Fonte: Valor Econômico
Embora o empresariado do setor elétrico tenha fé na aprovação, ainda este ano, da proposta de aperfeiçoamento do setor, apensada ao projeto de lei nº 1.917/15, que trata da portabilidade da conta de luz, há outras questões que precisarão ser decididas pelo(a) próximo(a) presidente da República, a partir de 2019.
Sob a ótica internacional, deve-se dar cumprimento ao Acordo de Paris. Por meio dele, o Brasil se comprometeu a reduzir, até 2025, as emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 37% abaixo dos níveis de 2005 e em 43%, até 2030.
Quanto ao setor energético, há o compromisso de alcançar, até 2030, uma participação de 45% de fontes renováveis de energia na matriz energética. Em 2017, esse número já estava em 43,2%, segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Porém, o uso de renováveis para geração de eletricidade e em processos industriais não é suficiente, por si só, para atender ao compromisso de redução dos GEE. Dois setores intimamente relacionados ao setor energético contribuem para os níveis atuais de poluição: transportes e agronegócio.
No que se refere ao primeiro, os combustíveis fósseis poluentes – gasolina e óleo diesel – responderam por cerca de 80% do consumo de energia nos transportes, o equivalente a mais de 200 milhões de toneladas de CO2 (10% do total de emissões, mas 42% do total de emissões do setor energético).
A completa dependência do petróleo para transportes e logística, recentemente tornada explícita pela greve dos caminhoneiros, precisa ser urgentemente repensada, de forma que indústria e sociedade deixem de ser reféns de um combustível finito, poluente e cada vez mais caro.
No âmbito da descarbonização da frota veicular brasileira, entram em cena os veículos elétricos e postos de recarga, que tiveram sua regulamentação aprovada em julho pela Aneel. Enquanto algumas concessionárias – Celesc, CPFL, Copel e EDP, esta última em parceria com a BMW – buscaram inaugurar eletrovias nos Estados onde detêm concessões, é necessário impulso a nível federal para a transformação da frota brasileira. E, para isso, não basta apenas a alteração nas alíquotas do IPI, como feito pelo decreto nº 9.442/18.
O próximo presidente precisará, caso queira inserir o Brasil na transição energética em curso pelo mundo, adotar uma política agressiva, disruptiva e radical, de incentivo à produção e aquisição de veículos elétricos – em conjunto, certamente, com a expansão da malha ferroviária e outras medidas na área de logística.
Na outra ponta, Aneel, EPE e o Operador Nacional do Sistema deverão pensar soluções para que a recarga de veículos elétricos e a injeção da eletricidade de veículos na rede, para atender a situações pontuais de contingência elétrica (soluções Vehicle-2-Grid), não venham a ameaçar a confiabilidade na rede. Alguns estudos já demonstram que o impacto na rede é perfeitamente absorvível, mesmo em um cenário otimista com total substituição dos carros movidos a motores a combustão por veículos elétricos.
No que se refere ao agronegócio, a pressão ambiental se mostra consideravelmente mais preocupante. Agropecuária – fermentação entérica e aplicação de fertilizantes, por exemplo – e uso da terra – desmatamento e degradação de solos – respondem por 73% do total de emissões de CO2 na atmosfera.
Na relação com o setor energético, deve-se olhar em duas direções: para formas de incentivar a produção de biogás a partir da biodigestão de animais, e para o aumento da produção dos biocombustíveis. Este segundo aspecto, porém, deve ser compatibilizado com a necessidade urgente de frear o desmatamento florestal.
Nesse sentido, é contraproducente incentivar a produção de biocombustíveis – que tornará a frota veicular mais limpa – por meio de desmatamento, que diminuirá as quantidades de carbono sequestradas pelas florestas brasileiras.
Da mesma forma que, sob a ótica ambiental, carece de sentido substituir usinas com reservatório por geração elétrica a gás. Segundo dados da EPE, entre 2016 e 2017, houve redução da participação de fontes renováveis de energia na matriz elétrica, na contramão do movimento global. Embora a redução tenha sido mínima (1,3%), esse dado é bastante preocupante, na medida em que revela a tendência de substituição das grandes usinas com reservatório por termelétricas caras e poluentes. Devia-se, ao contrário, incentivar outras fontes renováveis de energia, tais como biomassa, eólica, solar e as PCHs.
Sem a previsão de novas usinas com reservatório, conforme atestam os estudos de planejamento energético da EPE, o movimento deveria se radicalizar em prol de uma (ainda) maior inserção de renováveis, e não ao contrário, como verificado entre 2016-2017. Será papel do próximo presidente fazer com que as fontes renováveis de energia não percam fôlego e sigam sendo inseridas de forma consistente na matriz elétrica brasileira.
A crescente tensão entre energia e meio ambiente precisará ser dissolvida pelo próximo presidente da República.
Dentro de casa, diversos temas irão demandar atenção e compromisso do próximo presidente. Será necessário resolver a “questão Eletrobras “, caso não haja resolução ainda este ano; abrir as tratativas para revisão do Tratado de Itaipu, que vence em 2023; impulsionar a eficiência energética, ainda bastante aquém do seu potencial de desenvolvimento; superar o primeiro boom da geração residencial de energia fotovoltaica, aumentando a escala de expansão; prosseguir à abertura do mercado de energia; planejar a expansão do sistema, que já não conta com a implementação das usinas hidrelétricas estruturantes; e promover a inserção de outras fontes de energia, tais como baterias, usinas hidrelétricas estruturantes; e promover a inserção de outras fontes de energia, tais como baterias, usinas hidrelétricas reversíveis, usinas eólicas offshore e expansão da biomassa.
É estarrecedor que a questão energética, em pleno ano eleitoral, ainda não tenha se tornado pauta no discurso dos presidenciáveis. Espera-se que as Propostas de Governo, protocoladas esse mês na Justiça Eleitoral, reflitam a preocupação que o tema merece.
*Rosane Menezes e Lucas Noura Guimarães são, respectivamente, sócia da área de Infraestrutura e advogado da área de energia do Madrona Advogados.