Fonte: Valor Econômico
A Petrobras está decidida a vender a fatia remanescente que ainda detém na BR Distribuidora, privatizada em julho. Vamos começar a trabalhar desde já [na oferta subsequente da BR] e fazer no momento mais adequado, disse ontem, em entrevista ao Valor, o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco. Perguntado se há espaço para a operação sair no ano que vem, ele foi taxativo: Haverá, sem dúvida. Faremos.
Em julho, a Petrobras levantou R$ 9,6 bilhões com a venda de ações da BR Distribuidora na Bolsa de Valores de São Paulo (B3). Com a operação, a Petrobras reduziu sua participação na companhia de 71,25% para 37,5%.
A operação se insere em uma iniciativa mais ampla da Petrobras, que espera levantar entre US$ 20 bilhões e US$ 30 bilhões com venda de ativos nos próximos quatro anos. O desinvestimento faz parte, por sua vez, do plano estratégico da companhia para o período 2020-2024. Batizado de Mind the Gap, o plano será detalhado pela primeira vez hoje por Castello Branco e diretores da companhia em encontro com investidores, na Bolsa de Nova York (NYSE).
Ontem, o executivo fez um balanço de seu quase um ano de gestão. Disse que enfrentou e venceu três batalhas: os preços dos combustíveis, os desinvestimentos e o acordo coletivo de trabalho dos empregados da Petrobras.
Nos preços, disse, prevaleceu a liberdade de fazer ajustes para cima ou para baixo, de acordo com as condições de mercado. Nos desinvestimentos, foi garantida a segurança jurídica para a venda de subsidiárias, como a transportadora de gás TAG. Só este ano, vendemos US$ 16,4 bilhões, o que inclui TAG, BR Distribuidora e campos de petróleo. No acordo coletivo, houve, segundo ele, um empoderamento dos empregados da Petrobras que eram contra as greves propostas pelo sindicato.
Nesta entrevista, Castello Branco defende o benefício de abrir o segmento de refino, hoje sob o monopólio da Petrobras. Revela que a estatal vai receber nos próximos dias ofertas vinculantes para o primeiro lote de quatro refinarias postas à venda e acrescenta que a estatal também receberá oferta não vinculante para a unidade de Gabriel Passos (Regap), em Minas Gerais, ainda este ano. Nos próximos dias.
O presidente da Petrobras também defende a atuação da empresa nos recentes leilões da ANP, nos quais desembolsou US$ 17 bilhões. Ao comentar o resultado do PIB divulgado ontem, afirmou: A economia está começando um ciclo de recuperação sustentável. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Valor: Qual o balanço o sr. faz de quase um ano de gestão?
Roberto Castello Branco: O balanço é positivo, até melhor do que esperava. Estou feliz. Eu tinha em mente o enfrentamento de três grandes batalhas no primeiro ano e, felizmente, as enfrentamos e vencemos.
Valor: Quais eram?
Castello Branco: Preços de combustíveis, desinvestimentos e acordo coletivo de trabalho.
Valor: Pode falar mais sobre essas batalhas?
Castello Branco: No preço de combustíveis foi criada uma tensão em 2018 com a subida dos preços do petróleo, dos combustíveis, e a metodologia usada pela Petrobras de reajustes diários. Houve a greve dos caminhoneiros que provocou um choque na economia. E o problema principal não foi resolvido. Tem mais caminhão do que carga. Não há preço de combustível que vá satisfazer. Mas a Petrobras e a economia não podem viver com subsídios nos preços dos combustíveis. Então mudamos a política. Em lugar de fazer reajustes diários, fazemos reajustes mais espaçados, lançamos a ideia do cartão do caminhoneiro e eu sabia que, mais dia ou menos dia, ia estourar essa questão dos preços dos combustíveis. De fato, houve uma situação em abril. O presidente Bolsonaro me chamou. Havia ameaça de greve e, diante das perdas que a greve do ano anterior tinham causado, achei prudente suspender o aumento e conversar com ele [Bolsonaro]. Expliquei qual era a metodologia que usávamos, os benefícios disso e então ele deu sinal verde para continuar com a política de reajuste de combustíveis.
Nas refinarias, investiremos US$ 6 bilhões em quatro anos. São investimentos em manutenção e não de expansão”
Valor: Há referência à política de preços e à taxa de câmbio no novo plano de negócios da Petrobras?
