Folha de S.Paulo
Por meio de regimes tributários especiais, a Secretaria de Fazenda de São Paulo tem tentado atingir vendedores de combustíveis que acredita estarem ligados a um dos principais devedores de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) do estado, a Refinaria Refit, antes chamada de Manguinhos. Na lista da dívida ativa de São Paulo, ela aparece com débito de R$ 9,14 bilhões. .
Entre setembro e outubro deste ano, o órgão estadual publicou no Diário Oficial atos contra Império Comércio de Petróleo e Everest Distribuidora de Combustíveis e renovou o regime especial da Flagler Combustíveis. Em todos os casos, a Secretaria da Fazenda determinou que “o ônus financeiro do ICMS” será pago pelo comprador final.
Isso significa que, nesses casos, a Fazenda começou a cobrar de postos de combustíveis e revendedores o imposto estadual não pago pelas empresas citadas.
Nos textos divulgados no Diário Oficial referentes a Império e Everest, o governo justifica as ações afirmando que as empresas pertencem a um grupo econômico que vem “sistematicamente deixando de recolher o ICMS devido em suas operações” e que a Secretaria fez esforços para receber os tributos devidos, mas não teve êxito, já que “persiste a inadimplência”.
A referência é à Refit. As distribuidoras atingidas pelos regimes especiais não pertencem a Ricardo Magro, dono da Refit, ou a qualquer de seus familiares. Mas o órgão do governo as relacionou à refinaria por meio de nomes em comum nos quadros societários.
Consultada pela Folha, a refinaria diz não acreditar que os regimes especiais tenham sido decretados com a tentativa de atingir a refinaria, mas que, se isso aconteceu, “estaremos diante de fatos extremamente graves, pois não é aceitável que a secretaria use um instrumento desse tipo para influenciar a escolha de compra dos postos revendedores”.
Ao mesmo tempo em que se recusa a acreditar ter sido alvo, a refinaria “também considera que o regime especial possa ser uma forma de retaliação contra qualquer benefício que a empresa tenha”. “Caso isso seja verdade, estaremos diante de fatos extremamente graves, que violam todos os princípios que devem reger a relação do fisco com o contribuinte”, completa a nota da empresa.
A Secretaria da Fazenda disse à reportagem que o posicionamento do governo sobre o assunto seria dado pela PGE (Procuradoria Geral do Estado). Em resposta aos questionamentos enviados, a PGE se limitou a informar o link em que as empresas incluídas na dívida ativa poderiam ser consultadas.
Pessoas ligadas à Fazenda de São Paulo disseram que há uma determinação para que não se comente sobre processos em andamento. Mas o governo viu em regimes especiais como esses uma forma viável de estancar a sangria de ICMS não pago.
Estimativa de organizações do setor é que, na hipótese de nada do ICMS devido por essas empresas ter sido recolhido, a perda de arrecadação de São Paulo em um ano seja de R$ 1,2 bilhão, sendo R$ 766,6 milhões de gasolina e R$ 420,4 milhões de diesel.
A cobrança do imposto que a Fazenda acredita ser devida pela refinaria e distribuidoras é feita por meio da solidariedade tributária. São Paulo tem usado o mecanismo colocando a responsabilidade pelo pagamento de ICMS no destinatário final do combustível.
O valor da cobrança pelo tributo não pago é de R$ 1,22 por litro. Caso o revendedor ou posto tenha comprado 100 mil litros em um mês, por exemplo, terá de recolher R$ 122 mil em ICMS. O imposto passa a ser devido a partir do momento em que a mercadoria entra no estado.
Isso pode fazer com que revendedores e postos busquem outros fornecedores que não sejam a Refit ou distribuidoras associadas a ela.
“É importante frisar que a Petrobras também está na chamada ‘lista de devedores’ do Estado de São Paulo e, portanto, vale questionar se tal tratamento em relação à Refit e os postos também se estenderá à Petrobras e seus parceiros ou se há dois pesos e duas medidas. Como destacado, não podemos acreditar que nem a Fazenda Paulista, nem qualquer outro órgão governamental possa exercer algo tão agressivo e ilegal dessa magnitude”, diz a nota enviada pela Refit. A refinaria afirma que, na verdade, é ela quem tem precatórios a receber de São Paulo, sem informar o valor.
“É muito importante que as secretarias de Fazenda, assim como a de São Paulo, possam se defender da sonegação nesse formato. Isso retira dinheiro que deveria ir para a saúde, educação, segurança. Pode também alimentar uma cadeia de ilegalidade muito grande no setor de combustíveis”, afirma Emerson Kapaz, presidente do ICL (Instituto Combustível Legal).
A Refit diz que o ICL é “notório desafeto da refinaria.”
Em mensagens de grupos de WhatsApp de donos de postos, vistos pela reportagem, há muitas queixas quanto à cobrança do ICMS como solidariedade tributária e preocupações sobre como pagar. Alguns deles, assim como revendedores, dizem terem recebido minutas de contestações a serem apresentadas à Procuradoria Geral do Estado.
Para entidades como o ICL e Sindicom (Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e Lubrificantes), as minutas foram enviadas pelos advogados da Refit. Questionada sobre o assunto, a empresa não respondeu.
O texto da minuta argumenta, entre outras coisas, que seria impossível para a “notificada” (posto ou revendedor), diante do volume de operações que realiza, exigir guias de recolhimento de imposto de cada uma das compras que realiza de diferentes fornecedores. Afirma também que o pagamento solidário do tributo se refere a todos que efetivamente colaboram para a sonegação, o que não seria o caso, e que o dolo não pode ser presumido
“A gente espera que isso venha em cascata [que outros estados adotem a mesma medida]. A gente busca isso há muito tempo. É muito fácil comprar de alguém com um preço mais baixo que sabidamente é por causa de imposto não pago e não se responsabilizar por isso. Quem tem de pagar o ICMS é a refinaria. Se ela e a distribuidora não pagam, São Paulo vai no próximo elo da cadeia, que é o revendedor”, diz Mozart Rodrigues Filho, diretor executivo do Sindicom.
A Refit foi também beneficiada por um regime especial, mas no Amapá. Ela recebeu, assim com aconteceu com a Fair Energy, incentivo fiscal para comprar nafta, óleo de petróleo e outros derivados, no exterior, com incentivo discal. Ela tem um crédito presumido de 8% em cada operação, com prazo de 60 dias. A nafta pode ser transformada em gasolina e diesel. A medida foi vista por outros estados e instituições como guerra fiscal.