Folha de S. Paulo
Após um 2021 de inflação elevada, alimentada pela alta dos combustíveis, e de disparada dos preços de veículos usados, os impostos que pesam no bolso dos motoristas devem ajudar a engordar os caixas dos estados em 2022.
O salto na arrecadação estadual é percebido desde o ano passado. Dados mais recentes do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), do Ministério da Economia, apontam que a entrada de recursos por meio de todos os tributos estaduais teve um aumento de 15,4% entre 2020 e 2021, mesmo considerando que parte dos valores de dezembro ainda não foi consolidada.
Quando se olha apenas para quanto os estados embolsaram com o IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores), a alta de é de 2,25% (ainda sem o efeito da alta dos usados em 2021), totalizando R$ 50 bilhões no ano passado.
No caso do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) total sobre combustíveis, petróleo e lubrificantes, a variação é de 30,3% no período, um total de R$ 104,8 bilhões. E, para este ano, as perspectivas são de novas altas na arrecadação com os dois tributos.
Juntos, São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Bahia representavam 73% de todos os autoveículos em circulação no país no ano passado, incluindo também os isentos de IPVA, segundo o Sindipeças (Sindicato Nacional de Componentes para Veículos Automotores).
A Sefaz-SP (Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo) estima que a arrecadação com o imposto atinja R$ 21,8 bilhões em 2022, vindo de um patamar de R$ 18,53 bilhões —um aumento de 15%.
A alíquota permanece em 4%, mas, em razão dos efeitos negativos da pandemia e da inflação —que fechou o ano passado em 10,06%—, o valor de mercado dos veículos subiu 22,54%, em média, segundo a pesquisa anual feita pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).
O IPVA sempre representou uma importante fonte de receita para os estados, mas, de 2021 para 2022, esses recursos devem ter ainda mais peso, concorda Rafael Korff Wagner, sócio da Lippert Advogados e presidente do IET (Instituto de Estudos Tributários).
“Alguns estados tiveram incremento de arrecadação por causa, principalmente, da alta de preços dos veículos usados, que servem de base para o cálculo tributário. A crise na produção de carros novos, por problemas de cadeia, como a falta de semicondutores importados, nos levou a esse cenário.”
Ele complementa que alguns estados estavam estudando projetos de lei para evitar o aumento de IPVA em 2021, sem a correção do valor médio dos veículos.
Em Minas Gerais, a estimativa é que o IPVA gere uma arrecadação de R$ 6,5 bilhões, uma variação de 6,5% em relação ao resultado de 2021. Já o Paraná deve arrecadar R$ 5,2 bilhões em 2022, um montante 35% superior ao registrado um ano antes.
No Rio Grande do Sul, a expectativa é arrecadar R$ 4,2 bilhões, valor que é repartido automaticamente 50% para o estado e 50% para o município do licenciamento do veículo. Caso se confirme, a arrecadação deste ano representará um aumento de 25% ante 2021.
Santa Catarina, por sua vez, deve receber R$ 2,7 bilhões, após somar R$ 2,29 bilhões em 2021. A Bahia diz adotar uma perspectiva conservadora para a arrecadação em 2022. Para o IPVA, a previsão é de R$ 1,64 bilhão, um incremento de 5,5% na comparação com 2021.
O governo do Rio de Janeiro foi o único entre os estados com as maiores frotas que não divulgou estimativas para 2022. Entre janeiro e novembro de 2021, a arrecadação foi de R$ 3,25 bilhões.
“É fato que a alta dos preços dos automóveis impactou o IPVA, aumentando de forma indireta esse tributo. Tudo isso decorre da alta inflação de 2021, que ficou em um patamar que não se via havia mais de cinco anos no país e revela descontrole nas contas públicas e irresponsabilidade fiscal”, avalia Fernando Facury Scaff, professor de direito financeiro da USP (Universidade de São Paulo).
De acordo com os governos estaduais, além dos efeitos da inflação e da alta do valor dos usados, parte da explicação também está no crescimento da frota em alguns estados, como Paraná e Minas Gerais.
INFLAÇÃO JOGOU GASOLINA SOBRE ICMS DE COMBUSTÍVEIS
Com o ICMS sobre combustíveis, os cofres dos estados também devem ficar mais cheios neste ano.
São Paulo, por exemplo, estima que a arrecadação de ICMS total em 2022, constante na Lei Orçamentária Anual, será de R$ 191,48 bilhões. Em 2021, a arrecadação desse imposto foi de R$ 185,63 bilhões, sendo que o segmento de combustíveis respondeu por R$ 20,72 bilhões.
Projetando a média de participação dos combustíveis no total, a arrecadação desse segmento deve ficar em torno de R$ 22,19 bilhões em 2022 para o governo paulista.
Na avaliação de Wagner, do IET, os preços internacionais devem continuar impulsionando a arrecadação de ICMS sobre os combustíveis. “Os estados chegaram a congelar o tributo por 90 dias até janeiro, mas o consumidor não sentiu isso na bomba.”
Os combustíveis, na verdade, subiram bem mais que a média geral de preços, o que acabou se refletindo no aumento da arrecadação. No ano passado, o etanol foi o item do IPCA (a inflação oficial do país) que acumulou a maior alta, de 62,23%. A gasolina subiu 47,49%; o óleo diesel, 46,04%.
O caixa dos estados foi favorecido fortemente pela política da Petrobras de transferir a alta do dólar e dos preços internacionais diretamente aos consumidores, concorda Scaff. “O ICMS pegou carona nessa política, que puniu os consumidores e os contribuintes.”
Por maioria de votos, os secretários do Comsefaz (Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados e do DF) decidiram na semana passada encerrar, a partir do dia 31 de janeiro, o congelamento do ICMS sobre combustíveis.
O fim do congelamento é mais um capítulo no embate de Jair Bolsonaro (PL) com os governadores. Segundo o presidente, o imposto estadual era o culpado pela inflação dos combustíveis, o que era rebatido pelos governos estaduais.
“A política de preços da Petrobras só serve para manter e aumentar os lucros da petrolífera”, afirmou o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), que é coordenador do Fórum Nacional de Governadores, ao anunciar o fim do congelamento.
“Cabe diretamente ao governo federal, por meio da Petrobras, a política de preços dos combustíveis, e o governo de São Paulo não tem nenhuma interferência sobre o assunto”, diz a Sefaz-SP.
Durante o congelamento, em caso de novos reajustes, os postos repassavam somente o aumento do preço da refinaria, sem incluir o efeito da alta posterior do PMPF (Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final). Agora, o impacto nas bombas do descongelamento é esperado para ocorrer já em fevereiro.