Fonte: Valor Online
Após sofrer perdas e penalidades de mais de R$ 21 bilhões por causa de irregularidades constatadas pela Operação Lava Jato, a Petrobras realiza agora uma agenda internacional com a mensagem de que “a casa está em ordem” contra a corrupção.
A companhia procura se reintegrar a iniciativas globais, o que ajuda a recuperar a reputação. Nesta semana, pela primeira vez desde o auge da Lava Jato, ela participou de encontro, ainda como observador, da Partnering Against Corruption Initiative (PACI), um programa anti-suborno promovido pelo Fórum Econômico Mundial reunindo as maiores empresas do mundo.
“A casa está em ordem”, disse o diretor de Governança e Conformidade da Petrobras, Rafael Gomes, em entrevista ao Valor, referindo-se ao reforço do “compliance” (conformidade com leis e regulamentos) para prevenir, detectar com mais sucesso e remediar casos de corrupção.
“Qualquer empresa do tamanho da Petrobras, com 47.500 funcionários e mais de R$ 300 bilhões de receita por ano, corre risco de um grau de desvio, mas da magnitude da Lava Jato não haverá”. Ele diz esperar que, com as medidas adotadas, “se alguém fizer uma coisa errada, não passe despercebido”.
“As respostas da Petrobras [ao escândalo da Lava Jato] tornam a empresa mais segura, em quem o mercado tende a confiar mais”, acrescenta. “Infelizmente, a velocidade com que se perde reputação não é a mesma para recuperá-la”.
A Transparência Internacional (TI), organização não governamental que promove medidas contra crimes corporativos e corrupção política, tem postura prudente. Até porque não avalia as práticas de compliance e sim o que as empresas divulgam ao mercado.
“Da mesma forma como outras empresas envolvidas na Lava Jato tiveram que adotar compliance de integridade, seja porque o mercado exigiu seja porque elas assumiram essas obrigações em acordos de leniência, a Petrobras vem divulgando que adotou práticas de integridade", diz Guilherme Donega, da TI. "Se isso vai se materializar, o tempo vai dizer."
No rastro da delação de Paulo Roberto Costa, em setembro de 2014, a Operação Lava Jato aprofundou a investigação sobre a empresa. No exterior, um procurador americano, Brian Benczkowski, acusou ex-executivos e membros do conselho de administração de terem "facilitado o pagamento de centenas de milhões de dólares em suborno para políticos brasileiros e partidos políticos e depois manipularam os balanços para esconder de investidores e reguladores esses pagamentos".
A Petrobras teve de fazer baixa contábil de R$ 6 bilhões. O esquema da Lava Jato implicava sobrepreço. Um valor registrado como investimento de capital na verdade não ocorreu integralmente porque foi desviado.
Em seguida, a companhia sofreu penalidade de US$ 853 milhões (R$ 3,44 bilhões pelo cambio atual) por acordo com a Justiça americana para por fim ao litígio nos EUA. E pagou US$ 2,9 bilhões (R$ 11,7 bilhões) para encerrar ação coletiva nos EUA com investidores estrangeiros.
"Mas tem outras coisas que não dá para calcular o prejuízo exato com imagem e reputação", afirma Rafael Gomes.
Ele relata que um comitê de investigação na empresa fez 82 recomendações para aperfeiçoamento no processo de compra, controle de investimento de capital, seleção de executivos etc. O nível de cuidado nas contratações, due diligence de integridade, por exemplo, é bem mais intenso, diz o executivo.
Empresa tem agora 443 funcionários na diretoria de Conformidade para prevenir irregularidades
Uma diferença entre antes e depois da Lava Jato, segundo Rafael Gomes, é também o reforço da equipe de monitoramento na companhia. A Petrobras tem agora 443 funcionários na diretoria de Conformidade para prevenir irregularidades. É o dobro de dois anos atrás - antes, uma empresa privada ajudava nesse trabalho.
A decisão sobre investimento e despesas não é tomada isoladamente. A companhia diz que também abriu canal externo para receber denúncias, garantindo anonimato, não retaliação e tomar as medidas contra potencial irregularidade.
Entre 2015 e 2018, a apuração de casos que podem variar de favorecimento a conflito de interesse, nepotismo, direcionamento de contratações, fraude, resultou em 300 sanções disciplinares, desde suspensão leve a até demissão.
