Valor Econômico
A pressão de autoridades e investidores sobre a Shell, ExxonMobil e Chevron, esta semana, por planos mais amplos de redução das emissões, dá um recado claro de que o setor petrolífero precisará se ajustar à transição energética para uma economia de baixo carbono, sob risco de dificuldades no acesso a capital.
A indústria brasileira de óleo e gás não ficará de fora: compromissos de descarbonização e reposicionamentos estratégicos começam a ganhar corpo entre as empresas nacionais, em resposta a acionistas preocupados com as transformações no setor.
As duas maiores companhias de capital aberto da cadeia de óleo e gás no país, a Petrobras e BR Distribuidora, por exemplo, traçam estratégias para o novo mercado. Ao mesmo tempo, diante da tendência de declínio do consumo de petróleo nas próximas décadas, as grandes multinacionais do setor prometem acelerar a busca por novas descobertas no Brasil – onde o pré-sal permite uma produção com emissões mais baixas – e a investir em renováveis no país. Embora haja riscos de que o Brasil não consiga aproveitar todas as suas reservas petrolíferas a tempo, o país, ao fim, pode conseguir tirar proveito da transição energética.
Acionistas e o mercado financeiro, bem como autoridades públicas, têm fechado o cerco contra as petroleiras ao redor do mundo. Esta semana, três episódios chamaram a atenção. Na Holanda, na quarta-feira, um tribunal distrital de Haia deu sentença favorável a ativistas do clima que cobravam da Shell uma redução de 45% das emissões até 2030, num ritmo mais rápido do que o planejado pela empresa. No mesmo dia, nos EUA, um fundo ativista que cobra da Exxon uma mudança na estratégia da companhia, para que ela reduza a dependência dos combustíveis fósseis, conseguiu eleger dois assentos no conselho de administração da multinacional. Também nos EUA, a maioria dos acionistas da Chevron votou a favor de uma resolução que cobra que a empresa “reduza substancialmente” as emissões de escopo 3 (as indiretas, decorrentes dos produtos da empresa e consumidos, por exemplo,
Para a presidente da Catavento Consultoria, Clarissa Lins, o cenário da transição tem mudado “drasticamente”. Os episódios desta semana, segundo ela, mostram que o setor financeiro já deu o seu recado claramente. “Cabe-nos entender esses recados e dar respostas”, disse.
Clarissa acredita que cada empresa encontrará sua própria rota para lidar com as transformações. No setor, as petroleiras europeias, como a Shell, BP, Equinor e Total, têm se destacado por apostarem em renováveis, enquanto a Exxon tem focado, com a oposição de parte de acionistas, na descarbonização dentro da própria cadeia de óleo e gás. “Não se pode perder de vista as competências de cada uma, não há uma mesma resposta para empresas e países diferentes. Seria um erro esperar isso”, afirmou. “Minha leitura é que a indústria de óleo e gás é percebida com mais risco e que vai ficar mais desafiador encontrar fontes de financiamento aos custos de hoje”, completou a ex-presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP).
O diretor de desenvolvimento de negócios da SBM Offshore no Brasil, Rafael Torres, conta que esta já é uma realidade. “Já tivemos uma diferença grande de captação de dinheiro de 2020 para agora e a tendência é que fique cada vez pior”, disse, em evento on-line.
A Petrobras não passou incólume à intensificação da agenda ESG (práticas ambientais, sociais e de governança, na sigla em inglês). Longe dos investimentos em renováveis, a estatal respondeu aos investidores com a criação de uma gerência-executiva para mudanças climáticas e investimentos de US$ 1 bilhão até 2025 para compromissos ambientais.
Além de traçar dez metas de sustentabilidade, a petroleira aposta agora em novos negócios, como o diesel renovável, fruto do coprocessamento de óleo vegetal com diesel.
A BR, por sua vez, está construindo um novo plano estratégico, de olho nos riscos e oportunidades gerados pela transição. A companhia quer aumentar a presença na comercialização de energia limpa. A pressão de acionistas por uma visão de longo prazo motivou, inclusive, a troca recente no comando da distribuidora, agora nas mãos de Wilson Ferreira Jr.
Clarissa destaca que em países onde há mais capital disponível o ritmo da transição energética pode ser maior. Ela não acredita, contudo, que o Brasil, por ser um país emergente, terá um “waiver” [um perdão] dos investidores. “Fica ainda mais urgente sermos um local extremamente competitivo para atrair investimentos”, disse.Para ler esta notícia,