É de ouro? Entenda por que a Bahia tem o diesel mais caro do Brasil Preço do litro chega a R$ 7,98, em Ilhéus

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24/03/2022
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Correio 24 Horas

O estado da Bahia tem o óleo diesel mais caro do país. Em um posto da cidade de Ilhéus, no sul do estado, o litro do combustível custa até R$ 7,98, bem acima da média do país (R$ 4,599), segundo levantamento da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), realizado entre os dias 13 e 19 de março. Ainda de acordo com a pesquisa, o produto no estado é vendido acima dos R$ 7 em Eunápolis (R$ 7,199), Guanambi (R$ 7,198), Irecê (R$ 7,195), Itabuna (R$ 7,320), Juazeiro (R$ 7,20), Paulo Afonso (R$ 7,096), Salvador (R$ 7,29) e Simões Filho (R$ 7,11).
De acordo com o aplicativo Preço da Hora, do governo da Bahia, na capital baiana, o valor do diesel está ainda mais caro. Em um posto de Porto Seco de Pirajá, ontem, ele estava sendo comercializado a R$ 7,97, porém era possível encontrar o produto a R$ 6,79 em postos do Vale do Canela, Nazaré, Pituaçu e Pernambués.
Prejuízo
O caminhoneiro e empresário Raimundo Cardoso, 51, já não sabe mais o que fazer para pagar pelo produto. Ele trabalha com frete de mercadorias e mudanças, além de prestar serviço à Cooperativa de Catadores Consciência Limpa (Coolimpa), através de um contrato com a prefeitura. “O valor de nosso frete não aumentou, nosso salário não aumentou, o preço das peças de carro está muito mais alto e o do diesel também. A gente não consegue acompanhar”, confessa Cardoso.
Para pagar mais barato na hora de abastecer, ele foge de Ilhéus e vai para Buerarema, uma cidade a cerca de 50 quilômetros dali, com pouco mais de 18 mil habitantes. “Vale mais a pena, porque, às vezes, é mais barato uns 20 centavos”, conta. Ele reclama do aumento dos custos que isso gerou nos seus trajetos. “Quando a gente fazia uma viagem de Ilhéus para Salvador, que dá mil quilômetros para ir e voltar, a gente gastava, antigamente, R$ 600 a R$ 700. Agora, não é menos de R$ 1.700. E o consumidor não quer pagar essa diferença, então nosso lucro reduziu à metade”, lamenta.

ICMS alto e privatização explicam alto preço
O diesel é um derivado de petróleo, então seu preço está diretamente ligado ao da commodity. Se o preço do petróleo sobe, o do diesel também aumenta. Isto já vinha ocorrendo nos últimos meses e se intensificou com guerra na Ucrânia. No início deste mês, o preço do petróleo Brent saltou para acima de US$ 139 por barril. Ontem, o barril, que normalmente flutuava entre US$ 50 e US$ 70, variou entre US$ 114 e US$ 122.
Na Bahia, mais de 90% do mercado de combustível é atendido pela Refinaria Mataripe, administrada pela Acelen, que define seus preços a partir do custo do petróleo, que é adquirido a preços internacionais, dólar e o frete. “Nos últimos 26 dias, com o agravamento da crise gerada pelo conflito, o preço internacional do barril de petróleo disparou, superando os US$ 115 por barril, o que gerou impacto direto nos custos de produção”, diz a Acelen, em nota.
Segundo o secretário executivo do Sindicato do Comércio de Combustíveis, Energias Alternativas e Lojas de Conveniências do Estado da Bahia (Sindicombustíveis Bahia), Marcelo Travassos, a Acelen vende o combustível por um valor mais elevado que o da Petrobras.

“A Petrobras passou dois meses sem reajustar seus preços, enquanto que a Acelen reajustou cinco vezes, com percentuais maiores. Além disso, a Acelen trabalha com pontos de entrega, que não tinha antigamente. Eles fornecem para Itabuna e Jequié abasteceram o sul e extremo-sul, com um custo maior que a de São Francisco do Conde (onde está a refinaria). Outro motivo é a Bahia ter um dos ICMS mais altos do Brasil”, explica.

