EPBR
A tramitação da reforma tributária no Senado, sob relatoria de Eduardo Braga (MDB/AM), tem sido permeada por articulações de vários agentes da economia, entre os quais petroleiras e representantes do mercado de combustíveis e de biocombustíveis.
Com o primeiro relatório aguardado para esta semana, entidades tentam consolidar reformas ainda em curso e avançar na delimitação do imposto seletivo, por exemplo, nova cobrança destinada a estados e municípios com viés ambiental – por vezes chamado de ‘imposto do pecado’.
Na outra ponta, dentre os princípios da proposta enviada ao Senado Federal estão a manutenção da arrecadação de estados e municípios.
Até o momento, foram realizadas várias audiências públicas e algumas demandas acabaram atendidas por meio de emendas – o relator recebeu 280 sugestões até o momento.
A proposta é de criação de um imposto sobre valor agregado (IVA) dual, para substituir a cobrança bens e serviços pela CBS (federal), o IBS (subnacional) e o imposto seletivo (IS), substituto do IPI (indústria), que também abastece os cofres estaduais e municipais.
Confira, ponto a ponto, alguns pleitos desses setores encaminhados ao Senado durante as discussões sobre as novas regras tributárias do país:
Regime diferenciado dos combustíveis
O mercado de óleo e gás ainda tenta consolidar, na emenda constitucional, a reforma da tributação dos combustíveis feita em 2022 e incluir os biocombustíveis – sobretudo, o etanol hidratado – no regime de monofasia, de modo que haja isonomia em relação à gasolina. Isso tanto para a CBS, como para o IBS.
Na versão atual, o texto fala em “combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade”. Assim, ainda há uma margem para, na regulamentação, o etanol hidratado ficar de fora.
Mudanças feitas nas regras de créditos, durante a tramitação da Câmara, facilitaram a mudança, mas que não é consenso no setor.
Hoje, sobre os combustíveis produzidos ou importados no país, incidem impostos federais e uma alíquota de ICMS dos estados com valor fixo por litro e nacional, cobrado em reais por quantidade comercializada.
Também incide no primeiro elo da cadeia e não mais por substituição, como ocorria no modelo anterior, de um percentual sobre valores médios na ponta, mas recolhido pelas refinarias, na caso dos combustíveis nacionais.
Um passo é garantir o novo regime
A Brasilcom levou ao relator da PEC 46/22 proposta para alterar o artigo 156-A do texto aprovado na Câmara e ajustar a sua redação.
Se houver aval no futuro parecer de Eduardo Braga, o termo “pode” acabaria substituído pela expressão “deve”, dando clareza à obrigatoriedade desse novo modelo, o ad rem, na criação do IBS estadual.
A ideia foi acolhida na emenda 228, do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB/PB), presidente da Frente Parlamentar da Energia e Recursos Renováveis.
A inclusão dos biocombustíveis
Um dos argumentos para incluir o etanol hidratado nesse regime específico é o combate à sonegação, com a criação de um regime único para todos os combustíveis.
O biodiesel e o etanol anidro são comercializados nas misturas com o diesel B e a gasolina comum.
Entretanto, agentes do setor de etanol e biodiesel temem que a carga tributária pressione o caixa dos produtores, devido à implementação da monofasia em uma cadeia de longa produção e a possibilidade de acúmulo de créditos.
Em geral, tanto os produtores de etanol e biodiesel, como a cadeia de produção e distribuição de gasolina e diesel, buscam a garantia da não-cumulatividade nos novos regimes.
Isto é, que o imposto pago por uma empresa seja reconhecido nos elos subsequentes, sem que fiquem acumulados no meio da cadeia. A monofosia, com a cobrança no primeiro elo, busca justamente essa simplificação.
A decisão no Congresso Nacional será como adaptar a um modelo que valha para todos – com biocombustíveis dentro do regime específico para a CBS e IBS – ou diferenciado para os biocombustíveis.
Em todos os casos, as empresas alegam que as perdas com créditos acumulados serão repassadas nos preços.