Castello Branco: Não colocamos referências porque previsão de taxa de câmbio é extremamente difícil. Ela faz o que nós economistas chamamos de caminhada aleatória. Se o dólar hoje estiver a R$ 4,20, isso não traz informação de quanto vai ser o câmbio amanhã, daqui a uma semana ou um mês. Então a gente usa simplesmente como base o câmbio atual. Mas estamos preparados para seguir a política qualquer que seja [o cenário]. Não acreditamos em nenhuma disparada do dólar até porque o Brasil conta com quase US$ 400 bilhões de reservas. Na hora em que o Banco Central achar que é razoável pode despejar dezenas ou até centenas de bilhões de dólares no mercado.
Valor: A segunda batalha foi a da venda de ativos…
Castello Branco: Havia ações judiciais que dificultavam a venda até que o ministro Fachin [Edson Fachin, do STF] concedeu liminar que bloqueava a venda da TAG [transportadora de gás]. Mas isso foi resolvido, o assunto foi julgado no plenário do Supremo, o que liberou a venda da TAG [para a Engie] e de todas as subsidiárias [da Petrobras], o que foi muito bom porque eliminou uma incerteza.
Valor: No plano, a Petrobras define meta de venda de US$ 20 bilhões a US$ 30 bilhões até 2024. O valor é parecido com o plano anterior…
Castello Branco: Não, é maior. O plano anterior falava em US$ 27 bilhões. Desses US$ 27 bilhões, só este ano vendemos US$ 16,4 bilhões, o que inclui TAG, BR Distribuidora, campos de petróleo.
Valor: O desinvestimento previsto no novo plano pode incluir a venda da fatia remanescente na BR?
Castello Branco: Na BR, vamos fazer um outro follow on.
Valor: Tem prazo?
Castello Branco: Não, vamos começar a trabalhar desde já e fazer no momento mais adequado.
Valor: Pode ser em 2020?
Castello Branco: Sem dúvida. Faremos.
Valor: Em refino, a meta é vender oito refinarias e estabilizar a capacidade em 1,1 milhão de barris por dia ao longo de 2020-2004, é isso?
Castello Branco: Um dos benefícios da venda do refino é a minimização de riscos porque, sendo monopolista nesse mercado, a Petrobras tem 98% da capacidade de refino do Brasil. A existência de competição diminui o risco de intervenção [nos combustíveis]. A carne, por exemplo, é uma commoditie global, assim como o diesel. Um produto básico. Se o preço da carne subiu, ninguém propõe tabelar a carne.
Valor: Quatro refinarias estão na fase de ofertas vinculantes, certo?
Castello Branco: Vamos receber as ofertas vinculantes provavelmente no início de março. Recebemos [até agora] as ofertas não vinculantes. Vamos receber as vinculantes para as primeiras quatro [no RS, PR, BA e PE]. A Regap [em MG] está vindo aí e as outras três [AM, PR e CE] um pouco mais à frente. Na Regap vamos receber oferta não vinculante nos próximos dias, ainda este ano.
Valor: E o Comperj?
Castello Branco: Temos dois planos. Anunciamos parceria com a Equinor para construção de plantas termelétricas na área do Comperj. Outro plano é a utilização de equipamentos do Comperj para produzir lubrificantes de última geração pela Reduc [RJ]. No lugar de instalar novos equipamentos na Reduc, a ideia é ter um duto da Reduc até o Comperj. É um projeto só da Petrobras e não tem investimento estimado ainda, é uma ideia. A Reduc, com a venda das demais refinarias, vai passar por uma modernização. Nas refinarias, vamos investir US$ 6 bilhões em quatro anos.
Valor: A Petrobras deu uma visão geral do investimento, que tem foco no óleo e gás. E o resto das áreas?
Castello Branco: Terá US$ 6 bilhões em refino. Haverá investimentos no centro corporativo, estamos passando por reconstrução da infraestrutura de tecnologia da informação, investimentos em gás. São investimentos em manutenção e não de expansão de capacidade.
Valor: O plano deixa claro o foco na exploração e produção…
Castello Branco: O foco é o E&P. Houve gente que disse que a Petrobras reduziu investimento, mas esqueceu que poucos dias atrás nós investimos, nos três leilões que o governo fez, US$ 17 bilhões. Compramos o maior ativo offshore do mundo, que é Búzios.
Valor: Analistas consideraram que a meta de produção para 2020 ficou abaixo do esperado…
Castello Branco: Não entendi por que a surpresa. Tínhamos conversado com eles, mostrando que a Petrobras teve um salto na produção este ano, mas dissemos que, no ano que vem, não deveriam contar com crescimento, o crescimento vai ser pequeno.
Valor: Equivalente ao deste ano?
