Diário do Comércio MG
Felipe Kury*
O ano de 2023 foi marcado por muitos eventos que adicionaram ainda mais incerteza ao mercado global de petróleo. Em especial, a guerra no Oriente Médio poderia provocar uma enorme elevação dos preços do petróleo, uma vez que a região abriga cerca de metade das reservas comprovadas do mundo. Porém, observa-se que o preço do petróleo Brent tem se mantido na faixa USD 80 por barril e, mais recentemente, na faixa de USD 70 por barril. Para 2024, a EIA (Energy Administration Agency nos EUA) estima um preço médio em cerca de USD 83 por barril.
De fato, fazer previsões de preço de commodities é uma tarefa complexa. Na prática, elas possuem valores que acompanham a demanda e a capacidade de oferta global e, no caso do petróleo, é ainda mais complexo em função de inúmeros desafios geopolíticos e pelo fato de existir uma influência dominante da OPEP+ (organização dos países exportadores de petróleo, que inclui a Rússia, México, Malásia, entre outros 10 países), que controla cerca de 40% da oferta global de petróleo.
Nos últimos dois anos, a OPEP+ tem conduzido uma política mais restritiva na oferta para fazer frente a suas despesas orçamentarias domésticas dos países membros. Esta estratégia tem sido na contramão do ocidente, que busca maior estabilidade de preços e mitigação dos efeitos da inflação elevada no período pós-pandemia. Assim, o bloco trava um ‘cabo de guerra’ com o ocidente, principalmente EUA, para manter a oferta global um pouco abaixo da demanda e, com isto, alcançar patamares de preços mais elevados.
Os EUA têm desempenhado um papel de grande relevância na estabilidade do mercado global de petróleo. Em especial no segundo semestre de 2023, o país atingiu recordes de produção, em particular de ‘shale gas’, na região oeste do Texas, na bacia chamada de ‘Permian Basin’. E, para fortalecer sua posição no controle de preços internacionais, o país também fez uso de reservas estratégicas – saindo de 617,8 para 351,3 milhões de barris nos últimos dois anos, uma redução de cerca de 53%.
Desde o início da guerra entre Rússia-Ucrânia, na mesma direção, a União Europeia (UE) ampliou os seus estoques de petróleo para fazer frente a eventuais cortes de produção pelo bloco OPEP+. Além disso, vem buscando alternativas para diminuir a dependência do gás natural proveniente da Rússia, e acelerando a transição energética com diversas fontes renováveis.
Dessa forma, o mundo pós-pandemia lida com uma nova e complexa dinâmica no mercado de energia. Entretanto, diferente de outras crises no passado, o mercado parece estar mais equipado e resiliente para lidar com adversidades. O principal fator do lado da oferta é a revolução do ‘Shale Gas’ nos EUA, que tornou o país o maior produtor de petróleo do mundo e vem atuando como contrapeso aos cortes sucessivos de produção da OPEP+.
Do lado da demanda, porém, espera-se que já no primeiro trimestre de 2024, o Federal Reserve (banco central americano) inicie a queda na taxa básica de juros nos EUA, que deve estimular de forma mais acentuada o consumo e investimentos no país, afastando o cenário antes esperado de recessão.
Igualmente importante, a China apresenta indícios de recuperação, ou pelo menos, a atividade econômica demonstra sinais de resiliência acima do esperado. Observa-se ainda, uma dinâmica geopolítica bem diferente no mundo, com grandes movimentos em relação a segurança, transição energética e iniciativas coordenadas dos países para enfrentar as mudanças climáticas, tais como a COP (Conference of Parties), conferência organizada anualmente pela ONU.
No cenário doméstico, também observamos movimentações importantes. Seguindo a onda internacional, o Brasil vem investindo de forma decisiva na transição energética nos últimos anos, com possibilidade de se tornar um exportador líquido de crédito de carbono se progredir na regulamentação deste mercado e diminuir as queimadas ilegais, principalmente na região amazônica. Nota-se, também, que o país se destaca com um avanço significativo de oferta de energia proveniente de fontes renováveis e na produção de biocombustíveis.
Outro movimento diz respeito ao reposicionamento estratégico da Petrobras – Novo Plano Estratégico 2024-2028. Nesta nova edição do plano estratégico, a empresa sinaliza uma mudança relevante que, em princípio, encontra-se em desacordo com o TCC (Termo de Compromisso de Cessação), firmado com o Cade, em meados de 2019. Neste novo plano, a empresa indica que irá fortalecer sua posição nos setores de refino e petroquímico – movimento de verticalização e com implicações concorrenciais importantes.
Mais interessante seria, talvez, se ela optasse por um modelo de parcerias em alguns destes segmentos e, assim, criar oportunidades para novos entrantes e/ou empresas existentes operarem nos segmentos onde a Petrobras não possui vantagem competitiva ou não se alinha com seu core business.
Há, ainda, o recente anúncio de que o Brasil pretende participar do cartel de países exportadores de petróleo OPEP+, inicialmente como observador – e, neste caso, sem imposição de cota e/ou direito a voto. Certamente, no formato atual, a Petrobras, por ser uma empresa de economia mista e listada em bolsa, não poderia se submeter a quotas de produção e, neste sentido, restaria somente a fração de óleo que a União tem controle através dos contratos de partilha da produção.
Por fim, o Brasil, sendo um exportador líquido de petróleo e em ascensão, ser membro da OPEP+somente por razões políticas, enfraqueceria sua posição de destaque no cenário global. Isso representa um verdadeiro ‘tiro no pé’ pelo fato de o país ainda não ser autossuficiente em derivados, gerando uma preocupação adicional no controle da inflação, já que a estratégia do bloco é pela manutenção de preços de petróleo mais elevados. Como dizia o economista Roberto Campos, ‘o Brasil não perde uma oportunidade de perder uma oportunidade’.
*Ex-diretor da ANP – Agência Nacional de Petróleo e Managing Partner na FK Energy Partners