Desoneração garantida
Uma vitória do setor de etanol na versão final do relator Aguinaldo Ribeiro (PP/PB) foi a continuidade do diferencial em comparação com a gasolina, incorporada na Constituição Federal em 2022, a emenda constitucional 123/22.
Os deputados mantiveram “o regime fiscal favorecido para os biocombustíveis destinados ao consumo final”.
Agroindústria de soja e biodiesel
A Abiove, dos produtores de óleo vegetal, defende mudanças para estimular a “agregação de valor” e o avanço da industrialização na cadeia da soja.
O setor entende que, com o IVA dual e o fim dos créditos presumidos, a tendência é que ocorra uma estabilização do nível de processamento, ou seja, um freio ao crescimento da industrialização.
“A grande preocupação nossa é que a indústria de processamento de soja consiga crescer na mesma velocidade que a produção de soja brasileira vai crescer. E, caso contrário, a gente vai perder capacidade de adicionar valor [na cadeia]”, defendeu o presidente-executivo da entidade, André Nassar.
Ele representou a Aprobio e a Ubrabio, as duas entidades do setor de biodiesel.
Sugere, assim, que a União seja autorizada, na gestão da arrecadação da CBS, a conceder créditos para a agroindústria.
Seria uma inovação na proposição aprovada na Câmara, que beneficia o setor agropecuário com desconto de 50% na alíquota geral do IVA.
A entidade também recomenda, de forma mais ampla, a inserção de um artigo que incumbe ao poder público, na forma de lei complementar que abrangeria tanto a CBS quanto o IBS, “estabelecer os mecanismos necessários para desenvolver, estimular e garantir o diferencial competitivo da indústria nacional que promova agregação de valor à produção agrícola brasileira”.
Imposto seletivo x essencialidade
Em relação ao imposto seletivo (IS), as entidades do setor de óleo e gás seguem defendendo a não inclusão dos combustíveis fósseis, sob argumento de que a emenda 123/22 já garante o estímulo ao consumo dos biocombustíveis, uma fonte renovável de energia.
Além disso, diz o IBP, a gasolina e os demais derivados de petróleo já são onerados pelo RenovaBio, programa que na prática amplia a renda de produtores de etanol, biodiesel e biometano, substitutos da gasolina e do diesel.
Há o entendimento de que, com base no arcabouço atual, os combustíveis (com exceção da gasolina) contam com a atribuição da essencialidade e não deveriam, portanto, entrar na lista do IS.
A essencialidade foi alvo da batalha judicial no STF, após as leis da reforma do ICMS de 2022. Terminou em um acordo entre União e estados que reconhecem a essencialidade do diesel – estados não podem majorar o ICMS –, mas ainda é alvo de debates no Congresso Nacional.
A manutenção ou não do reconhecimento da essencialidade, ponto que também interessa ao setor de energia elétrica, é um dos trechos da PEC sob avaliação de Braga.
“Esse é um produto que tem uma essencialidade, não preciso ressaltar o quão importante esse produto é para a economia nacional”, comentou o presidente do IBP, Roberto Ardenghy, durante audiência pública no Senado, na terça passada (26/9).
“É de suma importância que se faça alterações no texto de modo que não haja incidência do IS para as operações envolvendo petróleo e gás”, defendeu.
O Sindicom é uma das organizações que articula no Senado em favor da manutenção da essencialidade. Na visão da entidade, esse é o caminho para evitar que o mercado de combustíveis seja sobretaxado.
“A essencialidade de combustíveis deve ser preservada de forma a não permitir abusos na tributação de combustíveis, tal qual previsto, entre outros, na Emenda Constitucional no 123/22, evitando-se a instituição de Imposto Seletivo sobre operações com combustíveis fósseis.”
De uma forma ou outra, Brasilcom, Sindicom e IBP representam distribuidoras de combustíveis de diferentes perfis. O IBP, entidade que reúne as grandes petroleiras com negócios no Brasil, atua por meio da ABD – Associação Brasileira de Downstream.
