito, podem-se abater despesas como gasolina e eletricidade, e até sobrar para revenda”, continua Kunz.
Potencial de produção de biogás por origem
Sucroenergético: 21,1 bilhões de Nm³/ano
Produção agrícola: 6,6 bilhões de Nm³/ano
Proteína animal: 14,2 bilhões de Nm³/ano
Saneamento: 2,2 bilhões de Nm³/ano
Equivalência energética (aplicação)
Potencial de energia elétrica a partir do biogás: 170.912 GWh/ano
Diesel que poderia ser substituído por biometano: 40,8 bilhões de litros
Diego Alejandro
Fonte: Abiogás