Folha de São Paulo
Carros elétricos exclusivos no Brasil, que podem custar mais de R$ 1 milhão, vão ficar ainda mais caros. Após a retomada do Imposto de Importação, com alíquota de 35%, o programa Mover (Mobilidade Verde) prevê novas regras para importadores independentes de veículos.
Haverá uma taxa extra de 20%, em forma de multa, que vai incidir sobre os carros trazidos por empresas que não são representantes oficiais das marcas. O pacote de regras cria ainda a possibilidade de importação por pessoa física —nesse caso, será necessário ficar com o carro por um prazo mínimo de três anos.
As novas exigências, que devem ser regulamentadas em breve, chegam em meio a mudanças no perfil dos negócios. Antes, os lojistas traziam basicamente automóveis esportivos ou SUVs de luxo a gasolina. A lista incluía veículos que não chegavam regularmente ao Brasil, além de modelos raros de marcas como Porsche, Ferrari e Aston Martin. Hoje, contudo, são os modelos elétricos que aparecem em destaque.
Com 16 unidades vendidas no Brasil em 2023, o sedã Tesla Model 3 é anunciado por valores entre R$ 450 mil e R$ 600 mil. Já o SUV Model X (11 emplacamentos no ano passado) chega a custar R$ 1,6 milhão. Outra marca americana de elétricos que começa a chamar a atenção é a Rivian. Sua picape elétrica R1T, que custa aproximadamente R$ 1 milhão no mercado nacional, teve oito licenciamentos no país.
Segundo a Abradelc (Associação Brasileira de Defesa do Livre Comércio), as novas exigências podem impossibilitar o trabalho das importadoras independentes. Luciano Bushatsky, advogado e porta-voz da entidade, afirma que os requisitos criados impedem que as negociações sejam feitas sem o pagamento da multa de 20%, que é calculada sobre o suposto valor de venda do veículo.
“Já existe uma trava do Denatran [Departamento Nacional de Trânsito] que limita o volume a 20 carros importados anualmente por CNPJ, sendo que apenas duas unidades da mesma marca, modelo e versão podem ser trazidas”, diz o advogado.
A Abeifa, que representa os importadores oficiais de veículos, defende a nova legislação. “De certa forma, o que ocorre hoje é uma competição desigual. Se olharmos as obrigações, o importador oficial tem uma responsabilidade de oferta de peças por décadas, é um investimento mais alto”, diz João Oliveira, presidente da entidade.
O executivo afirma que há também a questão dos recalls. “As montadoras disponibilizam ferramental e peças para os importadores oficiais e ficam em cima das empresas para saber se o cliente foi encontrado e se o reparo foi realizado.”
João cita o exemplo da Ferrari, cujos carros chegam tanto pela empresa credenciada como por meio de lojistas independentes. “A primeira coisa que a fabricante vai fazer é avisar ao seu importador oficial que há um problema.”
A Abeifa defende que esses procedimentos de recall só serão executados a contento caso o carro tenha chegado ao Brasil de forma oficial. Importadores independentes, contudo, dizem ser possível manter o atendimento nesses casos, inclusive de carros híbridos e elétricos.
Eduardo Kano, sócio-administrador da Paito Imports, já enviou unidades do Tesla Model X para reparos nos Estados Unidos. Segundo a montadora, 55 mil carros fabricados entre 2021 e 2023 apresentaram falhas no sistema de freios.
“O procedimento se chama exportação temporária para reparo, que é normatizado pela Receita Federal e pode ser feito tanto em nome do proprietário como em nome da loja. O carro é enviado até o país de origem, onde é feito o conserto”, diz Kano. Nesse caso, todas as despesas são pagas pelo lojista.
O empresário explica ainda que marcas como Porsche e Mercedes-Benz permitem que os proprietários de modelos importados de forma independente tenham acesso à garantia de fábrica no Brasil. Entretanto, é preciso pagar uma tarifa na rede concessionária.
Para importadores de veículos elétricos sem representação no Brasil, a combinação de multa e Imposto de Importação afeta de imediato os negócios, já que essas empresas não têm acesso às cotas de isenção previstas para os revendedores oficiais.
“Com o retorno da tributação, sofreremos um impacto nas importações de modelos Tesla, pois eleva muito o valor final do produto”, diz Tarcísio Moraes Alves, responsável pela área de novos negócios do grupo de concessionárias Osten. “Se comparado com outros veículos que estão no mercado, se torna um desafio comercial, mas o público que almeja esse tipo de veículo tem um comportamento de consumo diferente e entende que a exclusividade tem seu preço.”
Apesar das taxas, Alves afirma que o grupo Osten tem interesse em avançar na importação de automóveis exclusivos e investir em soluções para carros elétricos. Estamos apostando no mercado de infraestrutura de carregamento para deixar o consumidor mais seguro no uso cotidiano dos veículos.”
Em nota, o Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) explica como foram definidas as regras do Mover envolvendo importações independentes. Um dos pontos abordados é a melhora na fiscalização de entrada desses veículos. Veja a íntegra do texto enviado pelo ministério:
“O programa Mobilidade Verde e Inovação ampliou as exigências de descarbonização da frota automotiva brasileira e aumentou os requisitos obrigatórios para a comercialização de veículos novos no país, levando em conta eficiência energética, rotulagem veicular, reciclabilidade e segurança.
As exigências contidas na Medida Provisória que instituiu o Mover são as mesmas para todos os atores envolvidos –importadores independentes, importadoras autorizadas e fabricantes nacionais– e buscam assegurar o cumprimento das metas do programa e a segurança do consumidor.
As importações por pessoa física, garantidas em lei, também estão sujeitas a regras definidas na MP –entre elas, a ciência do importador autorizado e a restrição de venda do veículo por três anos. A elaboração da MP contou com a participação do MF [Ministério da Fazenda], do MCTI [Ciência, Tecnologia e Inovação] e da Casa Civil; e as regras que buscam aprimorar a fiscalização sobre a entrada de veículos no país foram construídas em conjunto com a Receita Federal.”
Em nota, o representante da Abradelc afirma que a entidade não é contrária ao Mover, mas pede outro tratamento. “A posição da associação é favorável ao novo regime automotivo, desde que tiradas as travas que impedem os importadores independentes de atuarem no mercado.”