Fonte: O Globo
Após revogar, por determinação do presidente Jair Bolsonaro, o aumento no preço do diesel poucas horas depois do anúncio, na quinta, a Petrobras viu suas ações despencarem 8,76%, o que significou uma perda de R$ 32 bilhões em valor de mercado. O gesto foi visto por especialistas como uma intervenção na gestão da empresa. Bolsonaro disse que pediu a suspensão do reajuste por estar preocupado com os custos para os caminhoneiros e convocou reunião para que a direção da empresa justifique a medida. O presidente da Petrobras ficou sabendo da ordem a caminho do aeroporto, e o ministro da Economia não foi consultado.
A determinação do governo para que a Petrobras revisse um reajuste de 5,7% no preço do diesel foi considerada uma intervenção na política de preços da companhia e, segundo especialistas, colocou em xeque a autonomia da empresa e das demais estatais — e o discurso liberal do governo do presidente Jair Bolsonaro. Após divulgar a alta do diesel por volta das 13h de quinta-feira, a Petrobras suspendeu o reajuste a indana noite de anteontem, apedido de Bolsonaro. O impacto foi imediato: as ações da estatal caíram 8,76% ontem, e a companhia viu seu valor de mercado encolher R$ 32 bilhões em um único dia. O tombo nas ações foi o maior desde 1º de junho de 2018, quando o então presidente da estatal, Pedro Parente, renunciou em meio à crise gerada pela greve dos caminhoneiros insatisfeitos como preço do diesel. O te morde um novo movimento da categoria, um ano após a greve que parou o país, motivou a decisão do governo. Além de afetar as contas da estatal, a intervenção pode dificultar os planos da Petrobras de vender ativos e abrir o mercado de refino no país. Ontem, Bolsonaro revelou ter ligado para o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, para pedir a suspensão do reajuste, preocupado com o impacto nos custos dos caminhoneiros. Ele se disse surpreso com o reajuste, apesar de a Petrobras ter anunciado no dia 26 de março uma mudança na política de preços, com alterações no diesel em períodos não inferiores a 15 dias, seguindo as oscilações do mercado internacional de petróleo. Na ocasião, o anúncio de que os reajustes ocorreriam em prazos maiores já teria sido uma tentativa de acalmar os caminhoneiros.
Em Washington, onde participa de uma série de reuniões com investidores e organismos multilaterais, o ministro da Economia, Paulo Guedes, sugeriu não ter sido consultado pelo presidente a respeito do cancelamento do reajuste. Ele tentou evitar o assunto, mas diante da insistência dos jornalistas, afirmou que a conclusão de que ele não foi informado “é uma inferência razoável, aparentemente”. Nos quatro primeiros meses deste ano, o preço do diesel nas refinarias da Petrobras acumula alta de 18,4%. Sem o reajuste anunciado anteontem, a estatal terá um prejuízo da ordem de R$ 13,5 milhões por dia (ou R$ 400 milhões mensais), segundo estimativa da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom),devido à defasagem entre o que compra lá fora e revende no mercado interno. O barril de petróleo do tipo Brent no mercado internacional já subiu quase 33% este ano e, segundo especialistas, segurar esse repasse pode acabar levando a um reajuste muito maior no diesel no futuro, já que a perspectiva é de que o petróleo continue em alta. Para Adriano Pires, sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), a ação do governo foi um equívoco.
— Foi tudo atabalhoado. O governo tem três meses e já está se ajoelhando para os caminhoneiros. Isso pode dar margem para (o lobby de) outros setores. Aparentemente, o governo está refém da categoria. Espero que esse episódio tenha sido algo isolado — afirmou Pires, lembrando que a ex-presidente Dilma Rousseff provocou grandes prejuízos à estatal ao impedir reajustes dos preços da gasolina e do botijão de gás para controlara inflação.
Para Helder Queiroz, ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP), o recuo da Petrobras contraria o discurso de sua atual gestão de que tem liberdade para conduzir os preços dos combustíveis sem interferência política. —Apolítica de até 15 dias para o reajuste do diesel não resistiu ao primeiro estresse do preço do barril do petróleo. E acendeu um sinal amarelo. A estatal deveria testar outro tipo de periodicidade, como 30 dias, dado o tamanho do Brasil —avaliou Queiroz.—Esse governo está recheado de contradições. O presidente disseque pediu para a Petrobras um preço justo, mas justo é um valor que leve em conta os custos.
‘CANETADA NÃO RESOLVE’
E mm ei oà crise gerada pela interferência de Bolsonaro, Castello Branco indicou que não cogita renunciar. Em viagem aos EUA, o executivo confirmou em nota ter recebido um telefonema de Bolsonaro “alertando sobre os riscos do aumento do preço do diesel”. Ainda assim, afirmou que a Petrobras é “uma empresa completamente autônoma para a tomada de decisões” e tem posição em instrumentos financeiros contra prejuízos. Em resposta a questionamento da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regula o mercado de capitais, a Petrobras informou que adiou o reajuste apedido da União diante“das ameaças de início de uma nova paralisação (dos caminhoneiros)”.
Edmar Luiz Fagundes de Almeida, professor do Instituto de Economia da UFRJ, destaca que, desde que os preços dos combustíveis foram liberados, no início dos anos 2000, ainda não foram encontradas nem uma solução de merca dopara aumentara concorrência no setor, nem uma política pública que não prejudique o consumidor nema Petrobras.
Para Leandro Miranda, da área de petróleo e gás do Tozzini Freire Advogados, a intervenção de Bolsonaro é péssimo sinal para investidores que estão olhando planos de privatizações,co moada Eletrobr as, e de venda de ativos da própria Petrobras, como refinarias: — Fazer uma intervenção com uma canetada na Petrobras pelo acionista controlador não resolve o problema. (Colaboraram Sergio Lamucci, do Valor, e Paola De Orte, especial para O GLOBO)