G1
Com a pandemia e gasolina mais cara, 25% dos motoristas de São Paulo desistiram de prestar serviço; para os motoboys, novo custo obriga a trabalhar mais horas. Desde fevereiro, etanol subiu 23% e gasolina chega a quase 10%, segundo levantamento da ANP corrigido pela inflação.
O aumento severo no preço dos combustíveis dificulta a vida de motoristas de aplicativo e motoboys de São Paulo, que já sofriam para tirar lucro de suas atividades durante a pandemia do coronavírus.
O monitoramento mensal da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) mostra que o valor médio nacional do litro do etanol passou de R$ 3,54 para R$ 4,36, um aumento de 23,1% em apenas quatro meses.
Considerando a variação desde maio de 2020, quando houve o menor patamar de custo no auge da crise, o combustível chegou a custar R$ 2,74. O aumento é da ordem de 59% se comparado ao preço de junho de 2021.
A gasolina segue curso parecido, ainda que menos agressivo: de fevereiro a junho, o combustível sobe de R$ 5,12 para R$ 5,69, o equivalente a 9,6%. Mas, confrontado com o preço de maio de 2020, quando chegou a custar R$ 4,11, o aumento vai a 38% contra o valor mais recente.
Todos os comparativos levam em conta o reajuste pela inflação do período, com preços corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE. Os percentuais, portanto, são de aumento real e balizados pelos preços do mês passado.
O reajuste chega a números tão surpreendentes porque, em maio de 2020, com a circulação em níveis muito baixos em todo o país, houve uma redução drástica dos preços dos combustíveis. Havia, afinal, pouquíssima demanda.
Ao longo de 2020, e conforme o isolamento foi se reduzindo, o custo da gasolina e do etanol passou a se normalizar. De fevereiro em diante, contudo, o valor dos insumos rompeu o nível anterior à pandemia em virtude da alta dos preços do petróleo, cotados em um dólar bem valorizado.
Queda no faturamento
Desde o início da pandemia, as duas profissões haviam enfrentado fenômenos que reduziram o faturamento do trabalho. Enquanto os motofretistas perceberam um aumento de concorrência durante as fases mais intensas do isolamento social, os motoristas de apps de transporte viram sumir o público.
Agora, com o aumento acima do previsto dos combustíveis, há um novo efeito de aperto das margens que compõem o sustento dos profissionais por meio de um sério aumento de custo operacional.
Selecionando corridas
A Associação dos Motoristas de Aplicativos de São Paulo (Amasp) diz que, entre efeitos da pandemia e, agora, da alta de combustíveis, cerca de 25% da frota paulistana de motoristas desistiu de trabalhar no segmento.
A estimativa da entidade é que 120 mil trabalhadores circulavam pela cidade no início de 2020. Agora, são cerca de 90 mil. Além de uma menor oferta de motoristas, os remanescentes passaram a selecionar viagens que sejam mais rentáveis por conta do aumento de preço de combustível.
“Passamos a desaconselhar os motoristas a aceitarem as corridas promocionais, da Uber Promo e 99 Poupa. O repasse ao motorista não paga 1 litro de gasolina”, diz Eduardo Lima de Souza, presidente da Amasp.
Do gasto diário de um motorista, a gasolina representa entre 40% e 50%. A taxa paga aos aplicativos gira em torno de 25%. Para boa parte dos condutores, há ainda o pagamento de parcelas do veículo ou locação.
A oferta menor de motoristas aumentou o tempo de espera para passageiros. Há uma porção de registros do aumento do intervalo nas redes sociais.
A categoria pede que as plataformas tomem uma de duas atitudes possíveis: elevem o preço das corridas ou diminuam a fatia cobrada dos motoristas. Sem uma mudança, a frota pode diminuir ainda mais.
Rosimar Pereira é motorista há mais de 20 anos, dos quais seis em atividade pelos principais aplicativos de transporte. Reconhece que a tecnologia o ajudou a ampliar a clientela – tanto que trocou o táxi pelos apps –, mas o lucro ao fim do mês já não dá conforto à família.
“Só não desisti ainda porque fiz dívidas durante a pandemia e, sem outro emprego, não consigo pagar. Trabalhar como motorista já foi muito bom, mas hoje o custo é muito alto e a troca valeria a pena”, diz.
Trabalhando de 10 a 12 horas por dia, Pereira afirma que os lucros não passam dos R$ 1,5 mil desde que o preço do combustível explodiu. Se encontrar outra oportunidade de trabalho com salário semelhante, será um a menos nas ruas de São Paulo. “A depreciação do carro seria muito menor”, conta.
Mais trabalho, menos cuidados
Para os motofretistas, a fatia dos combustíveis fica entre 25% e 35% dos gastos, a depender de quanto o profissional fatura em um dia de trabalho. Mas a taxa paga pelos aplicativos, dizem os motoqueiros, varia com a demanda de pedidos e número de trabalhadores disponíveis.
A Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil (Amabr) não consegue precisar o quanto aumentou a frota de motoboys durante a pandemia, mas fez uma estimativa de que o número gira em torno de 40%, chegando a um total de 70 mil só na capital paulista.
Com a entrada de muitos novos profissionais durante a pandemia e, agora, com maior custo de rodagem, foi preciso buscar mais corridas e cortar gastos para manter o mesmo faturamento.
“O que o motofretista faz é tirar de outro lugar: deixa de se alimentar adequadamente, de fazer a manutenção correta do veículo, trabalha mais horas e corre mais para fazer mais entregas no dia”, diz Edgar da Silva, o Gringo, presidente da Amabr.
