Fonte: Valor Econômico
Por Cristiano Romero
A abertura do capital da BR Distribuidora, estatal subsidiária da Petrobras, já pode ser considerada um milagre da história errática do capitalismo brasileiro. O IPO (sigla em inglês de oferta pública inicial de ações) foi realizado a duas semanas do fim de 2017 – quando os gestores de fundos de investimento não costumam assumir riscos capazes de macular o desempenho de suas carteiras e o pagamento de seus bônus -, em meio a uma notícia preocupante – o adiamento da votação da reforma da Previdência para 2018, ano eleitoral – e a uma incerteza cavalar sobre quem governará o país a partir de janeiro de 2019.
Nesta época do ano, os gestores de carteiras com bom desempenho preferem não se arriscar. IPO de empresas cuja gestão nunca foi avaliada anteriormente é um risco. O bom gestor pode comprometer parte do resultado positivo obtido ao longo do ano. Seu bônus pode encolher. É normal que o investidor, por sua vez, tenha receio de colocar dinheiro numa companhia cujo futuro, por diversas razões, é incerto. O temor aumenta se a empresa for estatal, afinal, no Brasil, com raríssimas exceções, quem manda nesse tipo de empresa são políticos.
Um dos maiores símbolos da nefasta interferência política ocorrida numa estatal é a Petrobras. Desde 2014, policiais, procuradores e juízes federais revelam que funcionários de carreira da companhia, outrora motivo de orgulho da nação, se associaram a políticos para montar o maior esquema de corrupção da história do país, quiçá do planeta. Vá explicar ao pensionista do fundo de professores do Canadá que, apesar da derrama ocorrida na Petrobras, vale a pena investir o dinheiro suado de sua aposentadoria numa subsidiária da… Petrobras!
O sujeito tem que ser crédulo para, além de já assumir esse risco, acreditar que os parlamentares, conscientes do fato de que o Estado brasileiro quebrou e imbuídos de inarredáveis senso de urgência e sentimento patriótico, aprovarão a reforma da Previdência. O voto de confiança já foi em parte abalado porque, um dia depois de fechado o preço da ação da BR, Brasília informou que o governo decidira adiar para fevereiro a votação da reforma.
O que já era difícil ficou ainda mais complicado, afinal, conseguirá o Palácio do Planalto reunir 308 votos na Câmara dos Deputados para aprovar, em pleno ano eleitoral, a mais “impopular” das reformas? A palavra impopular entre aspas se explica pela campanha ignominiosa que vem sendo movida há meses por sindicatos de funcionários públicos – brasileiros que acham que, mesmo vivendo além de 80 anos, devem se aposentar aos 50, com vencimento integral e outros privilégios -, com ameaças de todo tipo aos parlamentares.
Com o gasto das aposentadorias tomando 57% das receitas da União e o déficit dos dois regimes – do INSS e do funcionalismo – escalando neste ano o impressionante patamar de R$ 270 bilhões, todos sabemos que, se a reforma, que se limita a estabelecer idade mínima de aposentadoria em 62 anos para mulheres e 65 para homens, não passar, as agências de classificação de risco vão rebaixar a nota de crédito do país, elevando ainda mais os custos de financiamento tanto do governo quanto das empresas brasileiras. Sem a reforma, as condições financeiras – além dos juros, câmbio e bolsa – vão se deteriorar, possivelmente comprometendo a já lenta recuperação da economia.
Corajoso, o investidor que aceitou tomar os dois riscos mencionados ainda vai ter que respirar fundo ao longo de 2018. Hoje, os dois candidatos que lideram as pesquisas de intenção de voto para a Presidência – Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PSC) – não têm compromisso com a agenda reformista do atual governo e, portanto, com a inadiável liberalização pela qual a economia brasileira precisa passar para aumentar a produtividade e, assim, crescer mais, o que inclui voltar a privatizar aquilo que não se justifica mais ficar sob o manto do Estado.
É provável que Lula não possa ser candidato ou que, mesmo podendo, não o queira, e que Bolsonaro, assim que a campanha inicie, comece rapidamente a desidratar graças a um discurso beligerante que, mesmo achando entusiastas neste estranho momento da vida nacional, assusta a maioria dos brasileiros. O fato é que, como diria Roberto Carlos, grandes emoções todos vamos viver…
Mesmo nesse cenário, a diretoria da Petrobras conseguiu vender 33% do capital da BR, colocando-a no Novo Mercado, o melhor em termos de governança da bolsa. O preço da ação saiu pelo menor valor do espectro projetado justamente por causa dos motivos mencionados. O IPO não foi um passeio no parque.
A operação foi proposta inicialmente no último trimestre de 2015, mas, como teve a objeção do então presidente do conselho de administração da Petrobras, Murilo Ferreira, não avançou. No momento seguinte, a estatal planejou uma operação de M&A (sigla em inglês para fusões e aquisições), por meio da qual venderia parte do capital da BR a um sócio estratégico, mas o azedume dos mercados com o então governo Dilma Rousseff se intensificou, motivando a desistência do negócio. Esse ambiente contribuiu de forma decisiva para que três empresas fizessem ofertas consideradas “ridículas” pelo co-controle da BR.
Em setembro do ano passado, com o comando da Petrobras nas mãos do ex-ministro Pedro Parente, cuja decisão mais acertada foi convencer Ivan Monteiro a permanecer à frente da diretoria financeira da companhia, retomou-se o processo. O plano era repetir, com a BR, o modelo do maior IPO já realizado por uma empresa nacional: o da BB Seguridade, realizado em maio de 2013 – quem montou aquela operação foi o mesmo Ivan, o “terrível”, funcionário de carreira do BB, um dos melhores quadros que o serviço público já deu ao país.
Parente e sua equipe desistiram do modelo “BB Seguridade” porque não haveria tempo suficiente para viabilizá-lo. Se ficasse para 2018, dificilmente o IPO ocorreria. Para convencer os investidores, gastou-se muita sola de sapato em apresentações no exterior, além de milhares de horas em conferências telefônicas. No fim, valeu a pena porque o “livro” de investidores foi de boa qualidade: tem muito mais fundos “longos” do que curtos, interessados no retorno rápido dos IPOs. Além disso, a BR está pronta para, adiante, ter o seu controle privatizado.