Valor Econômico
O executivo português Carlos Tavares, presidente mundial da Stellantis, costuma ser direto em suas ponderações e respostas aos jornalistas. E foi sem rodeios que ontem, depois da divulgação dos resultados do primeiro ano da companhia, ele respondeu a uma pergunta sobre tributação do carro elétrico no Brasil com uma crítica direta aos concorrentes.
Antes de mais nada, Tavares voltou a destacar o etanol e o carro flex como a melhor solução para o Brasil acompanhar o processo de descarbonização no transporte. Em seguida, questionou: “Por que, então, as pessoas levariam carros elétricos para o Brasil? Bom, o primeiro motivo é para competir com a líder do mercado, que é de longe a Stellantis, que é de longe a Fiat (a marca líder do mercado e que pertence ao grupo)”.
Na sequência, o executivo disse que seja qual for o plano dos que defendem o carro elétrico no Brasil eles não estarão sozinhos. “Sem revelar aqui muitos detalhes sobre o planejamento do produto, vamos levar carros elétricos para o Brasil também para lutar contra as pessoas que pensam que podem desestabilizar o líder do mercado que somos”, destacou. “Temos EVs (elétricos na sigla em inglês) na Europa, estamos lançando no Estados Unidos. Temos em todos os lugares. Estamos bem de EVs.”
Tavares contou que esteve na América Latina há duas semanas e segundo os “cientistas” lhe explicaram, “o elétrico não faz sentido se comparado com o carro que pode rodar com 100% de etanol. “Sem contar que é muito mais caro para a classe média”, disse.
E voltou a lançar críticas a concorrentes. “Se é mais caro e não é melhor sob uma perspectiva de emissões, então, por que faríamos isso? Bem, a resposta é muito simples: nossos concorrentes gostariam de vender o EV como uma declaração moderna, elegante e ecológica para pessoas ricas de áreas urbanas que compram o EV como o segundo ou terceiro carro da família. Isso pode ser um nicho de mercado. Não pretendo deixar esse nicho de mercado para meu concorrente, então estarei lá também. Sejam bem-vindos à competição”, disse.
“Agora, a sociedade precisa, o cidadão precisa? Minha avaliação honesta é que não, eles não precisam porque vocês tem uma solução muito boa para o planeta. Também há o fato de o Brasil ter grandes terras onde a produção de etanol não vai competir com a de alimentos, o que também é muito bom para o país. É uma tecnologia muito acessível e já teve investimento necessário. Então, por que você desperdiçaria os recursos da sociedade em algo que não é melhor para o planeta?”
Com a chegada de um novo governo no Brasil, os fabricantes de veículos começaram a se mobilizar em torno da isenção de Imposto de Importação em carros elétricos, que são todos importados. O elétrico é isento desse imposto desde 2016, mas parte da indústria teme que o benefício estimule a entrada de modelos compactos, principalmente da China, com preços mais próximos da linha nacional. A indústria chinesa, que, em parte, também investe em fábricas no Brasil, argumenta que o benefício precisa ser mantido como forma de preparar a indústria para a produção desses veículos no país.
Na conversa com um grupo de jornalistas de diversos países, na quarta-feira (22), Tavares mostrou que sua preocupação com o preço do carro elétrico não se limita ao Brasil. “Há muitos anos dizemos que o maior problema da eletrificação é a acessibilidade para todas as classes”, destacou.
Segundo ele, a batalha da indústria automobilística hoje é reduzir os custos do automóvel elétrico ao ponto de que os consumidores possam comprá-lo sem os subsídios que ainda são oferecidos em países da Europa e nos Estados Unidos e que giram em torno de US$ 7,5 mil. “Hoje as pessoas compram porque há subsídio do Estado”, disse.
“Vimos isso na Itália. Assim que os subsídios foram extintos as pessoas pararam de comprar”. “Então a expectativa é que os EVs sejam vendidos a preços entre ? 6 mil e ? 7 mil, valor do bônus dado hoje. Isso é bastante óbvio”, completou.
Mesmo assim, a Stellantis comemorou aumento de vendas de 41% em carros elétricos no ano passado, resultado puxado, sobretudo, pela Europa. As marcas do grupo oferecem hoje 23 modelos elétricos. Até o fim do ano serão mais nove e até o fim de 2024 o total chegará a 47, segundo Tavares.
O executivo apontou, ainda, a preocupação com o futuro do suprimento de insumos necessários à produção do carro elétrico. “A fragmentação do mundo é bastante óbvia há alguns anos. Então a nossa estratégia é buscar o abastecimento na região onde vendemos. Sabemos que o mundo está se tornando uma série de bolhas, a bolha norte-americana, a europeia, a chinesa. Dentro de cada bolha, você precisa obter (os insumos de) nada menos que 80% de suas vendas locais”, disse.
Segundo Tavares, a oferta e a demanda de componentes, principalmente semicondutores, começa a voltar ao equilíbrio. “Há, também, sinais de que a alta dos juros vai impactar no arrefecimento da inflação e dos custos das matérias-primas”, disse.
Criada em janeiro de 2022, a partir da fusão entre os grupos Fiat Chrysler e Peugeot Citroën, a Stellantis encerrou o ano com resultados acima do esperado, superando Ford, General Motors e Tesla em alguns indicadores.
O grupo registrou lucro operacional de US$ 24,4 bilhões no último ano e margem de lucro operacional de 13%. O lucro é praticamente o dobro das concorrentes, embora a margem operacional tenha ficado atrás da reportada pela Tesla, segundo a agência “Dow Jones”. A receita líquida somou ? 179,6 bilhões, um aumento de 18% em relação a 2021, levando em conta os resultados dos dois grupos antes da fusão.
O volume de vendas em todo o mundo atingiu 5,8 milhões de veículos. Desses, 859 mil foram vendidos na América do Sul, região em que o crescimento alcançou 3% na comparação com o ano anterior.