Estados entram em ‘guerra fiscal’ por IPVA de veículos híbridos e elétricos

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O Estado de São Paulo

Uma “guerra fiscal do IPVA” se instalou entre os Estados brasileiros envolvendo a isenção do imposto para carros elétricos ou híbridos (que combinam componentes elétricos e motor a combustão). Entes federativos têm criado regras que favorecem as vendas e as montadoras localizadas em seus territórios. A justificativa para as medidas é a redução de emissões de gases poluentes.

A disputa é mais acirrada nos dois maiores Estados consumidores de veículos do País, São Paulo e Minas Gerais, cujas regras para a isenção de IPVA neste ano provocaram uma “gritaria silenciosa” das montadoras, segundo executivos do setor ouvidos pela reportagem. Não há contestações públicas, mas, nos bastidores, as empresas trabalham por alterações.

Em vigor desde 1º de janeiro, o benefício paulista é criticado por atender apenas aos carros de uma fabricante de veículos híbridos flex (que contam com motor elétrico, mas também rodam com gasolina e etanol), a Toyota. O de Minas Gerais, que ainda aguarda regulamentação, tenta favorecer apenas a Fiat, mas, por problemas de interpretação do texto, pode excluir da isenção até os veículos da marca italiana.

Ao todo, há 13 Estados com isenção ou descontos para os eletrificados, sendo sete deles voltados somente aos 100% elétricos. Os Estados sem fábrica apoiam mais os carros elétricos, mesmo os importados. Já os que têm fábricas em seus territórios fixaram métricas que beneficiam as montadoras locais.

Em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) decidiu isentar do IPVA apenas os modelos híbridos flex, híbridos plug-in (com baterias que podem ser recarregadas em tomadas) e veículos a hidrogênio — tecnologia que ainda deve levar alguns anos para chegar ao mercado. A opção pelo flex é para incentivar o uso do etanol, combustível que tem forte cadeia produtiva em São Paulo.

A regra favorece apenas os modelos da Toyota Corolla e Corolla Cross híbridos flex, feitos em Sorocaba. No ano passado, a companhia anunciou investimentos de R$ 11 bilhões em suas três fábricas no Estado até 2030.

Isso ocorreu porque a norma paulista estabeleceu como requisito de acesso motores eletrificados com bateria de potência mínima de 150 volts e valor de até R$ 250 mil. Com isso, os modelos chamados de híbridos leves, desenvolvidos ou fabricados por Stellantis, Volkswagen, Renault e Caoa Chery ficaram de fora, assim como os da GWM, cujo primeiro carro a ser fabricado localmente será híbrido, mas não flex.

Os modelos híbridos leves não têm motor elétrico, e sim um sistema elétrico que ajuda o motor a combustão ser mais econômico, mas não move o carro sozinho. A potência da bateria é de 12 volts.

O parâmetro foi fixado após alerta de entidades, como a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), que defendeu que o híbrido com direito à isenção deve ter um motor elétrico e outro a combustão, contemplando assim os híbridos full e os plug-in.

A ABVE, no entanto, também se mostrou insatisfeita com a norma paulista, uma vez que os 100% elétricos ficaram de fora — o benefício é apenas para os híbridos flex.

O secretário estadual de Fazenda, Samuel Kinoshita, afirma que a política de incentivo paulista foi desenvolvida combinando fatores como a contribuição na redução de gases efeito estufa, a fonte de energia mais abundante local (no caso, o etanol) e o limite de renúncia tributária com a medida.

O Estado tem 28 mil veículos elegíveis ao benefício, o que representa uma renúncia fiscal de R$ 163 milhões neste ano. Em 2026, a expectativa é que o número aumente em 10 mil veículos. A isenção do IPVA é válida para este ano e o próximo. A partir de 2027, volta a ser cobrado gradualmente até atingir os 4% em 2030.

Um veículo com uma bateria de 150 volts, acrescenta Kinoshita, anda mais tempo do que um híbrido leve sem a necessidade de recarga, o que também é um critério a ser considerado quando se pensa nos custos para se instalar infraestrutura para o abastecimento dos elétricos.

