Valor Econômico
No primeiro trimestre do ano o Brasil registrou superávit comercial de US$ 3,7 bilhões em petróleo e derivados. O valor foi equivalente a 31% do saldo total da balança comercial do primeiro trimestre, ainda que, sob pressão resultante da guerra entre Rússia e Ucrânia, os preços e volumes de importação desse grupo de produtos tenham rodado de forma mais acelerada que os das exportações. O quadro, segundo especialistas, mostra que a commodity e derivados ainda devem exercer papel influente por mais alguns anos na balança do país, mesmo com a esperada transição de matrizes energéticas.
Os números do Indicador de Comércio Exterior (Icomex), organizados pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) a partir de dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex/ME), mostram que o Brasil tem superávit da balança de petróleo e derivados desde 2016 e há quatro anos o saldo desse grupo equivale a pelo menos um quinto do saldo comercial total do país.
Em 2018 as trocas desse produtos resultaram em saldo equivalente a 20,8% do superávit comercial brasileiro, avançando para 27,8% em 2019, ainda antes da pandemia. Em 2021 o superávit comercial em petróleo e derivados foi recorde da série levantada pelo Icomex desde 1997, com saldo de US$ 14,31 bilhões, o equivalente a 23,3% do superávit total de US$ 61,4 bilhões.
Nos primeiros três meses deste ano, a ajuda da balança de petróleo e derivados foi um pouco menos representativa quando se olha igual período do ano passado. De janeiro a março de 2021, as exportações líquidas somaram US$ 3,24 bilhões, que corresponderam a 40% do superávit comercial total de igual período. No primeiro trimestre de 2020 o saldo em petróleo e derivados foi de US$ 3,62 bilhões, maior que o superávit comercial total do período, de US$ 2,8 bilhões. Em 2019 o saldo em petróleo e derivados de janeiro a março foi de US$ 2,1 bilhões, o equivalente a 46,2% do superávit comercial de iguais meses.
Lia Valls, economista e pesquisadora do Ibre, ressalta, porém, que não há tendência marcada pelos primeiros meses do ano. Os valores de embarques e desembarques de petróleo podem oscilar no decorrer do ano por vários fatores que influenciam volumes e preços. Entre eles, demanda doméstica, que impacta na quantidade de combustíveis importada, política de compras externas pela Petrobras e os preços da commodity, que mais recentemente também estão sob impacto maior da guerra entre Rússia e Ucrânia e dos lockdowns na China. O que se pode dizer, diz, é que a transição energética para matrizes menos poluentes deve mudar o impacto do grupo de petróleo e derivados na balança como um todo, mas esse é um processo que ainda deve demorar.
Por enquanto, aponta Lia, os preços e volumes de petróleo e derivados importados iniciaram o ano de forma mais acelerada que os das exportações. De janeiro a março deste ano a quantidade importada nesse grupo subiu 25% ante igual período do ano passado, com alta de 71,1% nos preços. Nas exportações, o volume aumentou 10,2%, e os preços, 53%. A composição diferenciada para embarques e compras externas ajuda a explicar a diferença de ritmo nas duas pontas.
Dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP), que divulga importação e exportação da commodity e derivados sob critérios diversos dos da Secex, mostram que esse grupo de produtos fechou 2021 com superávit de US$ 19,03 bilhões. Dos US$ 38,43 bilhões exportados, 80% foram em petróleo e apenas 20% em derivados. Na importação, a relação se inverte. Dos US$ 19,4 bilhões desembarcados, 79% foram em derivados. Ainda segundos dados da ANP, a exportação de petróleo e derivados somou US$ 7,34 bilhões no primeiro bimestre de 2022, e as importações, US$ 3,31 bilhões.
Welber Barral, ex-secretário de comércio exterior e sócio da BMJ, avalia que o Brasil poderia estar aproveitando mais o impacto dos preços altos do petróleo na exportação se não houvesse estruturalmente dependência ainda grande da importação de derivados.
Além da diferença de composição da pauta de importação e de exportação, o tipo de petróleo vendido e comprado pelo Brasil também é diferente, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). O petróleo ainda é, ao lado do minério de ferro e da soja, um dos três itens mais importantes da pauta de exportação brasileira, lembra. “Mas, apesar de termos aumentado a produção de petróleo e também as exportações nos últimos anos, a capacidade dos brasileiros de negociar preços na hora de embarcar é limitada.”
Os três grandes produtores mundiais de petróleo hoje são Estados Unidos, Arábia Saudita e Rússia, explica Caio Carvalhal, sócio da Atmosphere Capital, especializada em investimentos no exterior. Ele explica que o conflito Rússia-Ucrânia e, mais recentemente, os novos lockdowns na China em razão da covid-19 interromperam o processo de ajuste de preços do petróleo. Para ele, ainda que haja ruptura no fornecimento de petróleo da Rússia – algo que parece começar a acontecer -, há bolsões que podem normalizar o suprimento. Ele exemplifica com produção de Arábia Saudita e Emirados Árabes e produção americana de “shale”. A normalização, diz, pode acontecer dentro de seis a nove meses após eventual ruptura. Com isso, a expectativa, diz, é de que o preço do barril de brent se mantenha perto de US$ 100, ainda que com picos momentâneos.
Luiz Carvalho, analista sênior de óleo e gás do UBS BB, diz que, de forma estrutural, em prazo maior, a expectativa é que o barril do brent fique entre US$ 70 e US$ 90. A estimativa se baseia em fatores como sinalização já feita por países produtores e custo de reposição de produção. Com a ressalva de fatores imponderáveis e considerando a expectativa de preços estruturais, a casa projeta média de US$ 95 o barril do brent, para 2022 e US$ 85 para 2023. Em 2021 a média ficou perto de US$ 70.