O Estado de S.Paulo
O mercado de IPOs está extremamente aquecido. Só neste ano já foram realizadas 29 aberturas de capital na bolsa brasileira, a B3. E um dos IPOs que tem chamado bastante atenção dos investidores é o da Raízen, joint venture entre a brasileira Cosan e a anglo-holandesa Shell, atuante nos setores de produção de combustíveis e energia.
A Raízen se prepara para estrear na B3 com uma avaliação ambiciosa: entre R$ 60 bilhões a R$ 100 bilhões, com expectativa de que se consolide na faixa entre R$ 70 bilhões a R$ 90 bilhões. Se isso acontecer, este pode representar um dos maiores IPOs da B3.
Nesta quarta, 21, a companhia abriu o período de reservas de ações, buscando emplacar, inicialmente, uma oferta de 810 milhões, estipulando uma faixa indicativa de preço entre R$ 7,40 e R$ 9,60. Considerando a faixa média de preço, de R$ 8,50, a oferta base deve movimentar algo em torno de R$ 6,89 bilhões para o caixa.
A Raízen é a maior empresa de etanol de cana-de-açúcar no mundo e opera a segunda maior rede de distribuição de combustíveis no Brasil. A companhia está posicionada entre as cinco maiores do Brasil em termos de receita, totalizando uma receita operacional líquida de R$ 114,6 bilhões no exercício encerrado em 31 de março de 2021. Neste mesmo período, o lucro bruto foi de R$ 1,5 bilhão com um Ebitda de R$ 6,6 bilhões.
Além do tamanho e robustez da Raízen, a sua boa reputação no mercado e a ausência de empresas similares na bolsa são alguns dos fatores que tornam a empresa atrativa para o mercado.
Case de futuro
Segundo os analistas ouvidos pelo E-Investidor, do Estadão, as apostas dos investidores miram para um dado mais subjetivo: o futuro.
Devido aos compromissos mundiais pela transição energética prevista em diversos acordos internacionais, eles denominam a Raízen como “um case de futuro”. “Hoje existe uma pressão grande por parte do mercado, em especial no exterior, para que haja diversificação das fontes”, diz o analista Ilan Arbetman, da Ativa Investimentos. “A transformação já começou. Quem largar antes, sai na frente”.
A Raízen parece empenhada nessa corrida. De acordo com o seu prospecto, a estratégia de crescimento da empresa está focada em expandir a produção de renováveis. Atualmente, cerca de 80% da produção da Raízen é de etanol de primeira geração, mas a companhia quer reverter esse cenário.
A empresa almeja aumentar até 2031 sua capacidade na produção de etanol de segunda geração, produzido a partir de bagaço e palha de cana-de-açúcar. Por ser fabricado a partir dos resíduos da cana, a indústria consegue entregar o biocombustível sem demandar a ampliação do plantio. Além disso, ele emite 15 vezes menos carbono na atmosfera.
Em 2021, a empresa produziu 24 milhões de litros de etanol de segunda geração, mas a meta é atingir 2 bilhões de litros e licenciar a tecnologia para outros países com alta disponibilidade de biomassa, como a Índia.
Na avaliação do professor de economia da FGV, Henrique Castro, a Raízen pode se tornar um player importante no mercado na transição de combustíveis fósseis para mais limpos. “O etanol pode se tornar combustível importante na medida em que combustíveis fósseis forem sendo cada vez menos favorecidos internacionalmente. E a expectativa é que o etanol seja o combustível de transição em diversos países antes que haja uma adoção completa de veículos elétricos”, aponta.
Além do benefício ambiental por ser 80% menos poluente que os combustíveis fósseis, o etanol de segunda geração captura maior prêmio, de aproximadamente 70%, em comparação ao etanol de primeira geração nos mercados internacionais.
Por isso, a aposta nesta opção também abre possibilidades de ganhos no mercado de crédito de carbono. “O mercado de crédito de carbono é interessante para a Raízen. Ela vai poder vender esses créditos e isso pode sim aumentar significativamente a sua avaliação”, diz o chefe de renda variável da Levante Investimentos, Flavio Conde.
Porém, o preço do etanol de segunda geração, mesmo adicionado ao valor de crédito de carbono, é superior ao de primeira geração, o que deve impactar no interesse dos investidores nacionais. “Nesse primeiro momento, como o mercado de crédito de carbono regulado é mais forte no mercado externo, possivelmente seja mais fácil hoje para players de fora enxergarem valor no que a Raízen propõe”, analisa Arbetman.
Pontos de atenção
Um dos pontos de atenção para o futuro da Raízen é a sua estrutura societária, com a Shell sendo a principal acionista, em contraposição aos seus planos de energia renovável e limpa. Ainda existem muitas dúvidas de como a Raízen alinhará e coordenará seu plano sustentável com a Shell. “Isso gera preocupação de governança, mas a Shell sabe que os governos estão endurecendo medidas em favor de combustíveis mais verdes. A Shell também está de olho nesse negócio porque sabe que o futuro obriga a se envolver nessa direção”, avalia Castro.
Porém, fica a dúvida para o mercado de como será encabeçado a rede de combustíveis dentro do projeto que visa a redução de poluidores. Hoje a venda e distribuição de combustíveis derivados do petróleo representam a maior parte do faturamento da Raízen, enquanto a produção de açúcar e renováveis representa 25% do seu faturamento. “Fica a expectativa de como essa parte (postos) vai ser empacotada com base na sustentabilidade”, comenta Arbetman.
Pesa também para o mercado o histórico ambiental da Shell. Em 2019, a anglo-holandesa foi condenada pela justiça europeia em ação movida pela Milieudefensie, organização ambiental holandesa, exigindo que a petrolífera reduza em 45% as emissões de carbono até 2030.
Além disso, preocupa a Raízen não ter entrado no Novo Mercado em um momento em que as práticas ESG (governança ambiental, social e corporativa, na sigla em inglês) têm ganhado a atenção dos investidores.