A Petrobras acompanha a evolução tecnológica que ajuda a identificar padrões de comportamento indicando que vai ser cometida uma fraude. Mas o executivo ressalva que algumas adotadas por certos bancos são muito evasivas. "Um profissional íntegro não quer trabalhar com câmera de vigilância, detector de mentira, alguém olhando na pupila para ver se ela está dilatada e com adrenalina para praticar fraude. Prefere trabalhar num ambiente com base em confiança."
Atualmente, a companhia trabalha com um especialista da Wharton School (EUA) para avaliar prática de cartel contra a companhia. Através de determinados comportamentos e tendências de fornecedores, quer identificar como estabelecem os preços.
No ano passado, a Petrobras liderou um Pacto de Integridade da indústria de óleo e gás no Brasil, que reúne atualmente 14 companhias, como Shell, BP, Total, Equinor e Repsol. "Inclui compromisso de não participar em corrupção, ter tolerância zero sobre suborno, adotar medidas para prevenção e detecção", diz Rafael Gomes. Ele insiste que não é marketing, e quem não cumprir vai ser cobrado fortemente.
Com a "casa arrumada", a Petrobras passou então a operar uma agenda internacional desde o segundo semestre de 2018. Rafael Gomes tem mostrado no exterior iniciativas anti-corrupção e trocado experiência com outras companhias e organismos internacionais.
Menciona reuniões bilaterais com pares na área de Compliance em Doha, Singapura, Kuala Lumpur, Hong Kong e Argentina. Em outubro passado, participou de conferência anti-corrupção organizada pela Transparência Internacional. Em março, a Petrobras foi convidada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para encontro com outras estatais no Fórum Global de Anti-Corrupção e Integridade, em Paris. Saiu com o convite da OCDE e do CAF (banco latino-americano) para explicar seu programa a um grupo de empresas latino-americanas em Lima, no Peru, em junho.
"Há cinco anos, a constatação era de que Petrobras tinha muitas coisas para fazer. Agora, estamos no mesmo nível nos programas de compliance de outras grandes companhias ou avançamos mais que elas", diz Rafael Gomes.
A Petrobras pavimenta o terreno também para voltar à iniciativa anti-corrupção do Fórum Econômico Mundial. A participação da companhia nessa iniciativa não foi renovada, em comum acordo, segundo a empresa, no momento da revelação dos escândalos da Lava Jato, depois de 2015.
Nesta semana, após participar de novo de um encontro, a Petrobras deixou claro que pretende voltar ao PACI e deve submeter sua solicitação em breve.
De seu lado, o Fórum informa que a companhia brasileira participou como observadora e entende que "ela está no processo de melhorar sua abordagem para melhorar o 'compliance', promover mais efetivamente a integridade e combater a corrupção".
O Fórum nota que, como é o caso de qualquer outra empresa interessada em aderir, o CEO de Petrobras terá que assinar um compromisso com os Princípios da PACI. Em seguida, sua solicitação será examinada e, finalmente, submetida à aprovação da Comunidade PACI. Diante disso, "não podemos responder imediatamente se, sim ou não, eles seriam admitidos neste momento".
O plano de Petrobras é de ter protagonismo e disseminar melhores práticas anti-corrupção a nível internacional. A companhia vai organizar a World Compliance Conference na primeira semana de dezembro no Rio de Janeiro, juntamente com o Instituto Brasileiro de Petróleo.
Essa conferência anti-corrupção deve trazer tanto a industria de óleo e gás como também as indústrias farmacêutica, de alimentos, varejo, infraestrutura e construção civil, energia elétrica, transporte marítimo. A expectativa é de contar com mais de 300 empresas e 1.200 participantes.
O encontro deve debater casos emblemáticos de corrupção, como os que envolveram a própria Petrobras, JBS, Siemens e Volkswagen. "A ideia é ver as lições aprendidas e o que ajuda outras companhias". Também haverá foco em riscos específicos por setor.
Rafael Gomes mostra-se satisfeito com o que a Petrobras implementou até agora no combate à corrupção. Mas reconhece que essa é uma ação "que precisa ser constantemente aperfeiçoada".