Valor Econômico
As montadoras americanas suspenderam, temporariamente, os planos de expandir a capacidade de montagem de veículos elétricos, num momento em que os consumidores compram carros e caminhonetes a bateria a um ritmo inferior ao previsto.
Ford, General Motors e Tesla frearam a expansão da capacidade de produção nas últimas semanas. A GM vai adiar a montagem de versões elétricas de suas caminhonetes Chevrolet Silverado e GMC Sierra na unidade de produção de Michigan até 2025, em vez de até o ano que vem. O CEO da Tesla, Elon Musk, disse que sua empresa estuda as condições macroeconômicas “antes de dar velocidade máxima” à abertura de uma fábrica no México.
A Ford, que contabilizou um prejuízo de US$ 1,3 bilhão na divisão de veículos elétricos (VE) no terceiro trimestre, pôs agora em espera seu investimento de cerca de US$ 12 bilhões destinado a expandir sua capacidade de produção de VEs. Isso inclui cortar parte da produção do Mustang Mach-E e adiar a construção de uma unidade de produção de baterias em joint-venture, das duas planejadas para o estado americano de Kentucky.
“É dominante a narrativa de que os VEs não estão crescendo”, disse na semana passada o diretor financeiro da Ford, John Lawler. “Eles estão crescendo… só que a um ritmo mais lento que o setor, e nós, sinceramente, prevíamos isso.”
A menor demanda leva a concluir que a Ford precisará de “menos capacidade em determinadas áreas no curto prazo, e por isso vamos adiar esse investimento até a época em que precisarmos pôr essa capacidade em funcionamento”, disse Lawler.
A Tesla foi fundada como empresa de VEs e disse que quer vender 20 milhões de veículos ao ano em 2030, o que representa uma produção mais de 10 vezes maior. A GM planeja vender 1 milhão de VEs ao ano até o fim de 2025, e a Ford fixou a meta de 600 mil unidades em 2024.
As preocupações em torno da produção de VEs — que exige menos mão de obra do que a de carros movidos a combustão — foram destaque nas conversações coletivas com o sindicato americano United Auto Workers (UAW), que entrou em greve contra Ford, GM e Stellantis em setembro e pactuou um acordo preliminar com a Ford na semana passada.
Um recorde de 313 mil VEs foi vendido nos EUA no terceiro trimestre, segundo o grupo de dados Cox Automotive. Os carros elétricos subiram para 7,9% do total das vendas do setor no terceiro trimestre, em relação à parcela de 6,1% contabilizada no mesmo período do ano passado, detectou a Cox Automotive.
Apesar disso, o ritmo de expansão está desacelerando. O crescimento ano a ano das vendas dos terceiros trimestres de 2021 e 2022 foi de cerca de 75%; neste ano, foi de 50%, comparativamente mais fracos, segundo a empresa de pesquisa Kelley Blue Book, controlada pela Cox Automotive.
Além disso, os VEs estão permanecendo por mais tempo nos estacionamentos das revendedoras. As concessionárias estão levando 88 dias para vender todo o seu estoque de carros e caminhonetes elétricos, comparativamente ao ritmo de 39 dias registrado em outubro de 2022, segundo a Cox. Já os veículos a gasolina são vendidos em 60 dias.
Apenas 33% dos consumidores americanos dizem que o próximo automóvel ou picape que comprarem provavelmente será elétrico, segundo pesquisa da Yahoo Finance/Ipsos. As preocupações mais comuns são a infraestrutura de recarga, a autonomia de rodagem e as despesas de VEs comparativamente a carros com motores movidos a combustão.
“É como se os que adotam primeiro já tivessem adotado”, disse o analista Steve Brown, da agência de classificação de crédito Fitch. “Agora [os VEs] estão mudando para um ponto em que têm de chegar a um consumidor mais tradicional e, por uma série de motivos, ao que parece os consumidores mais tradicionais estão mais hesitantes.”
O preço é um fator vital. A Lei de Redução da Inflação do governo Joe Biden, que procurou estimular a produção interna de VEs, definiu que os VEs elegíveis ao incentivo fiscal de US$ 7.500 são modelos que cumpram limites de abastecimento de montagem e de componentes nos EUA. O incentivo pretende tornar os veículos mais financeiramente acessíveis, e a partir do ano que vem os compradores poderão receber as restituições de imposto no ponto de venda, em vez de esperar a entrega de suas declarações de Imposto de Renda.
Os veículos elétricos são, normalmente, mais caros do que os carros equipados com motores tradicionais, mas cortes de preços promovidos pela Tesla, alguns meses atrás, “movimentaram o mercado”, segundo a Kelley Blue Book. A média de preço de compra de um veículo novo em setembro estava em cerca de US$ 47.900. Já o preço de um VE estava, em média, US$ 50.700 — o que representa uma queda de 22% em relação ao mesmo período ano passado.
Apesar disso, Musk disse que as altas taxas de juros estão prejudicando a demanda pelos carros da montadora, por aumentar as prestações mensais pagas pelos donos. No terceiro trimestre a empresa entregou um número menor de veículos do que o previsto por Wall Street.
Os aproximadamente 50 modelos elétricos vendidos nos EUA neste momento — dos quais 14 preenchem as condições para obtenção de incentivo fiscal integral — têm praticamente o mesmo preço, sem distinção entre tradicionais ou de luxo, carro ou caminhonete, disse Tyson Jominy, vice-presidente de dados e análise da JD Power. Aproximadamente mais 30 têm seu ingresso no mercado programado para o ano que vem.
“O mercado não tem capacidade para absorver todos esses ingressos”, disse Jominy, acrescentando que há “ingressos demais lutando por um número exageradamente pequeno de vendas no mesmo nível de preço”.
A CEO da GM, Mary Barra, disse na semana passada que “moderar o ritmo de nossa aceleração em VEs” permitirá à empresa manter precificação forte.
Mas executivos da Ford disseram prever que o diferencial de preços dominado pelos VEs arrefecerá. Há “enorme” pressão de preços nos veículos elétricos neste momento, disse Lawler, e “daqui para a frente, será realmente uma competição de custos em VEs”.
Não é incomum que a adoção de novas tecnologias se estabilize, e alguns Estados americanos, como o Colorado, não registraram qualquer desaceleração, disse Nick Nigro, fundador da consultoria Atlas Public Policy. A desaceleração das vendas americanas em âmbito nacional “não é indicador de que o mercado enfrente dificuldades, e sim de que o setor está deixando claro que precisa assistir a um crescimento da demanda da parte do consumidor a fim de voltar a abrir as torneiras”.
Um especialista no setor corroborou esse argumento ao dizer que a ponta da demanda por VEs está boa, mas que a ponta da oferta está maior.
Tradução de Rachel Warszawski