Fonte: Valor Econômico
Diante dos impactos da pandemia de covid-19 sobre o consumo de petróleo e sobre as perspectivas de preços da commodity para o longo prazo, a indústria global de óleo e gás deve intensificar os esforços na transição energética para uma economia de baixo carbono. Enquanto isso, no Brasil, o setor se prepara para uma agenda de transformação profunda: ao mesmo tempo em que recebe atenção das empresas, de olho na vocação natural do país para as energias mais limpas, o mercado brasileiro mergulha em um processo de abertura sem precedentes nos negócios de refino e gás natural.
Na edição 2020 da Rio Oil & Gas, uma das maiores feiras do setor na América Latina, realizada esta semana pela primeira vez de forma virtual, o assunto da transformação do mercado brasileiro dominou a pauta dos debates. Num dos anos mais difíceis da história recente da indústria, executivos das principais petroleiras do mundo saíram em defesa de melhorias no ambiente regulatório e da importância de o Brasil manter o ritmo da abertura do refino e do gás. E, olhando para a transição energética, reforçaram a posição estratégica do país – que oferece oportunidades tanto em óleo quanto em renováveis.
Na visão de executivos do setor, a transição rumo a fontes de energia menos poluentes é uma oportunidade para o Brasil atrair investimentos não somente em renováveis, mas também no próprio setor de petróleo. O gerente-executivo de águas ultraprofundas da Petrobras, Joelson Falcão Mendes, destacou que o pré-sal tem custos de extração competitivos para se manter como fonte importante no mercado global, frente à queda esperada do consumo de óleo nas próximas décadas, além de teores de enxofre baixos – motivo pelo qual as exportações da estatal vêm tendo boa entrada no mercado global, sobretudo na Ásia. “Temos um pré-sal onde podemos buscar energia com uma menor quantidade de emissões possíveis”, disse.
Empresas como a Equinor e Shell reforçaram o interesse pelo mercado brasileiro de energias limpas. O presidente global da norueguesa Equinor, Anders Opedal, afirmou que a empresa tem interesse em projetos de geração eólica em alto-mar no Brasil. “Estamos olhando oportunidades na costa brasileira”, disse o executivo. Ele também citou a intenção da companhia de se posicionar no mercado de gás, no país, e comentou que espera “em breve” ver progressos na de abertura do mercado.
O presidente da Shell no Brasil, André Araújo, acredita que o Brasil tem potencial para assumir um papel relevante dentro da estratégia de transição energética das petroleiras. “Se o Brasil fizer seu dever de casa, vai sair na frente de todo mundo”, comentou o executivo.
Ele defendeu a importância de políticas públicas que criem um ambiente favorável à transição e defendeu a adoção de mecanismos de crédito de carbono no Brasil – sem, contudo, taxar emissões. “Na nossa região, o histórico é de que o destino possível de um imposto não está relacionado ao que entendemos como razoável”.
As grandes petroleiras europeias – BP, Equinor, Shell e Total – anunciaram este ano compromissos para zerar as respectivas emissões líquidas de carbono até 2050. Para o vice-presidente de estratégia da Iniciativa Climática para Óleo e Gás (OGCI, na sigla em inglês), Julien Perez, as petroleiras têm vantagens na transição, como a capacidade de conduzir projetos complexos, a escala global e o acesso a financiamento. “As companhias trazem conhecimentos internacionais, como sensibilidade a diferentes mercados.”
Diante da transição energética e da previsão de preços mais baixos para o óleo, as petroleiras pregaram a necessidade de regulações mais amistosas aos investimentos, no Brasil. A Shell, por exemplo, defendeu o fim do regime de partilha do pré-sal e que o Congresso avance com a Nova Lei do Gás e a reforma tributária em 2021.
Em relação à abertura do refino, um dos pontos em debate é a segurança do abastecimento, a medida em que a Petrobras – que historicamente assumiu o papel de garantidora do suprimento nacional – deixará de deter o monopólio de fato do setor. Segundo o secretário-executivo de óleo e gás do Ministério de Minas e Energia, José Mauro Coelho, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) pautará na próxima semana o monitoramento em tempo real do mercado de combustíveis pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). “No mundo pós-alienação dos ativos de refino, a Petrobras não conseguirá mais olhar o mercado de combustíveis como um todo. E nenhum outro agente verá esse mercado como um todo”.