Castello Branco: Menor porque há um declínio natural de campos, tem alguns ajustes que precisamos fazer nas plataformas, então o crescimento vai ser mais lento. A produção de óleo e gás da Petrobras entre 2010 e 2018 cresceu 2% [ao ano] no total.
Valor: E a energia renovável? O plano tem foco só em pesquisa. Não seria possível investir em renováveis no horizonte do plano?
Castello Branco: Não queremos nos arriscar a entrar em um negócio que é muito diferente de produzir petróleo. Não é uma questão financeira, mas de retorno sobre o capital investido. Só queremos entrar [na produção] se tivermos certeza que temos a competência necessária para ganhar nesse negócio.
Valor: E a redução de emissões de gases poluentes?
Castello Branco: Aí é importante. Temos um programa de descarbonização da produção de petróleo. Nosso petróleo permite isso [reduzir emissões]. Não faria sentido a gente sair fazendo planta eólica, solar, sem saber direito como manejar esse negócio e sem cuidar do básico. Vamos primeiro arrumar a casa. Outros, por questões de marketing ou de pressão, especialmente dos ambientalistas, saem fazendo isso [investindo em renováveis]. Está tudo errado a nosso ver.
Valor: A Petrobras poderá afretar plataformas para Búzios?
Castello Branco: Depende do mercado, o que for mais favorável, a gente fará.
Valor: A Petrobras prevê a instalação de 13 sistemas de produção para águas profundas e ultraprofundas, é isso?
Castello Branco: Como é sistema de partilha, que eu acho, sinceramente, inadequado, a PPSA [estatal do pré-sal] é que tem que aprovar esse plano de produção. Estamos trabalhando no mercado para agilizar o projeto rapidamente.
Valor: A Petrobras vai gastar menos para desenvolver Búzios?
Castello Branco: Nosso objetivo é esse.
Valor: Vai depender do quê?
Castello Branco: Do mercado, da nossa eficiência. Começamos alguns projetos de inteligência artificial importantes para Búzios. Um aspecto relevante é a redução do tempo requerido para iniciar a produção. É um projeto muito importante porque hoje entre começar a exploração de um campo e produzir o primeiro óleo leva no mínimo cinco anos. Nossa meta é fazer isso em três anos, mil dias. Tem outros projetos que leva até sete anos. Outra coisa boa de Búzios é que a fase exploratória já aconteceu. Não precisamos ficar furando poço exploratório. Isso acelera muito o projeto. Nós produzimos 600 mil barris/dia [em Búzios]. Temos quatro [plataformas em Búzios] e, em 2022, vai chegar mais uma plataforma.
Valor: O que Búzios representa para a Petrobras?
Castello Branco: É nosso maior e melhor ativo, tem custo baixo, grandes reservas, é resistente a cenário de preço de petróleo de US$ 40 por barril e é consistente com nossa estratégia. Dissemos que vamos investir em ativos em que somos dono natural. Somos o dono natural de Búzios porque somos a companhia que conseguirá extrair o maior retorno possível de Búzios. Outra coisa importante é que o Brasil passou anos sem ter leilões de blocos exploratórios. Além disso, a crise financeira fez a Petrobras reduzir dramaticamente o investimento em exploração. Significa que nosso horizonte de longo prazo estava comprometido como companhia de petróleo.
Valor: Por quê?
Castello Branco: Porque não tinha reserva lá na frente. Agora temos futuro melhor. Para uma companhia de mineração e petróleo, reserva é o sangue que corre nas veias.
Valor: O que espera da parceria com os chineses em Búzios? A importância deles é o aporte de capital?
Castello Branco: Vamos ver como ela se desenrola. Já são parceiros em outros projetos, são tímidos por enquanto [no Brasil]. Nós ganhamos outro bloco exploratório muito bom, Aram, em que os chineses entraram com 20%. Até agora temos nos entendido muito bem.
Valor: Por que a Petrobras não fez ofertas por outros blocos nos leilões de novembro?
Castello Branco: O arcabouço regulatório do petróleo tem que ser reexaminado. Uma das imperfeições é que a empresa [Petrobras] é obrigada a manifestar com grande antecedência seu interesse por campos de petróleo. Manifestamos interesse por outros campos e, na hora H, decidimos não entrar porque o mundo é dinâmico. Reavaliamos: Será que esses campos são os melhores para a gente? Será que vale a pena o esforço financeiro? Fomos quase até o limite de nosso cartão de crédito [risos]. Vale a pena entrar no cheque especial? Não. Nesses leilões, é possível ver uma característica nova da Petrobras, que é a disciplina de capital. Foram ofertados 45 blocos em três leilões. Fizemos proposta por cinco e levamos quatro, absolutamente disciplinados.
