Valor Econômico
O governo vai mudar a forma de calcular as emissões de gás carbônico dos veículos. Hoje a medição considera apenas o gás que sai do escapamento. Com a mudança, entrará na conta também a emissão de CO2 na produção do combustível e seu transporte e, no caso do carro elétrico, a geração da energia. A decisão será uma das principais novidades da segunda fase do programa automotivo Rota 2030, que a equipe do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio espera concluir até junho, segundo Margarete Gandini, diretora do departamento de indústria de alta-média complexidade tecnológica.
O novo cálculo dará vantagem ao etanol em duas frentes: além de esse combustível emitir menos gás causador do efeito estufa que a gasolina, o CO2 que está na atmosfera é absorvido no processo do crescimento da cana-de-açúcar. Além disso, com a nova metodologia, o Brasil tende a ganhar mais destaque na discussão sobre descarbonização ao adotar visão mais ampla da eficiência energética no transporte.
Gandini diz que se comprometeu com o ministro do Desenvolvimento e Indústria, Geraldo Alckmin, a entregar-lhe o plano de execução da segunda fase do Rota 2030 até junho. “O foco será descarbonização e inovação”, diz. A primeira fase do programa, criado no fim de 2018, abrangeu o período de 2019 a 2023. A segunda vai até 2027.
“A nova meta de eficiência energética vai abranger do poço à roda”, diz Gandini, referindo-se a uma expressão usada pela indústria para definir o cálculo. A vigente é chamada de medição “do tanque à roda”. Segundo Gandini, a equipe que ela coordena trabalha há mais de um ano nesse cálculo, já encaminhado ao Ministério das Minas e Energia. E, embora aparentemente complexa, a metodologia, segundo ela, já está definida.
A mudança no cálculo de emissões que favorece o etanol tem sido aguardada pelo lado dos fabricantes de automóveis que defendem o desenvolvimento e a produção de carros híbridos movidos com o derivado da cana. O híbrido tem um motor a combustão (que, no caso, aceita etanol) e outro elétrico. Ambos se alternam conforme o uso do veículo. A Stellantis anunciou estar prestes a revelar um programa de investimentos, para o período de 2025 s 2030, que inclui a produção desse tipo de veículo.
Gandini é hoje uma das integrantes do governo que mais entendem sobre o setor automotivo. Com mestrado em economia e desenvolvimento econômico, trabalha nas pastas do governo federal ligadas ao desenvolvimento industrial desde 2006 e há pelo menos oito anos comanda áreas ligadas à mobilidade. Ela também coordena e fiscaliza os regimes automotivos.
Não à toa a representante do governo foi uma das pessoas mais cumprimentadas na segunda-feira (24) pela plateia que participou do encontro da indústria de autopeças, que antecedeu a abertura da Automec, uma feira do setor, em São Paulo.
Nas palestras, a preferência pelos híbridos foi repetidas vezes destacada pelos fabricantes de componentes e representantes de montadoras. A indústria de autopeças tem sido constantemente desafiada no processo de eletrificação em todo o mundo.
Mas emissões não são o único tema dos trabalhos técnicos voltados ao setor automotivo em Brasília. A renovação da frota também está em discussão e deve ser anunciada em breve, segundo Gandini.
A primeira etapa do programa chamado Renovar envolverá incentivos para tirar das ruas veículos comerciais velhos, principalmente caminhões. O programa foi criado no fim do governo de Jair Bolsonaro, mas faltou regulamentação. A ideia agora, segundo Gandini, é ampliar a quantidade de veículos envolvidos. A frota mais antiga está nas mãos de caminhoneiros autônomos. Por isso, o plano é criar uma ação público-privada com incentivos.
Outro tema levado ao governo pelo setor automotivo é a criação de um programa que estimule a venda de carros a preços mais acessíveis do que os oferecidos hoje pela indústria – uma espécie de volta do carro “popular”. Os modelos mais baratos custam hoje em torno de R$ 70 mil.
Gandini diz que a partir de sugestão encaminhada pela Federação Nacional da Distribuição de Veículos (Fenabrave), que representa os concessionários, a área técnica tem feito uma série de simulações. Segundo ela, montadoras não participam dessa fase. São apenas consultadas sobre dados que os técnicos necessitam para elaborar cálculos.
Segundo Gandini, um dos lados positivos dessa proposta é elevar a atividade dessa indústria, que enfrenta ociosidade de quase 50%. O tema emissões de CO2 também faz parte da discussão do popular. Assim como a questão financeira. “Não adianta o carro ser barato se não tiver financiamento”, destaca. “Temos vários projetos na mesa. Mas o plano tem que parar em pé.”