O Estado de São Paulo
A situação das refinarias privadas brasileiras está insustentável e vai começar a ter quebradeira no setor, segundo o presidente da associação das refinarias privadas (Refina Brasil), Evaristo Pinheiro. Ele afirmou ao Estadão/Broadcast que o cenário para as nove refinarias independentes que atuam no País, entre elas as privatizadas no governo Bolsonaro, piorou depois que a Petrobras abandonou a política de paridade de preços de importação (PPI), em maio do ano passado, e que o prejuízo está se acumulando.
A PPI foi criada no governo do presidente Michel Temer e considera basicamente as cotações do petróleo no mercado internacional e os custos de sua entrega para a definição dos preços. Em maio de 2023, a Petrobras aprovou uma nova estratégia comercial para o diesel, a gasolina e o gás de cozinha vendidos em suas refinarias. Ela passou a seguir duas referências: o custo alternativo do cliente, como valor a ser priorizado, e o valor marginal para a Petrobras.
O custo alternativo contempla as principais opções de suprimento disponíveis para os clientes, sejam fornecedores dos mesmos produtos ou de produtos substitutos. Já o valor marginal para a Petrobras é definido a partir do custo de oportunidade, dadas as diversas alternativas da companhia, dentre as quais produção, importação e exportação do referido produto ou do petróleo utilizado no refino.
Ao longo de 2023, a nova política de preços da Petrobras foi beneficiada pelo preço do barril do petróleo, que não ultrapassou os US$ 100 durante o ano.
Segundo Pinheiro, o preço do diesel vendido atualmente pelas refinarias da Petrobras está 11% abaixo do preço de paridade de importação (PPI), segundo dados da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom). Na Refinaria de Mataripe, na Bahia, privatizada em 2021 e pertencente ao fundo Mubadala, essa defasagem é de 5%. Já a gasolina está com defasagem de 5% nas refinarias da estatal, e de 1% em Mataripe.
O presidente da Refina Brasil afirma que o preço do petróleo vendido pela Petrobras para Mataripe e outras refinarias privadas é de 10% a 15% mais caro do que a estatal vende às próprias refinarias. O valor se equipara ao preço de importação da commodity. Procurada pelo Estadão, a Petrobras afirmou que não comentará o assunto.
“Já esteve pior no ano passado, mas é uma coisa que vai se acumulando. Quando você vai tirar sangue e coloca o garrote no seu braço, dá uma apertadinha, aí o sangue não sobe de primeira, e dá mais uma apertadinha. Isso é o que a Petrobras faz com as refinarias privadas, só que a cada vez que você garroteia o refinador privado, vai ficando mais difícil sobreviver e a situação fica insustentável”, exemplificou Pinheiro.
Pinheiro afirmou que, como monopolista do mercado de petróleo do Brasil, a estatal seria obrigada por lei a vender ao mesmo preço que vende para as refinarias da companhia. “A Petrobras tem 93% do petróleo do Brasil, é monopolista, e a lei da concorrência impõe à companhia responsabilidades, como a obrigação de vender insumo aos concorrentes, isso é lei, isso é pacífico”, ressalta.
Na próxima sexta-feira, ele irá ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) conversar com o Departamento de Estudos Econômicos (DEE), para conhecer as diretrizes que serão adotadas nos estudos encomendados pelo órgão no início de fevereiro, e que visa avaliar a precificação de combustíveis por refinarias para distribuidoras em diferentes Estados, em especial na Bahia.
Também vem conversando com o Ministério de Minas e Energia (MME) para que sejam adotadas outras medidas, a fim de promover um ambiente tanto regulatório quanto tributário favorável para as pequenas e médias refinarias.
O estudo do Cade faz parte da investigação sobre uma denúncia em relação à Refinaria de Mataripe, que estaria comercializando gasolina A e diesel S10 por preços mais elevados no Estado. “Vamos pedir, entre outras coisas, que o DEE olhe de forma ampla para o comportamento concorrencial da Petrobras no mercado, porque do jeito que estão as coisas, não vai ter mais mercado, só vai existir a Petrobras. Está num nível muito grave”, disse Pinheiro.
Referência
Para ele, um dos problemas que o setor enfrenta é a falta de atualização do Preço de Referência estipulado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). No dia 21 de dezembro de 2023, quando o mercado de refino e importadores aguardavam o resultado de uma consulta púbica que durou 18 meses, a ANP desistiu de divulgar o novo valor.
“Isso é muito grave, a gente tinha expectativa que a ANP ia solucionar o Preço de Referência, que é uma distorção que faz com que a Petrobras e outras petroleiras prefiram exportar do que vender no mercado interno. Mas a ANP decidiu abrir outra consulta pública, igual a outra, que levou 18 meses, é algo inexplicável”, avalia o dirigente da Refina Brasil.
Segundo ele, sem um Preço de Referência justo, tanto a Petrobras como as outras petroleiras que atuam no País vão continuar preferindo exportar do que vender para as refinarias privadas nacionais.
Outra consequência do descolamento dos preços da estatal, de acordo com Pinheiro, é a queda de arrecadação de Estados e municípios, assim como a queda do próprio lucro da Petrobras, e a falta de investimentos no setor.
O Brasil tem um grande potencial pela frente, nós podemos atrair R$ 60 bilhões em investimentos de pequenas e médias refinarias, mas não tem porque ampliar ou fazer novas refinarias se não existe acesso ao petróleo. Tem bastante gente querendo fazer novas refinarias se a questão do petróleo for resolvida”, garante o executivo.