Valor da gasolina vendida pela estatal era 23% menor que o preço do combustível no exterior
O Globo Online
Pouco mais de dois meses após anunciar sua nova política de preços para os combustíveis, a Petrobras vende gasolina e diesel no país com valores cerca de 20% abaixo das cotações internacionais. Dados da Abicom, associação que reúne importadores de combustíveis, apontam que os combustíveis comercializados pela estatal a partir de suas refinarias estão com preços defasados desde meados de maio, quando foi alterada a estratégia comercial da companhia, de forma ininterrupta.
Ontem, o valor da gasolina vendida pela estatal era 23% menor que o preço do combustível no exterior, que segue a cotação internacional do petróleo. No diesel, o movimento é semelhante, com o preço do litro 19% menor. É o maior patamar de defasagem desde outubro do ano passado, quando a estatal segurou reajustes em meio à campanha de reeleição de Jair Bolsonaro.
A atual tabela de preços das refinarias da Petrobras é alvo de críticas de especialistas do setor e analistas do mercado financeiro, que temem um impacto negativo nas contas da estatal, reduzindo sua rentabilidade. Há também o temor de inibição dos importadores, já que o Brasil não produz todo o combustível que consome. No entanto, dados da Petrobras mostram que ela também está aumentando sua importação para garantir o abastecimento.
Desde a criação da nova política de preços, em maio, a Petrobras já reduziu o preço da gasolina três vezes em suas refinarias, passando de R$ 3,18 para R$ 2,52 por litro, uma queda de 20,75%. A distância entre os preços da Petrobras no Brasil e os do exterior se amplia com a valorização do petróleo no mundo. O barril tipo Brent, usado como referência internacional e pela Petrobras, subiu de US$ 74,90 para quase US$ 83 desde o início de julho.
A expectativa é que a cotação continue acima dos US$ 80 nos próximos meses, pressionando ainda mais as contas da estatal, com o menor risco de recessão nos EUA e estímulos econômicos na China, um dos maiores importadores da commodity.
A nova política de preços da Petrobras deu fim, em 16 de maio, à chamada política de paridade de importação (PPI), quando variações nas cotações do petróleo e do dólar serviam de parâmetro para reajustes para cima ou para baixo nos valores dos combustíveis vendidos pelas refinarias às distribuidoras.
Já sob a gestão de Jean Paul Prates, escolhido pelo presidente Lula para comandar a Petrobras, a estatal criou uma nova política comercial que leva em conta os custos internos de produção, os preços dos concorrentes em diferentes mercados dentro do país e ainda as parcelas de combustíveis produzidas no país ou compradas no exterior.
No entanto, essa nova metodologia é considerada por analistas complexa e incapaz de dar ao mercado uma previsibilidade sobre os preços da estatal, embora já fosse esperada. Ainda durante a campanha, Lula se colocou contra a continuidade da PPI. Mas a falta de transparência preocupa importadores, que têm dificuldades de prever os preços internos, diz Sergio Araujo, presidente-executivo da Abicom:
Ontem, a Petrobras informou que suas importações de gasolina tiveram alta de 642,9% no segundo trimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2022, passando de 7 mil barris por dia (Mbpd) para 52 mil Mbpd. No primeiro semestre, o avanço foi de 228,6%. Hoje, a importação representa cerca de 15% do consumo total de gasolina no Brasil, segundo o Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) e a Abicom.
A Petrobras também se esforça para aumentar a produção local. Segundo a empresa, o fator de utilização nas refinarias chegou a 93% no segundo trimestre, maior que os 89% do mesmo período de 2022.
Para Pedro Rodrigues, sócio-diretor do CBIE, a nova política de preços se tornou uma espécie de caixa preta, pois as variáveis são ‘incalculáveis’ ou difíceis de medir:
Fontes no alto escalão da Petrobras consideram ‘quase nula’ a chance de a estatal aumentar os combustíveis agora para acompanhar a alta internacional do petróleo. Analistas concordam que haveria impacto na inflação, cuja desaceleração é um dos principais argumentos do governo para pressionar o Banco Central (BC) a baixar a taxa básica de juros.
Para Marcelo de Assis, diretor de pesquisa na área de Upstream (Exploração e Produção) da consultoria Wood Mackenzie, a distorção nos preços da Petrobras terá que ser corrigida em algum momento. Caso contrário, a estatal estará rumando para uma política de subsídio, cuja conta fica para a empresa. No governo de Dilma Rousseff (2011-2016), a estatal acumulou prejuízos bilionárias com a decisão do governo de impedir reajustes nos combustíveis para combater a inflação.
Ele lembrao que as cotações internacionais agora estão em alta, e o real não tem muito mais espaço para se valorizar frente ao dólar, já que atingiu o menor patamar desde abril de 2022, a R$ 4,73:
Para o consultor, não há espaço político para subir os preços dos combustíveis:
Na última terça-feira, relatório do Itaú BBA também apontou que a diferença entre os preços dos combustíveis da Petrobras e os internacionais continua subindo. O relatório destaca a gasolina ‘por causa da temporada de verão nos EUA’.
Nos postos brasileiros, os valores da gasolina vêm caindo em um ritmo menor que o das refinarias da Petrobras. Na semana passada, valor médio por litro passou de R$ 5,63 para R$ 5,59, na segunda queda seguida nas bombas registrada pela pesquisa da Agência Nacional do Petróleo (ANP), depois de movimentos de alta.
Segundo Amance Boutin, especialista em combustíveis da Argus, já era esperado pelo mercado algum risco de maior defasagem em relação aos preços internacionais depois do anúncio do fim da PPI pela Petrobras em maio. Ele estima que a gasolina esteja hoje com defasagem de 11,8%.
A estimativa difere da Abicom, pois a Argus não leva em conta o valor teórico do PPI e sim o das negociações de compra e venda combustível. Ele também avalia que um eventual aumento nos preços da Petrobras pode resultar em desgaste político para o governo:
Ele vê perdas financeiras para a estatal, mas faz uma ponderação: