Valor Econômico
Mesmo sem as cotações históricas de 2022, o petróleo promete trazer receitas crescentes para União nos próximos anos até o início da próxima década e já faz diferença num momento de caça a fontes de arrecadação. Desta vez se espera que o aumento de receita venha mais puxado pela alta de produção, mas trata-se de “janela curta”, que não deve garantir por si só sustentabilidade fiscal. Há, ainda, demanda por debate sobre a destinação dos recursos, segundo especialistas ouvidos pelo Valor.
Já em ascensão, a receita bruta vinda da exploração de recursos minerais deve crescer da média de 0,92% observada entre 2011 e 2020 e chegar a 2,75% estimados em 2031, puxada pelo aumento de produção. Cerca de 80% da arrecadação vem do petróleo, com alta impulsionada pelo óleo-lucro, receita vinda da exploração do pré-sal e que subirá de 0,05% do PIB em 2022 para 0,93% do PIB projetado para daqui a oito anos.
Somente o óleo-lucro, receita exclusiva da União quando se comprovam excedentes na extração de petróleo e gás natural pelo regime de partilha, deve somar R$ 554,9 bilhões adicionais à arrecadação do governo federal de 2023 a 2031 em relação ao que se tinha até 2022. Em 2031, deve render R$ 121,7 bilhões, sempre em valores constantes de 2023.
Os cálculos são do economista Bráulio Borges, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e consultor na LCA. O petróleo promete irrigar as receitas da União, diz, mas não deve solucionar o desafio fiscal e demanda debate sobre o uso dos recursos.
O tema também merece discussão no âmbito de Estados e municípios. Nos governos subnacionais, porém, outro tema que ainda aguarda solução é a distribuição de royalties e participações especiais (ver reportagem Expansão leva a debate sobre distribuição do dinheiro).
Dados elaborados por Borges mostram que a receita bruta da União do setor extrativo mineral já favorece as contas públicas. De janeiro a julho esses recursos atingiram R$ 112 bilhões (R$ 157,2 bilhões em igual período de 2022, quando a arrecadação se elevou com as cotações recordes de petróleo a partir da invasão da Ucrânia pela Rússia). Os dados de 2021, porém (R$ 102,2 bilhões nos mesmos sete meses), mostram mudança de patamar em relação à média de R$ 53,6 bilhões que se tinha para o período, de 2011 a 2019, também em valores constantes.
Como receitas do setor extrativo mineral, Borges considerou royalties, participação especial, dividendos pagos pela Petrobras à União e tributos federais do setor extrativo, exceto contribuições previdenciárias. O montante e as projeções, destaca, não contemplam receita com leilões, outorgas ou bônus de assinatura nem tributos incidentes sobre refino e comercialização de combustíveis.
Há uma mudança de patamar de receitas, diz Borges. Na década de 2010, lembra, a receita anual média equivalia a 0,9% do PIB. “Essa arrecadação já saltou para perto de 2% na média de 2021, 2022 e o que se espera para 2023, considerando que no ano passado houve cotações recordes de petróleo. As projeções mostram que as receitas devem chegar perto de 3% no fim da década. Vamos triplicar a receita em relação ao que tínhamos até pouco tempo, em 2018 ou 2019.”
Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da Ryo Asset, reforça que o aumento da produção de petróleo já faz diferença nas contas públicas. “No passado, a variável mais influente dessa receita do governo era o preço. Agora, há aumento substancial da produção. Mesmo com queda de preços, as receitas do petróleo são mais resilientes”, afirma.
Em 2022, o total de royalties e participações especiais (PE) no país, incluindo fundo especial, somou R$ 117,9 bilhões, mostram dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP). Impulsionado também por produção, mas mais por preços recordes e considerados excepcionais, o valor foi mais de 50% maior que os R$ 77,5 bilhões de 2021. Para 2023 a perspectiva da agência é que royalties e PE cheguem a R$ 92,6 bilhões em todo o país, valor que deve crescer para R$ 108,5 bilhões em 2026 e cair a R$ 106 bilhões no ano seguinte.
É preciso lembrar, diz Borges, que essas receitas virão de recursos naturais finitos e não renováveis. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) projeta que o auge no pré-sal será atingido ao fim desta década, com aumento de 80% em relação à produção diária prevista para 2023. A partir de 2031, a previsão é que o volume comece a cair.
Citando a ANP, economistas do Santander notam que a produção diária de 3,4 milhões de barris poderá aumentar em 60% até o fim da década. “Já incluímos essa previsão nas nossas projeções de receitas fiscais, e isso deverá ajudar o país a atingir um superávit primário por volta de 2027-2028”, estimam Felipe Kotinda, Gabriel Couto e Ítalo Franca.