Repetro: regime especial do óleo e gás
De acordo com o IBP, também seria importante assegurar a continuidade do Repetro, regime aduaneiro que desonera bens e serviços no segmento de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural.
Na versão da Câmara dos Deputados, a emenda constitucional não prevê explicitamente a manutenção do regime.
As empresas alegam que a extinção resultará em aumento da carga tributária para campanhas exploratórias, sob o risco até mesmo de inviabilizar projetos no Brasil.
“Fazemos um investimento muito pesado na frente, sem antes obter uma gota de petróleo”, argumentou Ardenghy.
Consta do artigo que institui o Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS) a necessidade de uma lei ordinária para dispor sobre todos os “regimes aduaneiros especiais”, o que inclui o Repetro e outros regimes especiais e aduaneiros.
Em tese, o instrumento que disciplinará a continuidade ou não do Repetro será, portanto, a mesma lei complementar que vai disciplinar a aplicação das novas regras fiscais para todo o mercado de combustíveis e gás natural.
Além de depender de decisões políticas posteriores à aprovação da PEC, agentes do setor temem o risco associado ao hiato entre a promulgação das emendas e essa regulamentação.
O modelo vigente foi criado – e expandido – por medida provisória no governo de Michel Temer. Hoje, é válido até 2040.
O relator no Senado ainda não sinalizou qualquer tipo de mudança nesse ponto.
Fundos estaduais e a cobrança sobre produtos primários
As entidades do setor de petróleo defendem que Eduardo Braga faça alterações em um dos trechos que entraram na PEC aprovada pela Câmara após pressão dos estados, às vésperas da votação em plenário.
Trata-se do artigo que permite que os governadores e as secretarias estaduais de Fazenda criem um novo tributo, a contribuição sobre produtos primários e semielaborados.
Ficou conhecido como a “taxa do agro”. Em crise fiscal, estados como Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul criaram fundos para arrecadar mais sobre a produção agropecuária local.
No Rio de Janeiro, maior produtor de petróleo do país, foram feitas tentativas com outros contornos, de fiscalização da atividade nos campos marítimos e, mais recentemente, por meio da criação de um fundo.
Em geral, as tentativas foram judicializadas e surgiram na PEC da reforma tributária, no entendimento de especialistas e contribuidores, com a possibilidade de legalizar de vez a cobrança.
“A gente tem hoje 17 estados com capacidade ou com potencialidade [isto é, que estão aptos] de instituir essa contribuição. (…) Sob qualquer definição, seja do IBGE ou da Lei Kandir, o óleo bruto é bem primário”, defendeu o presidente da Refina Brasil, Evaristo Pinheiro, no debate na Câmara.
A entidade reúne as refinarias privadas no país, portanto, consumidores de petróleo e gás natural. “Isso tem um potencial lesivo grande e de desequilíbrio tributário”, disse.
O ICL (Instituto Combustível Legal), assim como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o próprio IBP e diversas entidades de outros setores também querem a retirada da brecha para criação de um novo imposto estadual.
“Essa medida está sendo criticada por todos, inclusive em alguns casos pelos próprios estados, porque você está começando de novo uma guerra fiscal”, afirmou Emerson Kapaz, presidente do ICL. “Já já estão criando um manicômio, já virou o mini-manicômio essa medida.”
A reivindicação foi acolhida pelo senador Espiridião Amin (PP/SC), que apresentou a emenda 165 com o objetivo de suprimir o artigo 19 da PEC – a numeração mudou na redação final e a medida vinha sendo chamada de “Artigo 20”.
O parlamentar justifica que a iniciativa da Câmara fere princípios da reforma tributária, incide sobre as exportações, desrespeita a não-cumulatividade e leva, assim, a aumento da carga tributária.
“(…) Importante motivação desta reforma é tributar todos os setores o mais homogeneamente possível, como forma de reduzir distorções e trazer justiça ao nosso regime tributário”.