Valor: O leilão frustrou o governo e foi bom negócio para a Petrobras.
Castello Branco: Para a Petrobras, foi muito bom negócio.
Valor: A Petrobras pode vender uma parcela de Búzios?
Castello Branco: Não há menor intenção de vender. Petrobras não é um trader de blocos de petróleo, mas um produtor de petróleo.
Valor: Mas, na indústria, compra e venda de campos são comuns.
Castello Branco: É verdade, já fizemos várias. Mas nesse [Búzios] não temos a menor intenção.
Valor: E nos outros?
Castello Branco: Por enquanto não porque são blocos que a gente quer.
Somos a companhia que conseguirá extrair o maior retorno de Búzios. Não há intenção de vender parcela do campo”
Valor: O plano 2020-2024 indica uma remuneração maior ao acionista. Pode explicar como será?
Castello Branco: A Petrobras não tinha uma política de dividendos, a não ser seguir a lei. Como no Brasil existe essa coisa esdrúxula que é uma lei que obriga as empresas a pagar dividendos e ter um dividendo mínimo, fixamos uma política. Quando a companhia tiver US$ 60 bilhões de dívida bruta, poderemos pagar um pouco mais [de dividendo] de acordo com uma fórmula.
Valor: Qual é a fórmula?
Castello Branco: É 60% da diferença entre o fluxo de caixa operacional e o investimento. Quando chegar esse momento pagaremos.
Valor: E até lá?
Castello Branco: Segue a lei das S.A., distribuição mínima de 25% do lucro líquido. A política da Petrobras dá um horizonte ao investidor, é transparente. Nós queremos ser transparentes.
Valor: A redução da dívida será possível via geração de caixa e venda de ativos?
Castello Branco: Sobretudo da venda de ativos. A geração de caixa dependerá do desenvolvimento das reservas, da redução de custos. Outro componente que começa a ocorrer é a redução do custo da dívida. Conseguimos colocar bond de 10 anos com retorno de 5% para o investidor. Estamos trocando dívida cara por dívida mais barata.
Valor: Voltando ao seu primeiro ano de gestão, qual é a terceira batalha?
Castello Branco: Prevaleceu a vontade dos empregados da Petrobras, que era não fazer greve. Por duas vezes o sindicato tentou fazer greve e por duas vezes foi derrotado. Foi uma vitória dos empregados. O objetivo político de fazer greve foi frustrado. Isso faz parte de um contexto de empoderamento das pessoas [dos funcionários da Petrobras].
Valor: Como o sr. avaliou o resultado do PIB?
Castello Branco: A economia está retomando. Tem vários sinais disso: vendas reagem na ponta, a criação de emprego está acontecendo, a expansão do crédito no setor privado está sendo forte, os financiamentos imobiliários também, há taxas de juros mais baixas, mais crédito. O mercado de capitais tem ido bem, suportado não só por emissões de ações, mas de dívida. A economia está começando um ciclo de recuperação sustentável.
Valor: O Brasil vai crescer mais de um 1% este ano?
Castello Branco: Pelo menos 1% dá para crescer.
Valor: E para 2020 quais as perspectivas?
Castello Branco: São boas. Acredito que essa recuperação, ao contrário de outras, é sustentável. A relação dívida pública/PIB, que se esperava que acabasse o ano em 80%, vai ser mais baixa. O déficit nominal do governo vai ser menor. E o déficit primário, bem menor que o previsto. Está havendo um crowding in [expansão do setor privado], o setor privado está crescendo. O Ministério da Economia fez cálculos que mostram que o setor privado está crescendo mais de 2% ao ano enquanto o setor público está retraindo 1%. Quem está puxando para baixo o crescimento é o setor público. Os bancos públicos, por exemplo, estão se retraindo e os privados, se expandindo porque tem mais competição.
Valor: Hoje [ontem] surgiu informação que o governo quer privatizar o Banco do Brasil…
Castello Branco: Acho difícil porque o presidente [Jair] Bolsonaro não quer. Ele selecionou algumas estatais que não quer privatizar. São três: Banco do Brasil, Caixa e Petrobras.
Valor: A dificuldade é a resistência do meio político?
Castello Branco: É.
Valor: Porque a área econômica tem desejo de privatizar…
Castello Branco: Tem, mas precisa combinar, depende do Congresso Nacional. Acho que o governo não teria sucesso em um projeto desse tipo porque envolve muitos interesses regionais, locais. (Colaborou Rodrigo Polito, do Rio)