“Ninguém é contra uma ou outra vertente, mas um incentivo tributário que não considere a combinação desses fatores também não seria desejável”, afirmou Kinoshita. “O fato de termos uma empresa em São Paulo que atende a esses requisitos e ainda gera empregos no Estado é ótimo, mas se outras atingirem os mesmos parâmetros de eletrificação nos modelos híbridos flex terão acesso ao mesmo benefício.”

Em dezembro, o governador Tarcísio de Freitas chegou a dizer que não concederia isenção de IPVA a montadoras instaladas em outras regiões do País.

“Eu tenho a GM que vai produzir híbrido em São Paulo, eu tenho a GWM que vai produzir híbrido em São Paulo, eu tenho a Toyota que vai produzir híbrido em São Paulo, eu tenho a Volkswagen que vai produzir híbrido em São Paulo”, disse o governador, na ocasião. “A gente não vai dar isenção de IPVA para carro que vai ser produzido na Bahia ou no exterior.”

Ainda que o critério adotado tenha contemplado somente a Toyota, a política de incentivo paulista não faz distinção por localização da fábrica.

“O IPVA não está direcionado por origem da produção; quem colocar o veículo no patamar mínimo de contribuição para a redução de poluentes terá acesso”, afirmou Kinoshita.

Benefício segundo o CEP em Minas

Mais restritivo é o decreto de Minas Gerais, assinado em 27 de dezembro pelo governador Romeu Zema (Novo). Ele isenta do IPVA carros novos híbridos ou elétricos apenas fabricados no Estado, ou seja, vale só para automóveis da Fiat, a única com unidade de produção em Minas.

A marca, porém, não produz elétricos, e os híbridos elegíveis ao benefício são os “que possuem mais de um motor de propulsão”. Essa regra deixa de fora os dois híbridos leves flex da montadora fabricados em Betim, o Pulse e o Fastback, lançados em novembro. Como a norma ainda não foi regulamentada, executivos do setor apostam que esse critério deverá ser alterado. Procurada, a Secretaria da Fazenda de Minas não se pronunciou.

Sete Estados — Bahia, Ceará, Maranhão (desde que comprado localmente), Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Paraíba — não cobram IPVA apenas dos elétricos. Na Bahia, a chinesa BYD está construindo uma fábrica para atender ao mercado brasileiro com produção local de elétricos e híbridos flex. Já Alagoas, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul dão descontos para carros de ambas as tecnologias.

No Distrito Federal, onde não há fábricas de automóveis, o governador Ibaneis Rocha (MDB) sancionou em dezembro um projeto de lei que concede a isenção apenas para veículos eletrificados (elétricos ou híbridos) que tenham sido comprados no DF. Ou seja, se não ganha com a arrecadação do IPVA, pelo menos garante receita com o pagamento de ICMS sobre a venda de veículos local.

Sem citar os projetos de isenção de IPVA, o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Márcio de Lima Leite, afirma que não compete à entidade discutir questões relacionadas às políticas públicas de cada Estado.

Nos bastidores, executivos de montadoras discutem se é o caso de levar a legislação mineira e a do DF à Justiça, uma vez que podem ser enquadradas em discriminação tributária por origem, o que não é permitido.

Leite ressalta que o híbrido leve é uma classificação da Organização Mundial do Comércio (OMC). “Para nós, é importante a preservação da questão técnica, não podemos criar conceitos técnicos”, afirma Leite. Ele também preside a Stellantis.

O diretor de Relações Governamentais da Volkswagen, Luiz Ricardo de Medeiros Santiago, diz ser positivo o fato de a gestão pública “ter um olhar para a baixa emissão de gases de efeito estufa”. Sobre o fato de a lei paulista beneficiar apenas híbridos clássicos, ele informa que a Volkswagen ainda não divulgou que tipo de tecnologia será adotada em seu primeiro híbrido flex. O grupo anunciou em 2024 aportes de R$ 16 bilhões até 2028 para as três fábricas em São Paulo e uma no Paraná.

As fabricantes Stellantis (dona das marcas Fiat, Jeep, Peugeot, Citroën), General Motors e Caoa Chery e BYD foram procuradas, mas não quiseram comentar o tema.

A Toyota afirmou que “tem compromisso com a mobilidade sustentável, que promove a descarbonização do meio ambiente e a geração de emprego e renda no País e que, nesse contexto, políticas públicas que cumpram esses propósitos são bem-vindas”.

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