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O objetivo é conseguir, liminarmente, a impugnação da decisão do CNPE, retomando assim a progressão original do mandato de biodiesel
Uma ação popular movida na Justiça Federal de Porto Alegre (RS) tenta reverter a decisão do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), de 2021, que reduziu a mistura obrigatória de biodiesel para 10%, para todo o ano de 2022.
O objetivo é conseguir, liminarmente, a impugnação da decisão do CNPE, retomando assim a progressão original do mandato de biodiesel.
Em caso de sucesso, o efeito prático é obrigar distribuidoras a adquirir biodiesel suficiente para a mistura de 14%, a partir do 2º bimestre deste ano.
As compras para janeiro e fevereiro foram fechadas, com mandato de 10%.
O ação é assinada pelos advogados Lucas Ferreira Martins e Paulo Henrique da Costa Nagelstein, sócios do escritório Nagelstein Law & Tax, especializados em Direito Tributário e com forte atuação no mercado de biodiesel.
“Entramos com a ação popular pela nossa militância no setor. Não poderíamos ficar inertes”, afirma Lucas Martins.
Na ação popular, os advogados afirmam que a decisão do CNPE carece de fundamentos técnicos.
Lucas Martins cita, inclusive, o fato de a decisão pelo B10 ter sido tomada antes da conclusão dos estudos do grupo técnico criado pelo próprio CNPE para definir critérios para a política de biodiesel.
“O CNPE extrapolou a margem de discricionariedade prevista na lei”, diz.
A mistura de biodiesel vem sendo reduzida pontualmente desde 2020, em razão de choques no mercado de combustível durante esses dois anos de pandemia de covid-19. Isso ocorre também em outros países.
Em um entendimento entre governo federal e o mercado, o CNPE criou em outubro de 2021 um grupo de trabalho para “em caso de necessidade, [subsidiar] a definição do teor de biodiesel adicionado ao diesel, por meio do estabelecimento de uma metodologia robusta e com critérios objetivos”, anunciou o Ministério de Minas e Energia (MME), na época.
“(…) A redução já publicada não contou com a análise do grupo de estudos formado com este objetivo, muito menos foram divulgadas as razões e estudos técnicos que fundamentam a decisão”, argumentam os autores da ação.
No entendimento dos autores, a redução da mistura nem sequer poderia ter sido tomada de forma permanente, para todo o ano de 2022.
Martins critica também o fato de a decisão ter sido tomada antes da entrada em vigor do novo modelo de comercialização, tendo em vista a falta de resultados empíricos que o fim dos leilões regulados pela ANP terá no mercado.
“O reajuste de 8% do diesel da Petrobras é o fato comprobatório que a redução é inócua”, afirma Martins, sobre o anúncio feito pela companhia nesta terça (11).
É uma crítica comum do setor: o mercado de diesel é deficitário e, ao reduzir a mistura de biodiesel, o governo promoveria importações de diesel, enquanto condiciona a política de descarbonização ao valor de um produto (o óleo vegetal), sem garantia de resultado, pelo fato de não controlar a cotação do petróleo.
Para o setor, a decisão representa também uma frustração de expectativas de investimentos e dos compromissos ambientais anunciados pelo Brasil internacionalmente, inclusive na COP26.
“Em relação à moralidade administrativa, há enorme prejuízo àqueles que justamente obedeceram às orientações da própria Administração para expandir a produção de biodiesel – através de investimentos para criação de usinas e fábricas que necessitam de demanda para sua solvência”, diz a petição.
A redução para 10% foi, no fim das contas, um meio-termo. O Ministério da Economia, de onde partiu a proposta, defendeu o B6.
Há “robustas razões de fundamentação e justificativa da medida administrativa, sob a ótica econômica e técnica” para justificar a redução para 6%, “de modo a buscar conciliação com os demais objetivos de política pública”, dizem os documentos que subsidiaram a decisão.
Segundo projeções da equipe econômica, a retomada para 13% e 14%, como previsto originalmente, elevaria os preços finais médios do diesel em 2,2% durante 2022, em relação à mistura de 10%.
Fontes do governo ouvidas pela epbr acrescentam que, no fim, as projeções da Economia foram conservadoras. Outras estimativas indicavam um impacto maior nos preços finais do diesel B.
Não há consenso. Outro subsídio da ação popular é o parecer da GO Associados, consultoria do economista e ex-presidente do CADE, Gesner Oliveira.
No documento, a conclusão é que o efeito macroeconômico da redução da mistura é negativo. A íntegra da petição foi disponibilizada aos assinantes do político epbr, serviço premium de informação da agência epbr.
“Os resultados e evidências apresentados neste parecer indicam que não só o percentual mínimo obrigatório de 13% do biodiesel no óleo diesel deveria ser mantido como é importante incentivar a produção e o uso deste biocombustível no país”, diz o parecer, elaborado em abril de 2021.
“A economia, o meio ambiente, a saúde pública e a sociedade como um todo só têm a ganhar com a evolução do patamar mínimo de B13 para B15, prevista para o ano de 2023, nos termos da Resolução CNPE nº 16/2018”, conclui.
Ao anunciar a decisão, o Ministério de Minas e Energia (MME) justifica o recuo na política de biodiesel para proteger os interesses do consumidor “quanto ao preço, qualidade e oferta dos produtos”.
Segundo a pasta, a decisão concilia “medidas para a contenção do preço do diesel com a manutenção da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), conferindo previsibilidade, transparência, segurança jurídica e regulatória ao setor”.
O B10 atende a um pleito de transportadoras e do mercado varejista de combustíveis. Em julho do ano passado, entidades do mercado de combustível lançaram uma nova campanha pela redução.
Nota foi assinada por IBP e Brasilcom (distribuidoras), Abicom (importadores), Fecombustíveis (varejo), Anfavea (indústria automobilística), além da Confederação Nacional do Transporte (CNT).
A CNT chegou a propor que a mistura fosse zerada em resposta à inflação.
A redução, incialmente pontual, da mistura pelo governo federal começou em 2020. Na época, a primeira ocorrência foi a interrupção de um leilão de B12, por iniciativa do Ministério de Minas e Energia (MME), que terminou com a redução da mistura para 10%.
De lá para cá, o setor acabou desistindo da judicialização e tentou, via negociação e articulação política, preservar o mandato, até o momento, sem sucesso.