Valor Econômico
A escolha de oito dos onze integrantes do conselho de administração na Petrobras, na sexta, por acionistas da empresa reunidos em Assembleia Geral Extraordinária (AGE) cria incertezas sobre o futuro de curto prazo da estatal, na visão de fontes ouvidas pelo Valor. As dúvidas são motivadas pela eleição de nomes indicados pela União e contestados pelos mecanismos internos de governança da companhia. O colegiado, responsável por supervisionar a atuação da diretoria-executiva, definir estratégias de longo prazo e fazer a interlocução com o controlador, ficou ainda mais alinhado ao governo federal, dizem as fonte
Para interlocutores próximos da Petrobras, os mecanismos criados com o objetivo de defender a governança da empresa, como a Lei das Estatais, foram “estressados” ou desobedecidos. A curto prazo, no cenário da campanha eleitoral, existe a percepção de que a alta administração da Petrobras continuará a reduzir os preços dos combustíveis e poderá fazer trocas na diretoria da empresa, que vem seguindo a política preços alinhados ao mercado internacional.
Em mais uma assembleia em que se usou o mecanismo do voto múltiplo, que permite concentrar preferências em determinados candidatos, a União conseguiu eleger seis dos oito candidatos que apresentou, incluindo o presidente-executivo, Caio Paes de Andrade, confirmado no cargo. Foram eleitos também Gileno Barreto, que passa ser o novo “chairman”, Iêda Cagni, e Edison Garcia, assim como os dois nomeados pelo governo que tiveram a indicação não recomendada pelo Comitê de Elegibilidade (Celeg) da Petrobras: Jônathas de Castro e Ricardo Alencar.
Castro é secretário-executivo da Casa Civil da Presidência da República e Alencar é Procurador-Geral da Fazenda Nacional. Em função dos cargos que ocupam na administração federal, o comitê interno da Petrobras considerou que haveria possíveis conflitos de interesses na atuação deles na empresa.
A União tem a maior parte das ações com direito a voto na Petrobras e essa situação dá ao controlador o poder de eleger os candidatos que quiser no sistema de voto múltiplo. Mas a União teve que escolher em quem depositar os votos e terminou deixando de fora Márcio Weber, que era o “chairman” do colegiado, e Ruy Schneider. Ambos concorriam à reeleição. Os acionistas minoritários elegeram dois representantes: Marcelo Gasparino e José João Abdalla Filho.
Os eleitos vão se juntar a Marcelo Mesquita e Francisco Petros, indicados dos minoritários e eleitos pelo voto em separado do controlador em abril, e também à representante dos empregados, Rosângela Buzanelli. Os conselheiros têm mandato de dois anos, mas as eleições presidenciais tornam incerta a permanência além de abril de 2023. O grupo escolhido é considerado pouco diverso por ter muitos advogados, com baixa experiência na companhia. Não há nenhum engenheiro de petróleo.
A assembleia foi realizada de forma virtual, durou duas horas e meia na tarde de sexta e teve questionamentos sobre as indicações de Castro e Alencar. Os dois não haviam sido incluídos no edital original, pois o conselho anterior, ao convocar a AGE, acatou o parecer do comitê que não recomendou a dupla. Na AGE, o presidente da assembleia, Bernardo da Costa e Silva, acolheu as indicações. Ao fazê-lo, ressalvou que cada acionista é responsável pelo voto: “Cabe ao acionista o acolhimento ou não das recomendações do Celeg”, disse.
O diretor da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), Fernando Siqueira, chegou a pedir a interrupção da AGE, sem sucesso. Siqueira argumentou que Castro atua num órgão responsável pela formulação de políticas públicas, o que inclui diretrizes sobre preços de combustíveis, enquanto Alencar está num órgão que tem ações fiscais contra a Petrobras: “Isso configura uma intervenção espúria do governo na administração da Petrobras”, disse Siqueira.
Ao não acatar o pedido de suspensão, o presidente da mesa afirmou que o parecer do Celeg sobre os conflitos de interesse eram “opinativos”. O representante da União presente na AGE, Ivo Timbó, reiterou que não havia vedação legal para que Alencar e Castro concorressem, na visão do Conselho de Ética da Presidência e da Controladoria-Geral da União (CGU). Fontes criticaram a atuação dos minoritários, que não se mobilizaram para evitar que a União levasse adiante os nomes que tiveram as candidaturas rejeitadas pelo Celeg. “Caiu por terra a ideia que os minoritários são mecanismo de defesa da empresa”, disse uma font
Na AGE, também houve questionamentos, dos minoritários, sobre a escolha de Gileno Barreto como presidente do conselho. Gasparino e Cagni foram apontados para concorrer ao cargo, mas tiveram poucos votos. Também houve críticas à atuação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por não agir preventivamente.
A Federação Única dos Petroleiros (FUP) e a Associação Nacional dos Petroleiros Acionistas Minoritários da Petrobras (Anapetro) vão ingressar com ação na Justiça Federal para anular a AGE, por desrespeito à Lei das Estatais (Lei 13.303). O artigo 17 dessa lei determina a vedação “de pessoa que tenha ou possa ter qualquer forma de conflito de interesse com a pessoa político-administrativa controladora da empresa pública ou da sociedade de economia mista ou com a própria empresa ou sociedade”.