A diferença entre as duas empresas é que a Petrobras sofre pressão política. Para se ter uma ideia, mesmo com a variação para cima do preço do petróleo, a estatal passou 57 dias sem fazer qualquer reajuste no preço dos combustíveis. No último dia 10 de março, a Petrobras anunciou de uma só tacada um aumento de quase 25% no preço do diesel. A Acelen, por sua vez, acompanhou a evolução dos preços do mercado internacional. “A pressão política tem sido um inibidor [para os aumentos da Petrobras]. No caso da Acelen, ela não está preocupada com a situação política do país, porque é uma empresa privada”, argumenta Travassos.

A Petrobras diz que evitou repassar os preços do mercado internacional e, por isso, eles “permaneceram estáveis por 152 dias para o GLP, e 57 dias para a gasolina e o diesel”. Ainda assim, “os valores aplicados naquele momento [10/3], apesar de relevantes, refletiam somente parte da elevação dos patamares internacionais”, ou seja, ela não reajustou os produtos integralmente.

Nesse período em que a Petrobras ficou sem reajustar, as distribuidoras compraram combustíveis em outros estados. “Algumas grandes redes de postos de combustível compravam em Pernambuco e Espírito Santo, porque valia a pena. Era em torno de 20 centavos mais barato, ou mais”, diz o diretor financeiro do Sindicato das Distribuidoras de Combustíveis do Estado da Bahia (Sindicom-BA), Clécio Santana.

É bom sempre lembrar que o impacto do reajuste nas refinarias, porém, nem sempre repercute de forma imediata no custo do diesel nos postos. Como a legislação brasileira garante liberdade de preços, a mudança no preço final depende de repasses feitos por outros integrantes da cadeia de combustíveis. Até chegar ao consumidor são acrescidos tributos federais e estaduais, custos para aquisição e mistura obrigatória de etanol anidro, além das margens brutas das distribuidoras e dos postos.

O congelamento do ICMS pelo governo da Bahia ajuda, mas o diesel continuará em altos patamares. “O governador, Rui Costa, congelou a base de cálculo do ICMS do dia 1 de novembro de 2021 até 31 de janeiro de 2022, prorrogado para 31 de março. Mas a Acelen só fez o congelamento quatro meses e 10 dias depois, só vindo cumprir o decreto agora. E, mesmo assim, continuamos com um dos ICMS mais caros do Brasil”, revela.

Baixa capacidade de refinamento
O economista da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado da Bahia (Fecomércio-BA), Guilherme Dietze, faz a ressalva de que o alto preço do combustível ocorre não só na Bahia, mas no mundo inteiro, por conta da pandemia da covid-19. Historicamente, o custo no Brasil já é superior, pela baixa capacidade de refinamento. “O Brasil é autossuficiente em petróleo, mas não tem capacidade para refinar, então quase metade da nossa produção tem que ser enviada para a Europa ou Estados Unidos, o que encarece o preço”, justifica.
Ele também “culpa” o ICMS. “A alíquota do ICMS é a mesma, mas, se o preço do produto está mais caro, fica mais caro o imposto para quem está na ponta”, detalha. Outro motivo foi a queda de quase 30% na safra de cana-de açúcar, no ano passado, o que impediu o álcool de ser uma alternativa e fez a gasolina aumentar, uma vez que 27% da composição da gasolina é de etanol. A guerra entre Ucrânia e Rússia também faz elevar os preços nas bombas baianas.

O aumento do preço do diesel ainda tem influências indiretas no orçamento do consumidor. “O aumento no preço do óleo diesel tem um efeito muito mais danoso para a cadeia logística, porque o Brasil não tem aviões, navios ou trem, então é só através das rodovias. Os produtos na internet vão ficar mais caros, as frutas que vêm do interior e até o delivery de comida”, revela Guilherme Dietze.