O aumento de acidentes de moto é flagrante. Os últimos números do Infosiga SP mostram que o número de acidentes com motociclistas na capital paulista saltou de 1.011 em abril de 2020 para 1.584 em junho de 2021 (alta de 56,6%). As mortes subiram 58,8%, de 17 para 27.
São mais motociclistas nas ruas, expostos por mais tempo e andando mais rápido para manter o faturamento. A entrada maciça de novos motoboys na pandemia também ajuda a entender a situação, pois são profissionais menos experientes, enfatiza a associação.
“O cansaço também afeta os reflexos. E, fora tudo isso, o curso de habilitação de condutores também precisa mudar, pois não atende à realidade de quem anda de moto em 2021”, afirma Gringo.
A entidade tenta emplacar no poder público três tabelas com piso de remuneração para os serviços de motofretistas. Seriam estabelecidos valores mínimos por quilômetro rodado, por tempo de espera nos pontos de coleta e por complexidade de serviço – como a realização de compras em supermercados.
O que dizem as plataformas
O G1 procurou as principais plataformas para questioná-las sobre que tipo de suporte financeiro têm dado aos motoristas e entregadores. Os questionamentos tiveram como foco a remuneração dos profissionais e planos de resgate financeiro durante a pandemia.
A Uber informa que a taxa cobrada dos motoristas foi fixa em 25% do valor das corridas até 2018, mas desde então passou a ser variável como parte da estratégia da empresa para oferecer descontos para os usuários e promoções para os “parceiros” (nome que a empresa dá aos motoristas). Questionada expressamente se pretende atender ao pedido de reajuste de tarifa ou diminuir a cobrança, a Uber não respondeu.
“O preço dos combustíveis foge ao controle da Uber, mas entendemos a insatisfação e trabalhamos para ajudar os motoristas parceiros a reduzir seus gastos fixos”, diz nota da empresa enviada ao G1.
O apoio financeiro dado pela empresa foi voltado aos motoristas que precisaram parar de trabalhar por conta da Covid. A empresa destinou US$ 30 milhões para esse fim, mas não especifica quantos profissionais usaram o serviço.
A 99 também não responde se pretende reduzir a “mordida” no valor das corridas ou reajustar o preço. A empresa esclarece que o cálculo também varia conforme o perfil da corrida (como horário e região), “mas existe um teto que visa preservar os ganhos dos motoristas parceiros”.
“Desde fevereiro, garantimos 10% de desconto em todo o abastecimento em postos da rede Shell pelo país, o que já representou uma economia de mais de R$ 2,5 milhões. Também estamos, em datas estratégicas, zerando as taxas aplicadas nas corridas, ou seja, 100% do valor é repassado ao motorista parceiro”, diz nota da empresa.
“Importante observar que todas as promoções são subsidiadas pela plataforma, sem ônus para o parceiro. (…) Assim, a empresa vem mantendo seus investimentos em novos serviços, produtos e iniciativas de segurança para passageiros e motoristas. Já foram mais de R$ 150 milhões destinados, desde abril do ano passado, em ações para apoiar quem usou o aplicativo.”
Sobre o 99 Poupa, a empresa diz que essa é uma das categorias criadas para “minimizar a crise provocada pela pandemia e aumentar a eficiência na rotina do motorista, pois estimula a corrida em momentos de menor demanda”.
O Rappi afirma está “constantemente dialogando com seus entregadores independentes, e atento a soluções que possam beneficiá-los”. A empresa não responde, contudo, se pretende atender à demanda de entregadores de estabelecer pisos de remuneração para os serviços de motofretista.
“O frete é calculado levando em conta diversos fatores, entre eles clima, dia da semana, horário, zona da entrega, distância percorrida e complexidade do pedido. O frete não é linha de receita para o Rappi, que busca sempre equilibrar a demanda e os critérios de cálculo de entrega do pedido. Em momentos de alta demanda, por exemplo, o valor pago ao entregador é superior ao valor pago pelo cliente”, diz a empresa em nota.
A empresa não informa o número de entregadores cadastrados, mas diz que, para atuar pelo Rappi, os profissionais precisam apenas ter mais de 18 anos, enviar documentos pessoais e “outros dados comprobatórios”, sem dizer quais. “Aos motociclistas é exigida ainda CNH válida.”
Como suporte financeiro durante a pandemia, o Rappi informa que criou um fundo assistencial – “o auxílio Covid” –, mas não detalha o quanto foi alocado em dinheiro para a iniciativa, nem quantos profissionais tiveram acesso.
O iFood informa que tem uma política de valor mínimo de rota de R$ 5,31, além de repassar as gorjetas integralmente. Os valores são, contudo, variáveis e consideram a distância percorrida, a cidade, o dia da semana e o modal utilizado.
A empresa diz que “acredita que a tecnologia e a inovação têm o poder de incluir milhares de pessoas no mercado de trabalho e gerar oportunidades”.
O iFood também criou um fundo de suporte para parceiros infectados pela Covid. A empresa diz ter investido R$ 133 milhões quando somado esse resgate às ações paliativas, como distribuição de máscaras e álcool em gel.
A empresa não responde sobre reajuste de taxas, mas diz que entregadores e familiares têm acesso a descontos em compra de seguro de motos, troca de óleo, educação universitária e aquisição de produtos eletrônicos. Além disso, fornece seguro para acidentes e plano de acesso à rede privada de saúde a preços mais baixos.