Valor Econômico
Decisão do Cade sobre ativos da estatal aumenta a chance de domínio da indústria
A mudança na política de preços dos combustíveis, implementada pela Petrobras em maio de 2023, criou dificuldades para o refino no país, segundo analistas. Ao deixar de considerar a Política de Paridade de Importação (PPI) como única referência para a precificação do diesel e da gasolina, a estatal pode diluir os custos ao longo da cadeia de produção, algo que as refinarias privadas não conseguem. Como resultado dessa conjuntura, as margens das empresas privadas do setor no Brasil tendem a ser menores, dizem especialistas.
A margem de uma refinaria privada sobre o diesel (o chamado “crack spread”) no Brasil esteve em média, em maio, US$ 5,79 menor do que em uma refinaria do Golfo dos Estados Unidos, conforme a Hedgepoint. Segundo a consultoria, a simulação utiliza o preço do barril americano como referência e os preços de venda do derivado no Brasil. O “crack spread” é a diferença entre o custo do petróleo e a receita com a venda do diesel.
Em maio, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) deu decisão favorável à Petrobras permitindo à empresa manter refinarias que haviam sido colocadas à venda em acordo com o órgão antitruste. No total, a Petrobras havia se comprometido a vender oito unidades, mas só se desfez de três, sendo que cancelou a venda de uma delas, a Lubnor (CE).
“Com a decisão do Cade, a Petrobras reforça a integração vertical da companhia e consolida o alcance econômico no setor de óleo e gás no Brasil”, diz o analista da Hedgepoint, Victor Arduin. As margens, diz, começam a ficar ruins no Brasil quando a Petrobras se afasta do PPI com a nova fórmula: “Em 2024, os preços persistem por mais tempo abaixo do ‘crack’ dos Estados Unidos.”
“A receita obtida pelas refinarias privadas no Brasil depende do preço praticado pela Petrobras, o maior ofertante do mercado doméstico. Mas o principal custo, o petróleo, está sujeito às forças de oferta e demanda mundiais. Manter os preços da gasolina e do diesel baixos beneficia o consumidor e ajuda a controlar a inflação no país, mas essa distorção prejudica os investimentos no setor a longo prazo”, afirma o analista.
Ainda que os agentes privados encontrem dificuldade em lucrar com refinarias no país, esse cenário não os levou a desistir de comprar ativos quando a Petrobras firmou o termo de compromisso de cessação (TCC) com o Cade em 2019 para elevar a competitividade no setor. Com a revisão do acordo, as cinco refinarias que deixaram de ser vendidas continuarão pertencendo à estatal. A petroleira ainda tem chance de elevar a participação no setor se efetivar o retorno à refinaria de Mataripe (BA), que vinha sendo negociado pelo ex-presidente Jean Paul Prates com o fundo Mubadala, dono da planta.
A dificuldade que os agentes privados enfrentam para operar refinarias no Brasil por força do domínio de 93% que a Petrobras tem do parque de refino no país, segundo a Hedgepoint.
Fórmula de preços da Petrobras em 2023 derruba margens de refinarias no Brasil”
— Victor Arduin
A pressão da Petrobras no setor se deve à verticalização da empresa em diferentes etapas da cadeia de derivados e ao fato de a estatal ditar os preços, algo que companhias privadas não conseguem: “O fato de a Petrobras formar os próprios preços faz com que ela consiga manter o lucro nas refinarias próprias fazendo ajustes ao longo da cadeia. Mas uma refinaria privada não tem como fazer o mesmo. A refinaria privada compra o petróleo a preço internacional e depois vende o derivado a um preço nacional para ser competitiva.”
Arduin afirma que a tentativa do acordo entre a Petrobras e o Cade em 2019 era para evitar essas distorções do setor e dar mais condições de competição a refinarias privadas, mas o cenário foi revertido mês passado. As negociações citadas pela Petrobras com o fundo de Abu Dhabi, Mubadala Capital, para retornar à refinaria de Mataripe agravam o cenário de monopólio, de acordo com o especialista. Segundo a “Folha de S. Paulo”, a Petrobras deve retomar o controle do ativo, que foi vendido para o fundo no começo do acordo do Cade.
A refinaria Lubnor, no Ceará, era mais um exemplo de ativo que seria vendido pela Petrobras e daria mais espaço para a iniciativa privada no setor, mas a estatal rescindiu o contrato de venda em novembro do ano passado. A Grepar, que negociava a compra com a Petrobras, está em um processo de arbitragem com a estatal. Segundo a Grepar, que diz não poder comentar o processo por ser sigiloso, a expectativa é que leve de dois a três anos para uma resolução. Procurada, a Petrobras não respondeu.
Felipe Perez, diretor de downstream da da agência de classificação S&P Global para América Latina, afirma que o setor de refino mundial está em momento de revisão por conta da transição energética. Na visão do especialista, o mundo vai precisar cada vez menos dos produtos refinados: “Com a falta de perspectiva de crescimento de demanda pelos produtos fósseis refinados, existe um estreitamento de margem em nível global. As margens de refino no hemisfério sul são mais pressionadas pela dificuldade de conectar os mercados. No Brasil, por exemplo, existe uma carência de dutos, como vemos na Costa do Golfo.”
“A janela de oportunidade para investimentos externos em refino no Brasil é quase fechada. O setor é dependente da Petrobras. Existe interesse em investir no Brasil pela posição geográfica e pelo acesso ao petróleo, mas quando se cria barreiras e volta para um setor monopolista, as possibilidades ficam restritas. O custo-Brasil do refino desmotiva.”