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Projetos ainda estão em fases iniciais, mas identificam grande capacidade brasileira de aplicação e expansão
Conforme o mundo tenta intensificar o combate às mudanças climáticas, cresce a busca por novas fontes de energia que consigam ajudar na descarbonização da economia, ou seja, reduzir as emissões de gás carbônico. E o hidrogênio tem ganhado espaço e atenção nesse processo.
O gás hidrogênio é visto como uma alternativa eficiente, tendo um grande potencial energético e aplicação em setores cuja descarbonização não passa por outras fontes de energia renovável, como a eólica e a solar.
Hoje, o gás ainda é produzido usando principalmente fontes de energia não renováveis e poluentes, mas há possibilidade de expansão do uso de fontes renováveis nessa produção, gerando o chamado hidrogênio verde.
Esse tipo de hidrogênio é considerado a “energia do futuro”, com potencial de uso em diversas áreas, do transporte à indústria. Para especialistas, os custos elevados ainda impedem a disseminação, mas isso deve se reverter nos próximos anos, e o Brasil possui condições para se beneficiar dessa nova tendência.
Como obter hidrogênio?
O hidrogênio é o elemento químico mais abundante na natureza, mas é também um dos mais reativos. Isso significa que é difícil encontrá-lo sozinho, e o mais comum é que ele componha outras substâncias, como uma série de gases e a água, a forma mais encontrada.
Segundo Claudio Ruggieri, professor da Poli-USP, isso obriga a realização de processos químicos para obter o hidrogênio e usá-lo.
Ele afirma que, em geral, são três os principais tipos de hidrogênio usados hoje, variando pela fonte de geração de energia envolvida no processo.
“O primeiro é o hidrogênio marrom, gerado usando carvão. Há o hidrogênio cinza, gerado usando gás natural ou metano, e por último há o verde, obtido via fontes renováveis, como uma plana eólica ou solar”, afirma.
No caso do hidrogênio verde, as moléculas de água são separadas, a partir de um processo chamado eletrólise. Nela, uma corrente elétrica passa pela água e separa os átomos de hidrogênio e oxigênio, resultando na formação dos dois gases.
Ruggieri diz que o processo de geração do hidrogênio verde via eletrólise com fontes renováveis ainda é mais caro dos que os outros dois, o que dificulta uma expansão de produtoras de hidrogênio verde e sua adoção em escala.
Entretanto, o uso dessa forma mais limpa do gás vem “recebendo uma atenção muito grande recentemente, como fonte adicional de energia renovável”. Para ele, isso está ligado à necessidade de descarbonização da economia.
Nesse sentido, o hidrogênio verde apresenta algumas vantagens. Primeiro, pode ser usado em setores onde a aplicação de outras energias renováveis não resolveriam toda a necessidade de reduzir emissões. Segundo, não é intermitente ou dependente do clima, como as fontes eólica, solar e hídrica. Além disso, a sua produção pode usar o excedente gerado por essas fontes, que hoje não possui uso.
Para Bruno Vath Zarpellon, diretor de inovação e sustentabilidade da Câmara Brasil-Alemanha de São Paulo, “o hidrogênio verde consegue cobrir lacunas que outras energias verdes não abarcam. Isso não quer dizer que em 2 anos vai ter uso. Tudo indica que a competitividade em relação ao cinza virá em 10 anos, mas a utilização em escala menor vem antes”.
Ele afirma que esse processo poderia ser acelerado, mas isso “demanda iniciativas públicas e privadas para estimular o uso, desde isenção, incentivos, editais, o que já aconteceu com outras energias”.
Aplicações
José Geraldo Melo Furtado, pesquisador do Cepel, vinculado à Eletrobras, o hidrogênio não é em si uma fonte de energia, mas sim um “vetor energético”. Isso significa que o gás pode ser usado para armazenar e transferir energia. De acordo com o pesquisador, cerca de 95% do hidrogênio usado hoje é o cinza.
Segundo Ruggieri, o hidrogênio gerado fica na forma de gás, podendo ser armazenado em tanques. Feito isso, o gás pode ser colocado em células de hidrogênio, que realizam um processo químico que resulta na liberação da energia acumulada na eletrólise e gera como subproduto vapor d?´água.
A célula gera, então, energia elétrica, que pode movimentar um motor. “Em veículos pequenos, é um processo menos eficiente em relação à bateria elétrica, então ele começa a ser pensado para veículos maiores, como caminhão, trens, navios, avião”, diz.
O motivo é que, em veículos maiores, a quantidade de baterias elétricas para gerar energia suficiente é muito grande, inviabilizando o uso. Com isso, o hidrogênio surge como forte candidato para substituir os combustíveis fósseis nesses meios de transporte.
Koen Langie, gerente global da área de hidrogênio da Engie, afirma que a área de mobilidade é a com maior potencial de consumo. Apesar de já existirem alguns carros movidos a hidrogênio, a maioria das aplicações está em nível demonstrativo, com a barreira do preço dificultando a expansão comercial, já que a gasolina e o diesel são mais baratos.
“Mas a diferença de preços é cada vez menor, o que vai dar mais sentido em fazer o uso do hidrogênio em larga escala”, diz.
