A Tarde
Venda da primeira refinaria brasileira faz com que o estado tenha segunda gasolina mais cara do país
Porta de entrada para os portugueses em 1500, a Bahia é o marco do surgimento do Brasil. Aqui tivemos a primeira capital e, como cantou Gilberto Gil, a primeira missa, primeiro índio abatido, primeiro carnaval e primeiro pelourinho também. Pioneira no que há de melhor e pior do país, onde em se plantando, tudo dá.
Mais de 450 anos depois, em setembro de 1950, foi em solo baiano que surgiu a primeira refinaria de petróleo do país, que daria origem, três anos mais tarde, à maior empresa estatal genuinamente brasileira, a Petrobrás.
Símbolo da resistência e da luta pela libertação do domínio português, a Bahia hoje luta contra outra dominação estrangeira. Desde dezembro de 2021, a refinaria Landulpho Alves Mataripe (Rlam) está sob o comando da Acelen, subsidiária do grupo árabe Mudabala, que comprou a refinaria no governo Bolsonaro.
No momento em que a Petrobrás busca nacionalizar o preço dos combustíveis e reduzir a pressão sobre a inflação, a Bahia tem a segunda gasolina mais cara do Brasil, atrás apenas do estado do Amazonas, onde a refinaria Isaac Sabbá (Reman) também foi privatizada.
A Federação Única dos Petroleiros (FUP) foi contra a venda da Rlam desde o início e já alertava para os riscos de ter uma companhia estrangeira comandando a distribuição de combustíveis. ‘Estamos na mão de um monopólio regional privado que vende os combustíveis mais caros do país’, denuncia Deyvid Bacelar, coordenador-geral da FUP.
Radiovaldo Costa, diretor de comunicação do sindicato dos petroleiros da Bahia (Sindipetro) vai além. ‘Nós tivemos a venda não só de um monopólio, mas do mercado consumidor baiano. O grupo Mubadala, que controla a Acelen, pratica os preços que acha melhor para sua realidade estratégica’.
Gasolina vendida pela Acelen é a segunda mais cara do Brasil, segundo a FUP
PPI
O processo de desinvestimento e venda de ativos da Petrobrás teve início no governo Temer, a partir do impeachment da presidente Dilma, quando foi implantado o PPI, preço de paridade internacional, atrelando todo o combustível vendido no Brasil aos preços do mercado global, independente dos custos de extração e refino.
Desde então, o número de importadores de combustíveis cresceu 400% e passou de 100 para mais de 500, enquanto as refinarias diminuíram seu fator de utilização para uma média de 60%, 65%, muito abaixo da sua real capacidade.
‘Hoje, os importadores estão sentindo a Petrobrás aumentando o fator de utilização das refinarias, para em média 93%, e a estatal também importando gasolina e diesel para abastecer o mercado interno, garantindo o suprimento doméstico’, diz Deyvid Bacelar.
A redução de investimentos somada aos lucros exorbitantes de uma operação dolarizada em tempos de câmbio valorizado beneficiou os acionistas internacionais, que tiveram lucro líquido entre 2021 e 2022 de R$ 388 bilhões.
‘A Petrobrás estava em liquidação. Foi fatiada, vendida aos pedaços, BR distribuidora, Liquigás, malha de gasodutos, venderam plantas petroquímicas, fábricas de fertilizantes, parques eólicos, de energia solar, campos de petróleo em terra e mar e venderam refinarias, gerando receita e lucro para acionistas e não para a população brasileira’, indigna-se Bacelar.
Até mesmo o sindicato dos donos de combustíveis reconhece que a política de preços da Petrobrás foi nociva ao consumidor, mesmo lembrando que fatores externos, como a guerra da Ucrânia e a desvalorização do Real frente ao dólar interferiram nos valores cobrados.
‘É muito perverso para o baiano receber o produto pelo preço internacional do petróleo’, diz Valter Tannus, presidente do Sindicombustíveis, que confirma a retração nas vendas..
Reestatização
Desde maio, quando o ex-senador Jean Paul Prates tomou posse como presidente da Petrobrás, o PPI foi abandonado. A retomada da capacidade de refino das refinarias e da construção de navios reabre a perspectiva de geração de empregos.
‘Quando a Petrobrás está alinhada a um projeto de nação, o país cresce’, celebra o coordenador da FUP, que aposta no PAC 3 anunciado pelo presidente Lula para consolidar, entre outros projetos, o estaleiro Paraguaçu, em Maragojipe.
O ambiente favorável permite ao dirigente da FUP pleitear a retomada de alguns ativos estratégicos vendidos nos últjmos anos, entre eles, a Rlam. ‘A FUP entende que o processo de crescimento da capacidade de refino da Petrobrás passa necessariamente pela reintrodução da Rlam aos ativos da empresa, que voltaria a ter o controle da refinaria baiana’, defende Bacelar.
Essa ideia ganhou ainda mais força no último dia 3, quando o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, declarou, em entrevista, que a Rlam é ‘um ativo histórico da Petrobrás que nunca deveria ter sido vendido’. Deyvid Bacelar afirma que a luta da categoria petroleira é para que a Rlam volte a ser um ativo da empresa.
‘Continuamos defendendo que é preciso reestatizar essas refinarias, não apenas por capricho do sindicato ou da categoria petroleira, porque nós estamos defendendo interesses da população’, acrescenta Radiovaldo.
Segundo a FUP, a partir da conquista da autossuficiência no refino, os impactos de custos de importação serão reduzidos e não mais influenciarão na formação dos preços no mercado nacional, contribuindo para abrasileirar os preços domésticos. “As obras precisam ser aceleradas para que a autossuficiência chegue mais rápido’, diz o coordenador-geral da FUP, Deyvid Bacelar.