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Grande parte da indústria automotiva e governos vê a eletrificação como o principal caminho para a descarbonização nos transportes. Mas os biocombustíveis evoluíram e se tornaram uma rota alternativa que agrega maior eficiência a esse processo

Por Leandro Gilio, pesquisador sênior do Insper Agro Global

Cerca de 20% das emissões de CO2 no mundo têm origem nos transportes, que hoje apresentam grande dependência do uso de combustíveis fósseis – em torno de 95% dos veículos no mundo ainda utilizam essa forma de combustível. Em um movimento de transição energética, vários países têm adotado medidas altamente restritivas com relação a emissões desse tipo.

A Noruega pretende banir a comercialização de veículos a combustão até 2025. O Reino Unido, a Índia e a Suécia criaram metas semelhantes para 2030. A China, os Estados Unidos, o Japão e a União Europeia determinaram emissão zero para veículos comercializados a partir de 2035. Nesse sentido, a indústria automobilística vem se preparando e apostando na eletrificação como a solução predominante.

Atualmente existem no mercado quatro tipos de veículos eletrificados (EV, na sigla em inglês): o veículo elétrico híbrido (HEV), no qual o motor elétrico atua em conjunto com um motor a combustão, podendo ser carregado por este último ou pela energia cinética gerada pelo uso do carro; o híbrido plug-in (PHEV), no qual o motor a combustão e um elétrico atuam em conjunto, mas esse último é carregado externamente; o veículo 100% elétrico a bateria (BEV), que utiliza somente o carregamento externo e baterias; e, ainda em fase de desenvolvimento, o veículo elétrico movido a célula de combustível (FCEV), que usa hidrogênio como fonte para gerar a energia necessária a um motor elétrico.

A eletrificação vem sendo tratada na indústria como um percurso sem volta, mas o real potencial dos EVs para a descarbonização dos transportes, em nível global, deve ser avaliado com cautela. Primeiramente, há a alta demanda por insumos minerais como lítio, níquel, ferro e cobre, entre outros, para a fabricação de baterias, algo que impõe um limite à produção desses dispositivos. Além disso, o alto custo de produção dos EVs, a falta de autonomia dos veículos e a ainda nascente rede de recarga são fatores limitantes práticos ao amplo uso desses veículos – o que se agrava nos modelos para o transporte de cargas. No caso mais específico dos FCEVs, o uso do hidrogênio como combustível ainda é complexo, inclusive do ponto de vista logístico, requerendo alta tecnologia para evitar riscos no uso.

Mas o ponto mais crítico com relação à eletrificação está exatamente na origem da energia que permite a recarga dos veículos. Quando a origem é fóssil, não renovável ou com elevados níveis de emissões – como uma usina de carvão, por exemplo -, o veículo eletrificado não atinge seu objetivo principal, que seria evitar emissões, quando se considera o ciclo completo, desde a produção da energia.

Segundo um estudo realizado pelo grupo Stellantis, considerando todo o ciclo de produção dos combustíveis/energia até a emissão do próprio veículo (well-to-wheel), em um percurso de cerca de 240 quilômetros, um veículo da empresa abastecido com gasolina brasileira (27% de etanol) emite cerca de 60,64 kg de CO2 equivalente. Quando um veículo correspondente utiliza 100% de etanol hidratado, as emissões caem para 25,79 kg de CO2eq. Já no caso de 100% elétrico (BEV), quando carregado por energia no modelo da matriz energética europeia, as emissões ficam em 30,41 kg de CO2eq; mas no caso da matriz energética brasileira (altamente concentrada em renováveis), as emissões ficam em 21,45 kg de CO2eq. Ou seja: nem sempre um veículo BEV cumpre seu papel de descarbonização de modo realmente eficiente. Esses dados também explicam o ‘atraso’ do Brasil no processo de eletrificação, dado que já temos a alternativa do etanol.

No que se refere às emissões, os biocombustíveis podem contribuir consideravelmente. Os modelos híbridos (HEV e PHEV) reduzem em quase 60% as emissões quando são flex e abastecidos com etanol. Além disso, os biocombustíveis têm potencial de ampliação da descarbonização com outros tipos de usos que vêm se desenvolvendo mais recentemente.

Uma das mais promissoras é o uso de etanol para obtenção de hidrogênio verde, podendo mover veículos a célula de combustível (FCEV). Estudos da Unicamp e da USP, em conjunto com as indústrias automotiva e de biocombustíveis, vêm buscando resolver o problema logístico do hidrogênio, gerando o gás a partir do etanol diretamente nos postos de combustível ou até mesmo dentro dos automóveis. O uso de biocombustíveis na aviação e no transporte marítimo também vem se tornando uma realidade, evitando emissões em tipos de transporte em que a eletrificação não é eficiente por causa da baixa autonomia de baterias.

Mas não é apenas no desenvolvimento de combustíveis e tecnologias de transporte em que há evolução. Os modelos produtivos, agrícolas e industriais na área de biocombustíveis também têm se aprimorado, buscando menor emissão de gases e maior aproveitamento da biomassa ao longo do processo e sistemas integrados. São bons exemplos os sistemas integrados de produção de alimentos e energia (IFES, na sigla em inglês), que são eficientes na descarbonização pelo uso da terra e também na proteção da segurança alimentar; o etanol lignocelulósico, produzido a partir de bagaço e palha; o biogás produzido a partir da vinhaça; os biomateriais; entre outros desenvolvimentos que já são realidade em unidades produtoras brasileiras. Todas essas possibilidades podem produzir um impacto ainda maior na mitigação de gases, principalmente quando se sabe que no mundo há grandes áreas com terras degradadas e com potencial agrícola, sobretudo em países tropicais, que poderiam ser utilizadas também para produção bioenergética.

Observa-se, portanto, que os biocombustíveis contribuem e podem vir a contribuir cada vez mais com os esforços no sentido de descarbonização dos transportes. No entanto, é importante que se compreenda esse potencial, que os biocombustíveis não sejam considerados por governos e indústrias como uma ‘solução de nicho’, mas como uma peça central em uma estratégia conjunta com a eletrificação na transição energética, de modo que as diversas tecnologias possam convergir no sentido de maior eficiência em termos de emissões.

Fonte: Insper

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