Outras áreas em que o hidrogênio verde pode ser usado estão ligadas à indústria. Nelas, diversos processos envolvem a necessidade de gerar muito calor, e é comum que combustíveis fósseis sejam usados.
O hidrogênio verde, porém, poderia substituir essas fontes, descarbonizando indústrias como a petroquímica e a siderúrgica, em áreas como as de conversão de ferro em aço e na produção de amônia, muito usada para gerar fertilizantes agrícolas.
Apesar de existir potencial para o hidrogênio verde gerar energia elétrica para consumidores, Ruggieri afirma que ainda falta tecnologia para isso, já que as células de hidrogênio não possuem o tamanho necessário para essa geração.
Zarpellon diz que, segundo mapeamento da Câmara Brasil-Alemanha, a maioria dos projetos hoje ligados ao hidrogênio verde estão voltados para trazer soluções à produção. Mas o armazenamento e o transporte do gás também demandam atenção, e podem atrasar a adoção.
A Engie, por exemplo, estuda uma forma de transportar o hidrogênio nos mesmos gasodutos para gás natural. Segundo Ruggieri, o mais comum é que o gás seja transportado na forma de amônia.
“No passado o hidrogênio adquiriu uma má reputação por causa dos dirigíveis que pegavam fogo, mas é porque o armazenamento estava incorreto. Hoje é um cenário bem improvável. É inflamável, mas é igual ao gás natural”, diz.
Apesar disso, quanto mais próxima a área de produção do hidrogênio estiver da área de consumo — de uma indústria a um posto de combustível -, mais barato o uso, e maior a chance da sua adoção.
Hidrogênio verde no Brasil
O mais importante para permitir um uso maior do hidrogênio verde é que ele consiga ter uma produção em escala e com custos menores.
Koen Langie afirma que o Brasil tem duas grandes vantagens nesse sentido. A primeira é a parcela elevada de fontes renováveis na matriz elétrica, o que já facilita o uso para gerar hidrogênio verde. A segunda é a grande quantidade de recursos hídricos, tanto água salgada quanto doce, que podem ser usados no processo.
Combinando os dois elementos, o Brasil desponta como um país de grande potencial tanto para a geração para mercado interno quanto externo. A capacidade de exportação é ainda mais favorecida pela proximidade de mercados consumidores potenciais grandes, como Europa e Estados Unidos.
É nesse sentido que Zona de Processamento de Exportação (ZPE) do Porto de Pecém, no Ceará, já planeja ter uma zona dedicada exclusivamente para abrigar fábricas produtoras de hidrogênio.
Eduardo Neves, presidente da ZPE, afirma que a área reúne as condições para “avançar nos estudos e implementação do hidrogênio verde”.
“Existe uma capacidade de receber navios, a infraestrutura, com um complexo industrial e portuário de área grande, hoje já temos 14 protocolos assinados com empresas de hidrogênio verde, ficarão na nova área de ZPE e próxima ao porto”, DIZ
Segundo ele, “a ideia é que o hidrogênio fique em uma área livre de tributação, e que os tubos já saiam das ZPE direto para o porto para que ele possa ser exportado”.
Os principais desafios para viabilizar o projeto são a necessidade de ampliar a oferta de energia renovável disponível, a falta de regulamentação para novas fontes, como as eólicas offshore (no mar), e a infraestrutura de transporte desse hidrogênio.
“Como é uma coisa nova, temos estudado as possibilidades, são 14 empresas trabalhando conosco, mas queremos formar um cluster. O custo disso tudo caiu, o custo das renováveis caiu, e a tendência é continuar caindo devido às novas tecnologias”, afirma.
No momento, porém, os projetos ainda estão “no campo da possibilidade”, e Neves cita um potencial de geração do hidrogênio verde de R$ 200 bilhões em 20 anos. “Precisamos estudar a questão de infraestrutura, onde vai ficar, a tecnologia que vai usar, a energia necessária, mas também depende muito da velocidade das regulações. Internamente, estamos prontos”.
Uma das medidas realizadas para acelerar a adoção do hidrogênio verde no Brasil é uma parceria com o governo da Alemanha. Segundo o diretor de inovação e sustentabilidade da Câmara Brasil-Alemanha de São Paulo, o país tem uma “tradição forte em sustentabilidade, transição energética”, e tem estudado a adoção do hidrogênio verde.
“É uma aposta para descarbonizar, mas não consegue no território gerar o suficiente para cobrir a demanda, daí a necessidade dessa cooperação, e aí entra o Brasil como player potencial”, afirma.
No momento, a Câmara busca sensibilizar setores sobre o tema, com eventos e levantamentos, para “plantar as sementes no curto prazo. Buscamos ajudar a estabelecer patentes, e é uma agenda positiva do Brasil, em meio a essa preocupação global. A Alemanha e a Europa querem muito, é uma oportunidade”.
Koen Langie afirma que a Engie estuda o uso de hidrogênio para gerar energia há 25 anos, mas tem intensificado a realização de projetos. Uma prioridade é não apenas construir áreas produtoras, mas fomentar a criação de toda a cadeia do setor, do transporte às aplicações.
