Folha de S.Paulo
A maioria dos veículos vendidos no Brasil é flex —ou seja, pode ser abastecida com etanol ou gasolina, em qualquer proporção—, mas somente 30% da frota utiliza o combustível derivado da cana-de-açúcar.
É o que aponta um estudo da consultoria Datagro referente ao mês de janeiro. Se comparado ao mesmo mês do ano passado, houve avanço —o índice era de 19,4%—, mas o patamar está muito abaixo dos 41,5% já obtidos pelo setor, em outubro de 2018.
Os dados foram apresentados pela consultoria num evento de abertura da safra 2024/25 de cana realizado em Ribeirão Preto (a 313 km de São Paulo), mais tradicional polo sucroenergético do país.
“Tem um trabalho muito grande para ser feito, para ampliar o uso de hidratado na frota flex”, afirmou Plínio Nastari, presidente da Datagro. No mínimo, o consumo no período atual, de entressafra, deveria estar em 35%, mas executivos do setor relatam que o patamar recorde já obtido ainda é aquém do ideal.
Segundo a consultoria e a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), os modelos bicombustíveis representam atualmente 85% da frota de veículos leves circulante no Brasil.
“A gente precisa aumentar essa proporção. Quando começou a venda de veículos flex no Brasil, [o setor questionava] ‘será que um dia boa parte da frota será flex?’ Nós já chegamos a essa situação […]. Então já estamos no limite, o que precisa fazer é aumentar o uso de hidratado pela frota flex”, disse Nastari.
A preocupação com o combustível, considerado limpo e, portanto, benéfico ao ambiente em relação à gasolina, é discutida num momento em que o centro-sul do país está prestes a encerrar uma safra que superou as expectativas.
De 590 milhões de toneladas de cana previstas para a região, que concentra os principais estados produtores, a safra deverá terminar o mês com produção de 656,1 milhões de toneladas moídas. Para a próxima safra, a expectativa é de 592 milhões.
Entre os motivos apontados historicamente para o consumidor não utilizar o etanol estão a desvantagem em alguns momentos do ano na hora de abastecer nos postos e, segundo Nastari, mitos existentes em relação ao combustível derivado da cana.
Para ser mais vantajoso, o mercado estima que o preço do etanol tem de ser até 70% do valor cobrado pelo litro da gasolina.
“Tem muitos proprietários de veículos flex que não sabem que o carro é flex, tem muitos mitos que precisam ser derrubados em relação ao efeito do uso do hidratado nos motores, nos automóveis. Tem um trabalho muito grande para desmistificar essas falhas de compreensão que existem em relação ao consumo de etanol”, disse o presidente da consultoria.
A ideia de que a adesão ao etanol está abaixo do desejado também é compartilhada por José Guilherme Nogueira, CEO da Orplana (Organização das Associações de Produtores de Cana do Brasil).
“É muito pouco, já que dois terços preferem a gasolina ao etanol. Isso faz com que os preços não avancem, impactando os produtores de cana e o Consecana”, disse. O Consecana é o Conselho de Produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Etanol, que contempla os preços nos diversos segmentos do setor.
No centro de Ribeirão Preto, o comerciante Eustáquio Freitas abastecia seu veículo Volkswagen Virtus com gasolina nesta quarta-feira (13), apesar de o álcool custar o equivalente a 61% do valor e ser, portanto, mais vantajoso. “É costume, e acho que o carro rende melhor com gasolina”, afirmou.
O empresário Fernando Dantas também completava o tanque de sua Fiat Toro com gasolina no mesmo posto. Questionado sobre a diferença no valor, disse que “não tinha visto” que o etanol era vantajoso.
CRESCIMENTO VERTIGINOSO
Dados da Anfavea mostram que a aceitação dos automóveis flex, cujos primeiros modelos foram vendidos em março de 2003 no país, foi rápida. Saltou de 3% dos negócios naquele ano –com veículos como Gol, Palio e Corsa–, para 52% já em 2005.
Dois anos depois, o patamar atingiu 88%, ano em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chamou os usineiros de “heróis”. De 2008 em diante, os carros flex passaram a superar 90% das vendas, nível que é mantido até atualmente, conforme a Anfavea.
“Nossos veículos flex, que completam neste ano [2023] 20 anos de existência, podem e devem ser estimulados a um maior uso de etanol, com o objetivo de acelerar a descarbonização, já que representam cerca de 90% de nossa frota circulante”, afirmou o presidente da associação, Márcio de Lima Leite, no anuário da indústria automobilística de 2023 da Anfavea.
PRODUÇÃO EM ALTA
A produção de etanol na safra 2023/24 cresceu até aqui 15,68%, segundo a Unica (União da Indústria de Cana-de-açúcar e Bioenergia), com um total de 32,70 bilhões de litros, dos quais a maioria de etanol hidratado (utilizado diretamente nos veículos flex), com 19,72 bilhões de litros –alta de 21,44%.
Já o etanol anidro, que é misturado à gasolina antes de chegar aos postos, cresceu 7,91%, com produção de 12,98 bilhões de litros.
A safra 2024/25 de cana começará oficialmente no próximo dia 1º, mas duas usinas, já na segunda quinzena de fevereiro, tinham iniciado sua moagem. A expectativa da Unica é de que, no total, 28 usinas reiniciem as atividades até esta semana.
Para a próxima safra, a previsão é de um recuo de 9,8% em relação ao montante colhido na safra 2023/24 no centro-sul do país, região que concentra os principais estados produtores.
De acordo com a Datagro, a previsão indica que a safra alcançará 592 milhões de toneladas de cana, ante as 656,1 milhões da safra que oficialmente terminará no dia 31 deste mês.
Para Nogueira, porém, a próxima safra não representará uma quebra na produção. “Tivemos uma supersafra [23/24]. Então, a próxima não será uma quebra, mas sim voltaremos à normalidade”, disse. A previsão feita pela Orplana difere da apresentada pela Datagro: a organização das associação de produtores estima 620 milhões de toneladas no período 2024/25.