Governo quer cortar tributo de frete para reduzir custo de combustíveis e fertilizantes

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Folha de S. Paulo

Em meio à escalada nos preços de petróleo e fertilizantes, pressionados pela guerra na Ucrânia, o governo brasileiro planeja um corte na tributação do frete marítimo para tentar reduzir custos de importação.
O Ministério da Economia pretende estabelecer, por meio de um decreto, um corte linear de aproximadamente um terço no Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) – um tributo criado nos anos 1980 para incentivar a indústria naval nacional.
A medida tem custo calculado em aproximadamente R$ 4 bilhões por ano e não há necessidade de compensação orçamentária porque a redução poderá ser usufruída por todos os setores. A Lei de Responsabilidade Fiscal só exigiria um balanceamento no caso de o corte tributário ser restrito a um grupo ou segmento.
A iniciativa começou a ser estudada antes da guerra na Europa, em meio às discussões do projeto de lei da BR do Mar (que alterou regras de cabotagem no país), mas membros do governo confirmam à Folha que a implementação está sendo acelerada agora por causa do conflito e os efeitos sobre os preços no país.
O AFRMM incide sobre o produto desembarcado nos portos, seja de origem internacional ou de outras regiões brasileiras (por exemplo, por meio da navegação de cabotagem). Apesar disso, praticamente todo o valor arrecadado é oriundo das operações de importação.
Os combustíveis são os que mais contribuem para a arrecadação com o tributo (cerca de 18%), seguidos por cargas transportadas por contêineres (cerca de 17%) e adubos e fertilizantes (cerca de 13%). Outros produtos têm representatividade menor.
A proposta desenhada até agora estabelece um corte linear de 33,9% no AFRMM, sendo que há diferentes percentuais resultantes conforme a origem. Na navegação de longo curso internacional, por exemplo, a alíquota cairia de 25% para 16,5%; na de longo curso nacional, de 25% para 16,5%; na de cabotagem, de 10% para 6,6%.
O AFRMM é considerado pelo Ministério da Economia um tributo que não contribui para a atividade. Primeiro porque beneficiaria poucos estaleiros nacionais (80% dos recursos vão para um conjunto de aproximadamente 20 empresas) e segundo porque estabeleceria uma forma de protecionismo à indústria nacional (ao taxar os produtos que chegam via mar).
Apesar de os combustíveis serem os maiores geradores de AFRMM, o Ministério da Economia vê um impacto mais significativo do tributo sobre a produção de alimentos. A estimativa da pasta é que o AFRMM custe aos agricultores por volta de R$ 450 milhões ao ano na importação dos fertilizantes.
A Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que vinha desde a pandemia pedindo mudanças no AFRMM, comemora a medida. A entidade estima que fertilizantes e defensivos representam de 30% a 50% do custo de produção e classifica a escalada recente dos preços como “avassaladora”.
De acordo com a CNA, a ureia aumentou 300% no ano passado, o potássio encareceu 170% e o fosfato dobrou de preço. Ainda de acordo com a entidade, os principais nutrientes aplicados no país são potássio (38% do total), cálcio (33%) e nitrogênio (29%).
Dos 35 milhões de toneladas de fertilizantes usados anualmente nas lavouras brasileiras, 74% têm origem no exterior. Rússia e Belarus, grandes exportadores, estão com as vendas afetadas em razão da guerra.
A CNA afirma que a cultura da soja lidera a demanda por fertilizantes com mais de 40% do total usado, seguida por milho, cana-de-açúcar, café e algodão.
A conclusão do Ministério da Economia é que o AFRMM onera muito o frete de transporte, principalmente em itens que compõem a cesta básica ou afetam seu custo, como grãos, farinha de trigo, adubos e fertilizantes.
Cálculos da Economia apontam que a extinção do tributo reduziria o custo da cesta básica em 4,4%. A medida e outras similares em discussão são vistas internamente como os primeiros passos rumo a uma possível eliminação do AFRMM.
O ministro Paulo Guedes (Economia) tem colocado em prática diferentes medidas de corte tributário. Em sua visão, é melhor devolver os ganhos em receita obtidos em forma de impostos à sociedade do que inchar o Estado e dar margem a políticas questionáveis.
“Esse excesso de arrecadação não é para inchar a máquina de novo. Preferimos transformar esse ganho de arrecadação em redução de impostos para milhões de brasileiros”, disse o ministro no mês passado ao anunciar um corte de 25% no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
O Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) reagiu à medida dizendo que o setor vai ser afetado. “Isso prejudica a indústria, pois são recursos usados há mais de 50 anos pelas empresas”, diz o vice-presidente da entidade, Sergio Bacci.
Ele reconhece que os recursos do Fundo de Marinha Mercante não estão sendo usados de forma significativa atualmente e que há bilhões em dinheiro em estoque, mas afirma que isso é resultado de uma política de governo que não dá prioridade à indústria nacional. Ele diz que a Petrobras, forte contratante dos estaleiros brasileiros na era petista, agora encomenda seus navios da Ásia.
Para ele, o Ministério da Economia está usando o cenário de inflação para justificar uma medida que seria adotada de qualquer forma e prova disso seria que até a cabotagem teria suas tarifas reduzidas pela medida. “Estão querendo colocar a culpa nos fertilizantes”, diz ele.

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