Valor Econômico
O amadurecimento do setor sucroalcooleiro e de bioenergia, impulsionado pelas novas tecnologias e por metas mais rigorosas de sustentabilidade, levou a uma mudança de perfil das empresas nas últimas duas décadas. O resultado é uma indústria mais eficiente e que já responde por quase 20% da oferta de energia elétrica consumida no país, segundo a União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica) — entidade que reúne as principais produtoras de açúcar, etanol e bioeletricidade da região Centro-Sul do Brasil.
“A situação é atípica e fortalece a posição brasileira no mundo”, diz o diretor de economia e inteligência setorial da Unica, Luciano Rodrigues. Segundo ele, todos esses avanços da bioenergia abrem uma grande avenida de oportunidades para o setor sucroenergético, que vêm sendo sustentadas por investimentos cada vez maiores. Várias empresas inauguraram novas plantas e investem em novas variedades de cana transgênica até na automatização das colheitas e na digitalização completa da produção. Com 628 usinas utilizando biomassa como combustível, há espaço para crescimento exponencial dessa indústria, conforme especialistas.
E a produção nacional vem respondendo a tanto estímulo. Segundo estimativas da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produção brasileira de cana-de-açúcar 2023/24 deve crescer 4,4% em comparação ao ciclo anterior, chegando a 637 milhões de toneladas. A produtividade estimada pela Conab é de 75,75 toneladas por hectare, 2,9% a mais que a obtida na safra 2022/23. O aumento da área e os constantes ganhos de produtividade, principalmente em São Paulo, maior produtor de cana-de-açúcar do Brasil, têm sido fundamentais para esse avanço.
De acordo com o levantamento, a área de colheita deve chegar a 8,4 milhões de hectares, 1,5% acima da anterior. Os dados mais recentes indicam ainda que o Brasil deverá produzir 38,7 milhões de toneladas de açúcar nesta safra, um acréscimo de 4,7% frente à safra 2022/23. Quanto ao etanol, está previsto um aumento de 5,8% para o biocombustível em relação à safra passada, atingindo 33,17 bilhões de litros.
Depois de uma safra 2021/22 prejudicada pelo clima seco e as geadas, a recuperação da produção brasileira de cana no último ciclo trouxe novo alento ao mercado. Entretanto, ainda há pontos de interrogação sobre o clima na próxima safra, especialmente no que diz respeito aos efeitos de fenômenos climáticos como o El Niño, de acordo com especialistas.
Diante desse cenário, empresas como a Raízen consolidam planos de expansão com foco em soluções de energia e produtos renováveis.
No último ano, a companhia anunciou o investimento de cerca de R$ 300 milhões na construção de sua segunda planta de biogás em Piracicaba (SP) e a primeira dedicada ao biometano. Com inauguração prevista ainda para 2023, a fábrica terá capacidade de produção de 26 milhões de metros cúbicos de gás natural renovável por ano, o suficiente para abastecer aproximadamente 200 mil clientes residenciais. Ao todo, serão gerados cerca de 250 empregos diretos e indiretos durante a construção da unidade. E toda a produção final já está vendida. A fábrica, ainda em construção, já tem encomenda firme de clientes como a montadora Volkswagen e a Yara Fertilizantes.
A produção do gás natural renovável será feita a partir de vinhaça e torta de filtro, resíduos da operação agroindustrial do Parque de Bionergia Costa Pinto. Segundo informações da empresa, o bioparque possui, além de estrutura para produção de açúcar e etanol, uma planta de etanol de segunda geração (E2G) e uma usina solar. O E2G se diferencia do convencional por utilizar o bagaço proveniente da produção do açúcar e etanol comum (E1G) para a produção de mais etanol, gerando também a vinhaça como resíduo, que será destinado à nova planta de biometano. Tudo isso permitirá uma redução ainda maior na intensidade de emissões de carbono do produto.
Com esse potencial, o segmento chamou atenção e duas gigantes globais, a BP, do setor de óleo e gás, e a Bunge, de commodities agrícolas, fizeram uma joint venture em 2019. A BP Bunge já nasceu como uma das líderes em energia sustentável no Brasil e uma das maiores processadoras de cana-de-açúcar. Tem 11 usinas de açúcar e etanol, com capacidade para moer quase 33 milhões de toneladas de canade-açúcar por safra, produzir 1,7 bilhão de litros de etanol, 1,7 milhão de toneladas de açúcar e bioeletricidade suficiente para abastecer suas 11 usinas e ainda exportar 1.400 GWh à rede elétrica brasileira.
Com receita operacional líquida anual de R$ 7,2 bilhões, a companhia tem unidades produtoras instaladas em Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo e Tocantins. Mesmo com pouco tempo de vida, os números foram tão atraentes que despertaram cobiça no mercado e hoje a empresa está sendo disputada pela Raízen e pelo Fundo Soberano de Abu Dhabi Mubadala.
A francesa Tereos também apostou no mercado brasileiro. Segundo o diretorpresidente da Tereos Brasil, Pierre Santoul, o mercado vem evoluindo muito, com um aumento da demanda global também no lado do açúcar, em função da quebra de safra na Índia e do início da guerra na Ucrânia. “A necessidade de produtos, aliada a uma transição para uma economia de baixo carbono e por fontes alternativas de energia limpa e renovável, vem sustentando a demanda desse setor”, afirma o executivo.