Valor Econômico
Imagine um carro totalmente elétrico que dispensa a tomada para carregar a bateria e que pode ser abastecido em qualquer posto de combustível. O uso do etanol para gerar hidrogênio e, a partir desse elemento químico, produzir eletricidade, ainda está em estudos. Mas pode ser o caminho para o Brasil compensar atrasos na evolução dos veículos e participar do processo global de eletrificação, segundo disse, ontem, Besaliel Botelho, presidente da Bosch na América Latina, durante Live do Valor.
“Para o Brasil, esse é o momento certo de participar dessa tecnologia globalmente e não ficar só esperando que as novas tecnologias desenvolvidas fora sejam trazidas ao país”, destacou.
Separar o hidrogênio do etanol para produzir eletricidade por meio de processo químico, dentro do próprio veículo, evita a necessidade de carregar o cilindro do hidrogênio, algo complicado e que compromete a segurança. Dispensa também as baterias. Por isso, essa tecnologia tende a disputar espaço com a indústria de baterias, que tem evoluído na redução de preços, com produtos mais leves e que garantem maior autonomia para o veículo.
Para Botelho, a diferença é que nem toda eletricidade para baterias tem origem em fontes renováveis, ao contrário da célula de combustível que produz hidrogênio a partir de etanol. “Esse é o momento de sermos novamente protagonistas”, destaca.
O protagonismo brasileiro citado pelo executivo refere-se à chamada tecnologia “flex”, que permitiu o uso de etanol, gasolina ou a mistura dos dois combustíveis no mesmo tanque. Botelho atuou ativamente nos projetos que levaram ao surgimento dos carros com motor flex, em 2003, e que acabaram com o receio do consumidor de depender da oscilação nos preços de um único combustível.
A Bosch tem plano global para investir ? 1 bilhão no projeto do hidrogênio entre 2021 e 2024. Para Botelho, no Brasil, enquanto esse tipo de tecnologia a partir do etanol não avança é possível compensar o tempo perdido no desenvolvimento do carro elétrico por meio da intensificação na produção de híbridos que possam ser abastecidos com etanol. É preciso pensar numa “ponte”, como diz o executivo, para inserir o país no contexto mundial de eletrificação dos transportes.
Ele lembra que os países da Europa têm fixado prazos entre 2025 e 2030 como limites para o fim das vendas de veículos com motores a combustão. O retorno dos Estados Unidos ao Acordo de Paris, para reduzir o aquecimento global, tende a acelerar esse processo ainda mais. O executivo estima que em 2030, 60% dos veículos vendidos no mundo serão 100% elétricos ou híbridos.
Como todas as grandes empresas do setor automotivo, a Bosch também tem enfrentado problemas com a escassez de semicondutores, cuja produção se concentra na Ásia. Segundo Botelho, a crise no fornecimento de chips tende a piorar neste mês e no próximo. “Os microprocessadores e a eletrônica estão cada vez mais presentes em tudo o que usamos; não poderia ser diferente nos veículos. Acredito que a regularização [do fornecimento] será ainda lenta em 2022”, destaca.
Ele considera difícil, porém, pensar em instalação de fabricantes desses componentes no Brasil. “É uma indústria que depende de uma base forte de fornecedores e que demanda altos investimentos. Não adianta ter só iniciativa privada envolvida; isso tem que passar por uma política de Estado”.
O executivo acredita, por outro lado, que o potencial brasileiro atrai investimentos. Ontem a Bosch anunciou um plano de R$ 170 milhões para nacionalizar uma linha de produção de injetores de motores a diesel em Curitiba.
Trata-se de uma oportunidade de o Brasil vender a outros países produtos que começam a deixar de ser fabricados em outras regiões. “Essa linha vai abastecer Europa e Estados Unidos”, destaca. “O Brasil precisa buscar na manufatura o eixo para a exportação”.
Ao mesmo tempo, afirma Botelho, o país precisa aprovar a reforma tributária como forma de parar de exportar impostos. Além disso, segundo ele, a insegurança jurídica “é a dúvida que preocupa todos lá fora”.
Para o executivo, os problemas do Brasil são anteriores à crise sanitária. Mas o país acaba sempre por despertar interesse. “O Brasil é um gigante que abre o olho de vez em quando e aí todo o mundo acha que é o momento”.
Apesar de um ano bastante adverso, a Bosch elevou a receita no ano passado. A operação na América Latina alcançou faturamento de R$ 6,9 bilhões, aumento de quase 6% na comparação com o ano anterior. Com 8,2 mil funcionários, a subsidiária brasileira respondeu por 74% do volume de vendas na região. Dos R$ 5,1 bilhões de receita no país, 26% foram obtidos com exportações para América Latina, América do Norte e Europa.
“Conseguimos aumentar vendas e não demitir um único funcionário num ano difícil, com pandemia e falta de componentes”, afirma Botelho, que elogia o programa governamental que reduziu salários e jornada. “Foi a forma de preservar o emprego”.
Para ele, grandes companhias que apostam no país aprenderam a viver com as crises e a lidar com elas. “A gente sempre acredita que o gigante vai abrir o olho, levantar as pernas e começar a andar”.