Guedes afirma que País pode ter hiperinflação

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O Estado de S.Paulo

Em evento da Controladoria-geral da União, o ministro Paulo Guedes (Economia) disse que o Brasil pode “ir para uma hiperinflação muito rápido” se não rolar a dívida satisfatoriamente.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou ontem que o Brasil pode “ir para uma hiperinflação muito rápido” se não rolar a dívida pública satisfatoriamente. No evento Boas práticas e desafios para a implementação da política de desestatização do governo federal, organizado pela Controladoria-geral da União (CGU), ele se disse frustrado por não ter conseguido ainda privatizar nenhuma empresa estatal, como prometido na campanha do presidente Jair Bolsonaro, e defendeu desinvestimentos para reduzir o endividamento público.
Assessores do ministro rechaçaram avaliação de que mensagem de Guedes represente “terrorismo fiscal”. Eles destacam que essas incertezas, que podem piorar ainda mais os indicadores, ocorre num momento em que a economia real está “com punch” para a retomada. “Estamos roucos de tanto gritar” resumiu um assessor do ministro ao comentar o alerta de Guedes sobre o risco de hiperinflação.
Os economistas classificam de “hiperinflação” quando o principal conjunto de preços de um País – o Índice Nacional de Preços a Consumidor Amplo (IPCA), no caso brasileiro – aumenta de valor em mais de 50% em um mês. O Brasil viveu mais de uma década nessa situação, entre o começo dos anos 1980 e o lançamento do Plano Real em 1994. Em março de 1990, a inflação mensal ultrapassou a casa dos 80%.
Como comparação, em outubro deste ano o IPCA subiu 0,86%, de acordo com dados divulgados na última sexta-feira pelo IBGE. O centro da meta de inflação para todo o ano de 2020 é de 4%, mas os analistas de mercado esperam um índice de 3,20% neste ano, de acordo com o Relatório Focus do Banco Central publicado na última segunda-feira.
A fala do ministro da economia foi um “alerta evidente” para a necessidade de o Congresso correr com a aprovação das reformas e os projetos da pauta econômica, segundo assessores de Guedes. A discussão dos projetos, que incluem medidas duras e impopulares de corte de gastos, foi paralisada por determinação do presidente Jair Bolsonaro até o final das eleições municipais. Guedes quer retomar as discussões já no dia 16 de novembro, no dia seguinte do primeiro turno, e sua equipe econômica tem intensificado as discussões. O clima na Câmara, porém ainda, está muito conflagrado por conta das disputas em torno da sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Assessores do Ministério da Economia garantiram que, por trás do alerta do risco de hiperinflação, não há nenhuma insatisfação de Guedes com o trabalho do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Os dois afirmam que estão na trincheira da defesa do ajuste e manutenção do teto de gastos.
Câmbio. Mas há a percepção na equipe econômica que a inflação pode acelerar rapidamente num cenário de pressão do câmbio com dúvidas sobre a trajetória da dívida, o que atrapalharia a manutenção de juros baixos, o crédito e investimentos.
Uma fonte da equipe econômica disse que Guedes e Campos Neto estão preocupados com o problema do déficit fiscal e as providências para sua equação, pois não há margem mais da política monetária, se não resolver o problema fiscal. A falta de definição do governo e os desejos das áreas palacianas de continuar gastando pode pressionar muito os déficits com taxas de juros cada maiores para financiá-lo. Na avaliação dessa fonte, Guedes e Campos Neto estão sós nessa luta.
“Estou bastante frustrado com o fato de estarmos aqui há dois anos e não termos conseguido ainda vender nenhuma estatal” , afirmou Paulo Guedes.
Sem conseguir levar desinvestimentos nem a venda de imóveis públicos para frente, Guedes ressaltou que o País carrega empresas e bens ineficientes, enquanto tem uma dívida que cresce como “bola de neve”. “Se tivéssemos matado a dívida, estaríamos com recursos alocados para fazer transferência de renda”, completou o ministro.
Em outro evento também nesta terça, o ministro afirmou que, até dezembro de 2021, quatro estatais já deverão ter sido vendidas: Correios, Porto de Santos, Eletrobrás e PPSA, que administra o sistema de partilha de petróleo. “Até dezembro, essas quatro devem estar feitas. E muitas outras. Esse é o ponto de partida. Estamos propondo isso para o Congresso nos próximos 30 a 60 dias”, disse, em evento virtual sobre países emergentes, organizado pela agência Bloomberg.
‘Não acho que corremos esse risco’
Ao contrário do afirmado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, não há risco de hiperinflação no País hoje, segundo Armando Castelar, economista coordenador da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV).
Segundo ele, porém, caso a dívida continue sua trajetória crescente, o Banco Central pode cair em uma situação de “dominância fiscal”, na qual se vê impossibilitado de aumentar os juros para segurar a inflação porque, se o fizer, a dívida dispara. A seguir, os principais trechos da entrevista.
• Há risco de hiperinflação no Brasil como disse o ministro Paulo Guedes?
No momento, acho que não. Seria difícil uma inflação de 3,5% ao ano saltar para hiperinflação. Três questões sobre inflação estão na mesa. Primeiro, ela tem subido. A deterioração nos últimos meses foi grande e concentrada em alimentos, que estão com inflação acumulada de 18%. Alimentos são muito presentes na cesta de consumo. Então a inflação é percebida. Uma segunda questão é se essa perda de controle continua. A inflação já está perto do centro da meta (4%). Há uma preocupação de a alta ser repassada para os preços no ano que vem, quando a meta cai para 3,75%. A notícia de uma vacina aumenta a preocupação. O preço do petróleo também está subindo. A terceira discussão, que é na qual a declaração do ministro está ancorada, é que, se a dívida continuar crescendo, podemos chegar a uma situação em que o Banco Central fica amarrado para aumentar os juros (e segurar a inflação). Isso é conhecido como dominância fiscal, quando a preocupação fiscal domina a política monetária. Nesse caso, chega um ponto em que elevar juros faz a situação fiscal explodir.
• Qual a probabilidade de isso acontecer?
Depende de se adotar medidas ou não (para conter o endividamento). Se não se adotar nada, ao longo do tempo, acaba ocorrendo esse cenário. Não é algo rápido e não necessariamente culmina em hiperinflação, mas em inflação mais alta.
• O ministro Paulo Guedes se disse frustrado por não ter conseguido fazer nenhuma privatização até agora. Privatizar resolverá o problema?
Não. Ele quis dizer que, privatizando, gera receita, que pode ser usada para abater dívida, mas não reduz o crescimento da dívida. Privatização não vai gerar receita significativa na dinâmica da dívida. Privatização é algo que se faz uma vez. O déficit fiscal vem todo ano. Adia o problema, mas não resolve.

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