Um dos principais pressupostos para esse cenário, dizem, é a compensação de preços mais baixos com mais produção. Ainda assim, o preço do petróleo tornou-se uma “variável chave” para o cenário macroeconômico do Brasil, afirmam.
“Especialmente considerando que o governo necessita de pelo menos 1,5% do PIB em novas receitas líquidas para cumprir as ambiciosas metas primárias do novo regime fiscal. Os preços do petróleo poderiam ajudar na consolidação fiscal”, dizem os três economistas.
“As despesas primárias, com o novo arcabouço fiscal, devem se estabelecer em 19% do PIB, enquanto a receita líquida do governo federal está mais perto dos 18%. Há demanda para aumentar a arrecadação para termos um mínimo de sustentabilidade fiscal, lembrando que boa parte do aumento de receita com recursos extrativos deve vir do óleo lucro do regime de partilha, que fica todo com a União”, afirma Borges.
Receitas do petróleo ajudam bastante o fiscal, mas não resolvem o problema. “A arrecadação do petróleo sozinha não é suficiente para fazer frente a todo o aumento de gastos”, diz Leal. Basta olhar o que se recebia há dez anos e agora. “É um caminhão de dinheiro e, mesmo assim, não conseguimos usar com inteligência esses recursos.”
“Há muitas lições de casa para serem feitas”, diz Borges. Ele lembra que as receitas do óleo-lucro do pré sal são direcionadas ao Fundo Social, que tem boa parte de seus recursos destinada para educação e saúde.
Borges lembra que, a despeito do nome, o Fundo Social é apenas de natureza contábil-financeira, que está dentro da Conta Única do Tesouro Nacional. Ele não é apartado da contabilidade da União, explica, como costumar ser o caso de Fundos soberanos. “A acumulação dele impacta o primário. O saldo acumulado vai engordando a Conta Única e reduzindo a dívida líquida.” Isso, aponta, pode fazer com que os valores não sejam executados e sejam aproveitados apenas para fazer resultado primário.
Além da consolidação fiscal, diz Borges, também competem pelas receitas a melhoria do bem-estar da população, já que o país ainda demanda serviços na saúde e educação e também a equidade intergeracional, já que as próximas gerações não terão acesso a esses recursos. “É preciso perenizar essa renda, balancear os três objetivos, usar de maneira sábia as receitas e evitar cair na tentação de construir elefantes brancos.”
Dados da ANP mostram que, em 2022, a União recebeu R$ 45,1 bilhões em royalties e PE. Estados e municípios receberam juntos R$ 72,9 bilhões. “Isso ajuda a conta de todos os entes. A questão é como os recursos são usados. Muitas vezes, vai para aumentar salário de servidor”, diz Leal.
No âmbito regional, há iniciativas para garantir a poupança de parte dos recursos. No Espírito Santo, os royalties do petróleo, entre outras transferências, têm 40% dos recursos direcionados ao Fundo Soberano do Estado, que recebe também 15% das participações especiais. Com saldo de R$ 1,33 bilhão hoje, o fundo tem R$ 250 milhões destinados à alocação de venture capital e R$ 250 milhões que devem ser investidos via debêntures em empresas com compromisso ESG. O fundo ainda mantém 40% dos recursos para poupança intergeracional.
Segundo o governador Renato Casagrande, a fatia da poupança deve chegar a 20% a partir de 2026, enquanto a de investimentos voltados à inovação e desenvolvimento vai aumentar de 60% para 80%. “As futuras gerações é que decidirão o que fazer com a poupança intergeracional, nos próximos 15 a 20 anos.”
Para Leal, a criação de fundos soberanos em Estados e municípios para guiar a destinação desses recursos não é sinônimo de eficiência. “Ter fundo não é garantia de que haverá uma boa alocação desses recursos. Depende de como o fundo vai funcionar. O fundo não é um ‘game changer’”, afirma.
Com os compromissos internacionais de descarbonização da economia e da transição energética assumidos, estabelecer até quando o petróleo pode ajudar as contas públicas brasileiras é difícil, segundo Leal. “A resposta mais segura é dizer que o petróleo deveria contribuir cada vez menos. Essa não é uma agenda do futuro, já é do presente, só vai se intensificar.”
Ele ressalta que “a janela é curta” para o país aproveitar os recursos oriundos dessa exploração. “Depois, a demanda vai ser outra, de energia solar, eólica, biomassa.”