“A maioria está na fase de estudo, mas estamos avaliando para implementar no curto prazo. A meta da Engie é de fazer 4 GW em projetos até 2030, e estou convencido que pelo menos 1 GW poderia ser aqui no Brasil”, diz.
Além do potencial exportador do Brasil, Langie cita a aplicação nas áreas de mineração e siderurgia, assim como na agricultura. Hoje, o país importa boa parte dos adubos, compostos por amônia, e a produção nacional de hidrogênio permitiria criar uma cadeia de produção no território, barateando custos.
Para ele, até 2030 o público em geral já deve ter contato maior com o hidrogênio, em especial no transporte público e em carros. “Para as empresas vai ser mais fácil de adaptar, e mais necessário, porque vai ser importante ter essa sustentabilidade no negócio. Mesmo que muita gente queira, ainda tem um tempo de adaptação”.
“Hoje há esse desnível competitivo, demanda criatividade de como fechar, uma forma é ter algum suporte governamental, e temos visto isso em outros países. O importante é começar, se não vai ficar no campo teórico, precisamos de projetos, por menores que sejam, para trazer essa tangibilidade para as pessoas”, afirma.
Segundo Furtado, o Cepel já estuda o hidrogênio desde 2003, com uso em células de combustível. Mas foi apenas recentemente que o hidrogênio verde ganhou espaço, pelo interesse da Eletrobras.
“A finalidade é estudar as possibilidades do hidrogênio verde na sua gama de aplicações e como isso afetaria as operações da Eletrobras. A ideia é criar uma planta, uma usina de hidrogênio verde, abastecida com energia renovável, verificando aspectos técnicos e econômicos, as aplicações que seriam interessantes, a escalabilidade, transporte, produção”, diz.
O projeto foi iniciado em 2020, e termina em 2023. Até o momento, os avanços envolveram a formulação de unidades industriais, com a criação de plantas conceituais. Caberá à Eletrobras avaliar, ao fim do projeto, se vale a pena investir na construção dessas plantas.
Ao mesmo tempo, o Cepel vem realizando com a Eletrobras estudos de casos, e já firmou memorandos para pesquisas com a alemã Siemens. “Eles vêm a somar, enquanto analisamos a planta, outras possibilidades de comercialização, aplicação, origem da energia elétrica que será usada”.
A partir de 2030, o pesquisador vê uma “economia do hidrogênio”. “O verde apareceu como um qualificativo, antes nem se falava nas cores do hidrogênio. O Brasil tem grandes perspectivas, potencialidades, para produzir grandes volumes de hidrogênio verde”.
“Mas precisa ter mercado interno, não podemos ser só exportadores. A possibilidade de mercado interno é bem significativa, em especial para descarbonização. Todos os projetos ajudam nisso, são iniciativas importantes, e a área chama atenção. Parece que veio para ficar”.
O que diz o governo?
Segundo o Ministério de Minas e Energia, o governo está realizando no momento a estruturação do Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2), que envolve não apenas o hidrogênio verde, mas também os outros tipos.
O uso de hidrogênio também compõe o Plano Nacional de Energia 2050, e a pasta afirma que o hidrogênio verde será abarcado no Plano Decenal de Expansão de Energia 2031, com um capítulo exclusivo.
Em fevereiro de 2021, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) divulgou o documento “Bases para a Consolidação da Estratégia Brasileira do Hidrogênio”. Nele, os autores afirmam que é necessário “consolidar e formalizar a estratégia nacional em um plano de ação específico do governo federal neste tema, atualizando as diretrizes e superando os desafios já identificados nos documentos elaborados”.
“Na prática, isso significa que o Brasil deve abraçar as oportunidades de desenvolvimento das diversas tecnologias de produção e uso do hidrogênio, inclusive o hidrogênio “verde”, no qual pode ser bastante competitivo”.
O Brasil chegou a elaborar uma estratégia nacional para uso de hidrogênio no Brasil, com quatro etapas, a partir de 2002. Apenas a primeira foi cumprida, de “elaboração de roteiro”.
Os demais períodos, de revisão e formatação de projetos, lançamento de programa governamental e implementação das ações eram previstos para começar a partir de 2010, o que ainda não ocorreu.
No documento, os autores reconhecem que, apesar das barreiras econômicas atuais, o hidrogênio verde é o tipo de hidrogênio com mais potencial, devido à necessidade e interesse na descarbonização global da economia.
Para Claudio Ruggieri, “falta investimento em estudos, pesquisas, para baratear. Um país da dimensão do Brasil, com todos os problemas que temos, precisa necessariamente diversificar a matriz energética, um país que quer crescer precisa de energia, e tornar a matriz mais segura”.
Ele avalia que a adoção do hidrogênio verde em larga escala “é para onde o mundo está indo”, mas que são necessárias pesquisas para baratear custos e desenvolver tecnologias para transporte e armazenamento.
“São pesquisas que demandam investimentos grandes, mas que têm um efeito multiplicador para a sociedade. Se quer viabilizar, precisa acelerar o incentivo à pesquisa”, afirma.