O Estado de São Paulo
Os Estados Unidos e a China, os dois maiores poluidores climáticos do mundo, concordaram em enfrentar conjuntamente o aquecimento global, aumentando a energia eólica, solar e outras energias renováveis, com o objetivo de substituir os combustíveis fósseis, disse o Departamento de Estado na terça-feira, 14.
O anúncio ocorre no momento em que o presidente americano, Joe Biden se prepara para se reunir nesta quarta-feira, 15, com o presidente da China, Xi Jinping, para sua primeira conversa frente a frente em um ano. O acordo climático poderá surgir como um ponto positivo nas negociações, que provavelmente se concentrarão em temas sensíveis como Taiwan, a guerra na Ucrânia e a guerra entre Israel e o Hamas.
As declarações de cooperação divulgadas separadamente pelos Estados Unidos e pela China não incluem uma promessa da China de eliminar gradualmente seu pesado uso de carvão, o combustível fóssil mais sujo, nem de parar de liberar e construir novas usinas a carvão. Este tem sido um ponto de discórdia para os Estados Unidos em meses de discussões com Pequim sobre as mudanças climáticas.
Mas ambos os países concordaram em “dedicar esforços para triplicar a capacidade de energia renovável no mundo todo até 2030″. Esse crescimento deverá atingir níveis elevados o suficiente “para acelerar a substituição da produção de carvão, petróleo e gás”, afirma o acordo. Ambos os países preveem “uma redução absoluta significativa das emissões do setor energético” nesta década, afirma o acordo. Esta parece ser a primeira vez que a China concorda em reduzir as emissões em qualquer setor de sua economia.
O acordo chega duas semanas antes de representantes de quase 200 países se reunirem em Dubai como parte das negociações climáticas das Nações Unidas conhecidas como COP28. Os Estados Unidos e a China têm um papel descomunal a desempenhar enquanto as nações debatem se vão eliminar gradualmente os combustíveis fósseis.
No início deste mês, John Kerry, enviado climático de Biden, reuniu-se com seu homólogo chinês, Xie Zhenhua, em Sunnylands, na Califórnia, para lançar as bases para o acordo anunciado na terça-feira.
“Os Estados Unidos e a China reconhecem que a crise climática tem afetado cada vez mais países no mundo todo”, afirma a Declaração de Sunnylands sobre o Reforço da Cooperação para Enfrentar a Crise Climática.
“Ambos os países sublinham a importância da COP28 na resposta à crise climática durante esta década crucial e mais além” e se comprometem “a enfrentar um dos maiores desafios do nosso tempo para as gerações presentes e futuras da humanidade”.
Metas
Como parte do acordo, a China anuiu em estabelecer metas de redução para todas as emissões de gases do efeito de estufa. Isso é significativo porque o atual objetivo climático chinês considera apenas o dióxido de carbono, deixando de fora o metano, o óxido nitroso e outros gases que atuam como um cobertor em torno do planeta.
O metano é expelido pelas operações de petróleo e gás, bem como pela mineração de carvão, e no curto prazo pode ser 80% mais potente como gás de efeito estufa do que o dióxido de carbono.
O governo chinês divulgou na semana passada um plano há muito aguardado para lidar com o metano, mas os analistas o consideraram ineficaz, porque faltavam metas para a redução de emissões.
O acordo de Sunnylands também carece de metas, mas afirma que os dois países trabalharão em conjunto para estabelecê-las.
A China se recusou a aderir ao Compromisso Global de Metano, um acordo entre mais de 150 nações, liderado pelos Estados Unidos e pela Europa, que promete reduzir coletivamente as emissões em 30% até 2030.
Compromissos climáticos
Os Estados Unidos e a China também concordaram que no próximo conjunto de compromissos climáticos – que os países deverão apresentar em 2025 – a China estabelecerá metas de redução de emissões em toda a sua economia. Seu compromisso atual exige que as emissões de dióxido de carbono atinjam o pico antes de 2030, mas não especifica até que ponto poderão chegar antes de a curva começar a descer, nem define quanto deverá reduzir as emissões.
Manish Bapna, presidente do grupo ambientalista Natural Resources Defense Council, elogiou o acordo EUA-China e o caracterizou como “uma plataforma de ambição” antes da cúpula climática da ONU em Dubai.
“O acordo passa uma mensagem poderosa de cooperação no desafio de vida ou morte do nosso tempo”, disse Bapna. “O importante agora é que ambos os países cumpram o compromisso de hoje”.
O acordo é o produto de meses de negociações entre Kerry, 79 anos, e Xie, 73, amigos e parceiros de debate sobre o clima há mais de 25 anos. Ambos abandonaram a aposentadoria para se tornarem enviados climáticos de seus países e defenderam diplomacia climática junto a seus governos. Xie, que sofreu um derrame no ano passado, deverá se aposentar após a cúpula da ONU em Dubai.
As negociações ficaram paralisadas em 2022, depois de Nancy Pelosi, então presidente da Câmara, ter viajado para Taiwan, um movimento que Pequim viu como provocativo. Depois, no início deste ano, um caça americano abateu um balão espião chinês que flutuava sobre o território continental dos Estados Unidos.
Em julho, em meio aos esforços do governo Biden para melhorar os laços, Kerry viajou para Pequim.
Esse esforço não terminou em sucesso. Xi aproveitou a oportunidade da visita de Kerry para fazer um discurso declarando que a China nunca seria “influenciada por outros” em seus objetivos climáticos.
Ainda assim, Kerry na época disse, com otimismo: “Preparamos o terreno” para um acordo.
Quando se trata de mudanças climáticas, nenhuma relação é tão importante como a que envolve Estados Unidos e China.
Clima
Os Estados Unidos, o maior poluidor climático da história, e a China, o maior poluidor da atualidade, são responsáveis, em conjunto, por 38% dos gases com efeito de estufa do mundo.
Isso significa que a vontade dos dois países de reduzir urgentemente as emissões essencialmente determinará se as nações conseguirão limitar o aumento médio da temperatura global a 1,5 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais.
Este é o limite além do qual os cientistas dizem que incêndios florestais, inundações, calor extremo e secas cada vez mais graves ultrapassarão a capacidade de adaptação da humanidade. O planeta já aqueceu 1,2 graus.
Mas nem os Estados Unidos nem a China agirão com rapidez, a menos que a outra parte o faça. Ambas as nações estão tomando medidas para combater as emissões, mas os radicais de cada país argumentam que o outro lado não está fazendo o suficiente, e cada país já declarou que as promessas climáticas do outro eram falsas.
Embora os Estados Unidos tenham reduzido suas emissões, as autoridades chinesas disseram que o objetivo americano de reduzir sua poluição em pelo menos 50% dos níveis de 2005 até ao final desta década é insuficiente.
Os líderes na China também estão perfeitamente conscientes da divisão partidária nos Estados Unidos em relação às mudanças climáticas e têm pouca confiança de que um futuro governo cumpra as promessas feitas por Biden. A maioria dos candidatos republicanos se recusa a reconhecer as comprovações científicas sobre as mudanças climáticas, e o favorito, Donald Trump, prometeu travar a ação climática e encorajar mais perfuração de petróleo, fracking de gás e extração de carvão.
Os legisladores americanos, por outro lado, observam que as emissões da China continuam crescendo e que o país até agora só prometeu atingir um pico antes de 2030 e depois manter um patamar antes de reduzir as emissões. Isso é inaceitável para a maioria dos parlamentares, que acreditam que a China, a segunda maior economia do mundo, deveria estar avançando a um ritmo semelhante ao dos Estados Unidos.
(The New York Times)