Gasolina em Eunápolis
No penúltimo levantamento da ANP, que considerou as datas de 6 a 12 de março, a Bahia também teve a gasolina mais cara do país, além do diesel. O preço de R$ 8,770 foi registrado na cidade de Eunapólis, no Sul da Bahia. Ele é 31,2% mais elevado que a média do litro de gasolina do Brasil, que ficou em R$ 6,683, naquela semana. Em Salvador, ela variava de R$ 6,74 a R$ 8, nesta quarta, segundo uma pesquisa no aplicativo Preço da Hora.
A empresária Djeile Dann, 34, que mora em Eunápolis, tenta economizar de todo jeito. Ela trabalha com limpeza industrial e entrega de água, com caminhões pipa, e tem evitado rodar com os veículos. “A gente vem reduzindo as voltas com o carro, melhorando a logística, para reduzir o custo. Sempre fazendo um roteiro antes de sair”, conta Djeile.

Ela diz que bastava R$ 300 para abastecer o carro, há um ano. Agora, precisa de R$ 500, ou seja, um aumento 67%. “Tive que aumentar o valor dos serviços, em torno de 12%. Mas o aumento para a gente acaba sendo muito mais, só que temos que segurar, para não perder cliente. Então, termina que não sobra dinheiro para a feira do final do mês”, explica a empresária.

Livre mercado
De acordo com a ANP, os preços dos combustíveis são livres no Brasil, por lei, desde 2002. “São fixados pelo mercado. Não há preços máximos, mínimos, tabelamento, nem necessidade de autorização da ANP, nem de nenhum órgão público para que os preços sejam reajustados ao consumidor”, esclarece.
A ANP ainda enfatiza que não fiscaliza ou participa da formação dos preços. “Os reajustes são feitos pelos agentes que atuam no mercado, como as refinarias (em sua maioria, da Petrobras), distribuidoras e postos de combustíveis”, afirma. Dessa forma, ela reitera que o levantamento semanal serve para acompanhar os preços e dar transparência aos valores praticados no mercado.

Preço segue mercado internacional, diz Acelen
A Acelen, empresa que comprou a Refinaria de Mataripe, antiga Landulpho Alves (Rlam), informou que os valores comercializados dependem do “custo do petróleo, que é adquirido a preços internacionais, dólar e frete”. De 1 de janeiro até esta quarta, a Acelen tinha aplicado seis reajustes, sendo o maior de +23,4%, no dia 5 de março, e o menor de –2,8%, no último sábado (19).

A elevação dos preços se deve à guerra da Rússia com a Ucrânia. “Nos últimos 26 dias, com o agravamento da crise gerada pelo conflito, o preço internacional do barril de petróleo disparou, superando os US$115 por barril, o que gerou impacto direto nos custos de produção”, completa.

Para remediar os valores, a Acelen acatou o congelamento do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Ela diz que demorou para respeitar o decreto estadual porque não houve uma resposta mais rápida da Secretaria da Fazenda (Sefaz) e que “não descumpriu qualquer norma relativa à apuração do tributo”.
A partir do dia 8 de março, a base utilizada para o cálculo imposto é a média ponderada de preços dos produtos comercializados no dia 1 de novembro de 2021. Com isso, a empresa disse que houve uma redução na ordem de R$0,38 a R$0,4 para o diesel e de R$0,58 na gasolina. A partir do dia 1 de abril, é possível que a base seja dos preços do diesel dos últimos 60 dias, mas isso depende de aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ).

Sobre os preços praticados pela Acelen, o diretor financeiro do Sindicato das Distribuidoras de Combustíveis do Estado da Bahia (Sindicom-BA), Clécio Santana, afirma que está, agora, R$ 0,05 superior ao da Petrobras, mas que a tendência, nos próximos dias, é abaixar, graças ao congelamento do ICMS e à desoneração de impostos federais. Contudo, esse repasse para o consumidor pode demorar. “As distribuidoras já estão recebendo por valores menores, mas isso não se repassa, imediatamente, porque depende do mercado”, explica.
O Governo da Bahia foi procurado para se posicionar sobre o ICMS, mas não deu resposta até o fechamento desta edição.

Municípios com diesel mais caro da Bahia (preço médio)
1) Ilhéus – R$ 7,48
2) Itabuna – R$7,1
3) Paulo Afonso – R$ 7,096
4) Guanambi – R$ 7,018
5) Eunápolis – R$ 7,002
6) Valença – R$ 6,919
7) Juazeiro – R$6,893
8) Barreiras – R$ 6,858
9) Simões Filho – R$ 6,767
10) Salvador – R$ 6,655

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