O Estado de São Paulo
A proposta de fusão entre Vibra e Eneva criaria a terceira maior empresa de energia do País, com receita combinada prevista de R$ 171 bilhões em 2024. Seria uma empresa líder em seu mercado, com negócios diferentes das duas gigantes Petrobras e Eletrobras, as maiores do setor. Mais do que isso, porém, a avaliação é que a união dos negócios, caso aprovado, dê origem a uma empresa com alta liquidez na Bolsa, que trará menor volatilidade às ações da Vibra e reduzirá a alavancagem da Eneva, segundo fontes.
A proposta da fusão das duas empresas nasceu a partir de uma “provocação” de um acionista comum a ambos, a Dynamo. No fim do primeiro trimestre, a gestora sugeriu que seria uma boa oportunidade caso a Vibra (antiga BR Distribuidora) juntasse seus negócios de distribuição de combustíveis e novas matrizes energéticas com os da Eneva, que atua principalmente em fontes renováveis de energia, como solar e eólica, e é a maior operadora privada de gás natural do País.
O racional era que as empresas, juntas, poderiam ajudar a reduzir fragilidades das duas operações. Por atuar em um setor com forte influência da Petrobras, cujas decisões não controla, a Vibra sofre com a alta volatilidade nos seus papéis. Sem contar com oscilações inerentes ao petróleo, como decisões dos países produtores e a guerra na Ucrânia.
Já a Eneva, pela natureza do negócio em expansão rápida, é altamente alavancada, com endividamento de 4,22 vezes a geração de caixa. Porém, tem grande previsibilidade de entrada de recursos, com 80% da receita de gás contratada por períodos superiores a dois anos e 30% do faturamento proveniente de energia eólica acima de 15 anos. Com a Vibra sendo forte geradora de caixa, poderia aumentar a capacidade de investimento da Eneva.
Assim, nos últimos meses, os acionistas da Eneva debruçaram-se sobre cálculos e sondaram conselheiros e acionistas da Vibra, até a entrega da carta propondo a fusão neste domingo, 26. Até agora, a proposta é que o negócio não envolva qualquer aporte ou troca financeira.
A princípio, a ideia é que os presidentes de cada companhia continuem tocando suas respectivas “verticais” e seja criado um novo cargo de presidente da holding, que coordenará os melhores interesses de ambas. A proposta sugere que o novo conselho de administração seja composto por nove membros, tendo o executivo Sergio Rial, ex-Santander e com passagem relâmpago pela Americanas, como presidente. Enquanto isso, Ernesto Pousada (Vibra) seria o CEO do braço de distribuição de combustíveis, e Lino Cançado (Eneva) seria o CEO do braço de energia.
Próximos passos
A expectativa é que o conselho da Vibra analise a proposta no próximo mês, com a contratação de bancos e advogados para auxiliar essa avaliação. Os colegiados farão então recomendações de aprovação ou recusa aos acionistas, cuja assembleia deve ser convocada até o fim de janeiro.
Com a expectativa de ter o apoio da Dynamo à proposta, a ideia é que o negócio esteja resolvido até o fim do primeiro trimestre.
Em outra frente, também são esperados mais negócios com o compartilhamento da carteira de clientes. Como a Vibra tem grandes compradores industriais que operam com diesel, a Eneva poderá oferecer o combustível fóssil com menor pegada de carbono a eles, já que tem excesso de capacidade de gás. O caminho inverso também será utilizado, caso faça sentido financeiro dentro do grupo. A expectativa é que, como não há grande sobreposição entre os negócios, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) tende a liberar a fusão.
Nuvens no horizonte
A evolução da geração de caixa medida pelo Ebitda (juros antes de impostos, depreciação e amortização) esperada da Vibra para os próximos quatro anos é de R$ 4,7 bilhões para R$ 5,3 bilhões. Já da Eneva é de R$ 4,3 bilhões para R$ 7 bilhões. Juntas, a tendência é que a geração de caixa chegue a R$ 15 bilhões no período. No último ano, a Eneva valia mais do que a Vibra 59% das vezes.
Porém, o Bradesco BBI avalia que a Vibra Energia deve olhar a proposta de fusão com a Eneva com cautela, pois a avaliação das empresas parece desequilibrada. Isso porque, a sugestão da Eneva é de que a companhia combinada seja dividida em 50/50, apesar de o valor de mercado da Vibra (R$ 25,8 bilhões) atualmente estar 25% acima do valor de mercado da Eneva (R$ 20,7 bilhões).
“Embora o acordo possa fazer algum sentido sob alguns aspectos, como a redução do risco de perpetuidade da Vibra (por conta da transição energética de longo prazo) e do balanço patrimonial altamente alavancado da Eneva, à primeira vista, do ponto de vista da Vibra, o valuation (avaliação) proposto pode ser visto como desequilibrado”, afirmam os analistas Vicente Falanga, Gustavo Sadka, Francisco Navarrete, João Fagundes e Andre Silveira, em relatório enviado a clientes.
O BBI avalia ainda que a administração da Vibra entende os riscos de longo prazo da transição energética, mas não tem pressa para grandes movimentos, já que a empresa vê o etanol no Brasil como um importante produto no longo prazo para minimizar as emissões de CO2 no Brasil e permitir carros mais acessíveis. Segundo o banco, isso tem ajudado as ações da Vibra a se recuperarem desde que a nova gestão assumiu, por isso a administração precisa ter cuidado para não se contradizer neste discurso caso opte pela fusão com a Eneva.
“Em última análise, isso poderia ser visto como uma proposta inicial enviada pela Eneva, que poderia sofrer alterações no futuro ou até mesmo atrair outros licitantes, mas por enquanto acreditamos que essa potencial fusão levaria muito tempo, ou não (avançaria)”, afirmam os analistas.
Não é a primeira vez que a Eneva propõe uma combinação de negócios com outra empresa listada. No início de 2020, a companhia propôs uma operação com a AES Tietê (hoje AES Brasil), numa operação, à época, de R$ 6,6 bilhões que envolvia troca de ações e dinheiro.
Na época, a visão de negócios era criar uma geradora de energia de maior porte e com uma complementaridade de fontes, o que poderia favorecer maior previsibilidade na geração de caixa. A proposta, porém, foi rejeitada por parte dos acionistas e acabou sendo retirada pela própria Eneva. Em um segundo round, a Eneva disputou com a AES Corp. a participação acionária detida pelo BNDESPar na AES Tietê, e o grupo americano acabou levando a melhor.