Decreto que buscava segurar preço da gasolina foi descumprido por companhia que comprou planta da Petrobras
Portal Brasil de Fato
Acelen, criada pelo fundo Mubadala Capital, dos Emiradores Árabes, assumiu controle da Rlam – Divulgação
A Acelen, empresa que comprou da Petrobras a Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, não congelou o imposto dos combustíveis que ela vende a distribuidoras, contrariando um decreto estadual. Isso fez com que a empresa recolhesse mais tributos do que deveria e, consequentemente, aumentasse seus preços e colaborasse para que a Bahia tenha hoje uma das gasolinas mais caras do país.
De acordo com o Observatório Social da Petrobras (OSP), órgão ligado à Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), a gasolina vendida pela Acelen a distribuidoras é hoje 27,4% mais cara do que a de refinarias da Petrobras. Por conta disso, a Bahia é o estado brasileiro com combustíveis mais caros do país nas bombas de postos – o Rio de Janeiro é líder, por ora.
O OSP informou, na terça-feira (8), que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) deve divulgar na semana que vem um novo levantamento de preços de combustíveis. O atual não leva em conta um reajuste da gasolina aplicado pela Acelen em seus preços no último sábado (5). Com esse aumento, a Bahia, estado com a primeira refinaria da Petrobras privatizada, já deve ter o combustível mais caro do Brasil.
O secretário executivo do Sindicato do Comércio de Combustíveis do Estado da Bahia (Sindicombustíveis-BA), Marcelo Travassos, ratificou a tendência de alta no preço da gasolina e do diesel nos postos baianos. Segundo ele, um litro da gasolina custa a consumidores baianos R$ 1 a mais do que em estados vizinhos, chegando a R$ 8.
“Um distribuidor da Bahia paga mais caro pelo combustível vendido diretamente pela Acelen do que um consumidor final paga pelo mesmo combustível num posto de gasolina de Pernambuco, por exemplo”, disse ele. “É absurdo”, avaliou.
Travassos, em entrevista ao Brasil de Fato, atribuiu a diferença à política de preços da Acelen, mais alinhada à variação de preços do petróleo no mercado internacional, e também ao erro da empresa no cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o qual ela é obrigada a cobrar das distribuidoras que atende.
O equívoco foi, inclusive, denunciado pelo Sindicombustíveis-BA ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
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Entenda o caso
Travassos explicou que, ainda no ano passado, governadores concordaram em congelar a base de cálculo do ICMS cobrado sobre combustível com o objetivo de conter a alta generalizada do produto no país. Na Bahia, a medida entrou em vigor em 4 de novembro, com base nos preços do dia 1º daquele mês.
Na prática, ela funcionava assim: se um estado A cobrava 25% de ICMS sobre o preço da gasolina e o litro do combustível custava, na média, R$ 4 em 1º de novembro, ele arrecadaria R$ 1 sobre cada litro vendido. De novembro até dezembro, porém, caso o preço chegasse a R$ 6 na bomba, por exemplo, o imposto continuaria sendo cobrado como se a gasolina ainda custasse R$ 4, reduzindo, assim, a carga tributária sobre o produto.
As refinarias, que vendem gasolina e diesel para as distribuidoras, são responsáveis por reter o tributo sobre o combustível para minimizar o risco de sonegação. Portanto, elas também deveriam se adequar ao congelamento de ICMS. A Acelen, porém, não o fez.
A Secretaria de Fazenda do Estado da Bahia (Sefaz) e a própria Acelen confirmaram que o congelamento não foi posto em prática pela empresa quando deveria. Só na quarta-feira (9), Acelen informou que conseguiu se adaptar à legislação.
Dúvidas sobre a operacionalização do congelamento do ICMS fizeram a companhia não efetivá-lo. Ela acabou recolhendo tributos como se o congelamento não tivesse sido determinado. Ou seja, reteve mais imposto do que deveria.
Longa discussão
O congelamento do ICMS sobre combustíveis na Bahia foi regulamentado por decreto. Em 27 de janeiro – ou seja, quase três meses depois desse decreto entrar em vigor –, a Sefaz disse ter sido procurada pela Acelen, que pediu esclarecimentos sobre a regra.
