O Estado de S.Paulo
Como a maioria das pessoas, eu gostaria de um preço mais baixo nos combustíveis. E, também como a maioria das pessoas, não tenho a fórmula para que isso aconteça.
Essas limitações não impedem de achar estranho que tanto o governo como o Parlamento se ocupem intensamente da questão no final de seus mandatos. A simples pressão do tempo já é uma adversária na busca de uma saída inteligente.
O esforço para baixar o preço da gasolina tem um pouco de voluntarismo. O preço depende do mercado internacional, numa conjuntura política das mais turbulentas. No momento em que a Rússia cerca a Ucrânia, o preço do barril chega aos US$ 90; se as tropas russas cruzarem a fronteira ucraniana, o preço deve saltar para US$ 100. Só nesse movimento todos os esforços internos para reduzir o preço seriam engolfados pela conjuntura. Não é certo que a Rússia invada a Ucrânia. Mas o exemplo serve para mostrar a volatilidade dos preços internacionais.
Uma das propostas para baixar o preço do combustível, como a renúncia fiscal de quase R$ 100 bilhões, foi chamada de emenda kamikaze, em homenagem aos pilotos suicidas japoneses. Ela teve a assinatura do filho de Bolsonaro.
As consequências dessa renúncia se fariam sentir em toda a economia, provavelmente, inclusive, com aumento na taxa de juros, tornando, por exemplo, mais caro e distante o sonho da compra de uma casa própria. Para falar apenas nos efeitos suaves.
Muitos acham que é preciso se libertar dessa conjuntura internacional, sobretudo porque há autossuficiência na produção do petróleo. Mas o simples fato de produzir mais do que consome não resolve o problema. Há as características do petróleo brasileiro que favorecem a exportação para produzir asfalto lá fora. Há problemas para refinar todo o óleo produzido no Brasil. E há questões econômicas que às vezes fazem com que a compra lá fora, para um Estado como o Maranhão, seja mais econômica.
A pergunta mais frequente é esta: por que importar, se somos autossuficientes? Não me lembro de debates neste período parlamentar sobre o tema. A única menção que registrei foi uma proposta de aumentar o imposto de exportação, o que tornaria o óleo brasileiro talvez menos competitivo.
Também seria difícil no Brasil imaginar, por exemplo, políticas públicas destinadas a reduzir o consumo. Em muitos países do mundo já se tem a propriedade compartilhada de um carro, usando-o de acordo com a agenda de cada um dos coproprietários. O estímulo ao uso compartilhado em forma de caronas teve um lampejo no passado, mas foi bombardeado pela pandemia.
Essa linha só funciona com muita sintonia entre governo e sociedade.
Mas há outras que independem disso. Uma delas é o estímulo ao carro elétrico. Sem ele, este ano o crescimento deste tipo de veículo foi superior a 60% no Brasil.
Não vi, também, nenhum debate no sentido de estimular a conversão da indústria automobilista brasileira. Se tivesse acontecido no passado, talvez a Ford se sentisse mais competitiva e não deixasse o País.
Apesar da abertura para o álcool, o Brasil oficial se comporta como se o combustível fóssil fosse a forma natural e eterna com que movemos nossos veículos.
Quando vejo todo este esforço para baixar o preço da gasolina, não é apenas a conjuntura imediata que me faz comparar esse esforço com o mito de Sísifo — levá-la para o alto e ter de subir com ela de novo, incessantemente. Penso, também, no aquecimento global e no esforço econômico gigantesco no trânsito para uma economia de baixo carbono. Por mais recalcitrante que seja o governo, uma política de redução de emissões também é tarefa do Brasil. Ela custa dinheiro. Não faz sentido investir rumo à neutralidade na emissão de carbono e, simultaneamente, gastar dinheiro para emitir mais carbono.
Um governo e uma legislatura praticamente se esgotaram sem que os problemas do futuro próximo sejam equacionados.
A sensação é a de que estamos enxugando gelo e navegando em águas perigosas que oscilam entre renúncias radicais de arrecadação e propostas de subsídios para o uso da gasolina, sem restrições, inclusive para o grande movimento de barcos de passeio nos fins de semana.
Por sua relevância numa economia que gira sobre rodas, é importante considerar o caso do diesel. Mas, ainda assim, essa dependência do transporte rodoviário precisa ser encarada.
Até que o tema das ferrovias não ficou alheio ao governo. Bolsonaro concedeu à iniciativa privada a construção da ferrovia de 537 km que ligará Figueirópolis, no Tocantins, a Ilhéus, na Bahia. Vai se conectar com a Norte-Sul. Percorri um longo trecho da Leste-Oeste e tive a impressão de que vai demorar. Ao menos é um aceno para o futuro num governo mergulhado com o Congresso no pântano do imediatismo.
Não adianta muito, neste momento, falar de futuro. Sobretudo quando ele não tem repercussão eleitoral. Estaremos mais ou menos condenados a conviver com medidas que dão votos, mas também dão muita dor de cabeça para quem for desatar o nó da economia no ano que vem.