Inicialmente, o decreto tinha validade até 31 de janeiro. Sua vigência foi prorrogada até 31 de março.
Nesta semana, representantes da Acelen e da Sefaz tiveram uma reunião para que fosse acordada uma forma de a empresa aplicar a legislação.
Nessa reunião, a Acelen informou que não tinha como congelar o ICMS sobre o preço de referência de combustíveis em 1º de novembro porque a empresa, na verdade, vende os produtos a diferentes preços, dependendo dos contratos. Sefaz e empresa, então, concordaram que a companhia deve calcular o ICMS sobre uma média de seus preços em 1º de novembro.
Na noite de quarta-feira (9), a Acelen disse que se adaptou ao decreto.
“Nós já nem estamos interessados em saber como isso será cumprido, visto que o decreto expira em março. Agora, queremos saber como o consumidor baiano será ressarcido por esse erro”, reclamou Travassos sobre o atraso.
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Sem previsão
A Sefaz não informou como esse ressarcimento será feito. Também não disse se o comportamento da Acelen é passível de punição. Reiterou que o congelamento do ICMS estava em vigor e segue vigente.
A Acelen argumentou que não ganhou nada com o não congelamento do ICMS. Segundo a empresa, o valor do tributo foi integralmente repassado aos cofres estaduais.
A empresa declarou, em nota, que os preços que pratica estão previstos em contrato, são objetivos, transparentes e baseados principalmente no custo do petróleo. “Com o agravamento da crise gerada pelo conflito entre Rússia e Ucrânia, o preço internacional do barril de petróleo disparou, superando os 115 dólares por barril, o que gerou impacto direto nos nossos custos de produção”, informou a empresa.
Segundo a empresa, existe uma defasagem de preços dos combustíveis em todo o país. Isso significa que existirão diferenças regionais de preço.
A companhia ainda declarou que “o país precisa ter um setor de combustíveis saudável e competitivo, com preços ajustados à realidade, sob pena de haver risco de desabastecimento e desincentivo a novos investimentos no setor”.
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Privatização contestada
A venda da Rlam, hoje chamada de Refinaria de Mataripe, foi concluída em dezembro de 2021, com a transferência do controle da planta da Petrobras para a Acelen, empresa criada pelo fundo Mubadala Capital, dos Emirados Árabes Unidos.
O fundo pagou 1,65 bilhão de dólares pela refinaria. Segundo avaliações do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (Ineep), ligado à Frente Única dos Petroleiros (FUP), a refinaria valia pelo menos o dobro disso.
O Ineep elaborou três cenários para estabelecer o valor de mercado da Rlam. Nas três situações, a venda deveria ter sido feita por 3,12 bilhões de dólares, 3,52 bilhões de dólares ou 3,92 bilhões de dólares.
Baseada nesse estudo, a FUP denunciou a privatização da Rlam ao Tribunal de Contas da União (TCU). O órgão não viu irregularidades no negócio.
A antiga Rlam é a primeira refinaria nacional, tendo sido criada em 1950, antes mesmo da fundação da Petrobras, em 1953.
A planta é capaz de produzir mais de 30 produtos diferentes, incluindo gasolina, diesel, lubrificantes e querosene de aviação. Também é produtora nacional de uma parafina usada na indústria de chocolates e chicletes.
Mais privatizações
A venda da Rlam faz parte do programa de desinvestimentos da Petrobras. Das 13 refinarias que a estatal tinha, oito foram postas à venda nesse programa. A Rlam foi a primeira cuja administração já foi transferida da estatal à iniciativa privada.
Oficialmente, a intenção do governo federal é vender as refinarias da Petrobras a outras companhias para que elas passem a concorrer com a estatal. Isso, para o governo, tende a reduzir os preços de derivados de petróleo no Brasil.
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Segundo Deyvid Bacelar, presidente da FUP, isso não vem ocorrendo como ocorria na antiga Rlam. Desde de que a Petrobras a vendeu, o preço dos combustíveis ali subiu mais do que os vendidos em refinarias estatais.
Houve também problemas de abastecimento na Bahia. A Acelen parou de abastecer navios que passam pelo Porto de Salvador desde que assumiu o controle da antiga planta estatal.
Edição: Rodrigo Durão Coelho