Jota
O setor de combustíveis está passando por uma reforma tributária no que diz respeito ao ICMS, pavimentando o caminho no sentido da simplificação e maior transparência para a sociedade. Esta reforma setorial está em linha com o conceito discutido há anos pela sociedade brasileira de uma reforma ampla da tributação do consumo, que elimine a cumulatividade, a alta complexidade, a indução à alocação menos eficiente de recursos, e pode ser um passo que facilite a aprovação da reorganização completa do arcabouço tributário.
Os avanços têm origem na aprovação no Congresso, por ampla maioria, das Leis Complementares (LC) 192/22 (monofasia do ICMS) e 194/22 (essencialidade dos combustíveis e consequente limitação da alíquota máxima do ICMS). Acreditamos que este regramento estruturante trará racionalidade tributária, eliminará distorções concorrenciais derivadas da sonegação e reduzirá o mercado irregular, atualmente estimado em mais de R$ 13 bilhões ao ano, segundo estudo da FGV. Além disso, trará maior segurança para novos investimentos necessários à garantia do abastecimento e clareza sobre a carga tributária.
A LC 192/22 regulamenta a monofasia do ICMS, prevista na Constituição Federal desde 2001, quando da aprovação da Emenda Constitucional nº 33. A monofasia implica na incidência do imposto uma única vez no início da cadeia, ou seja, no produtor ou importador do derivado fóssil ou biocombustível – com alíquotas específicas (R$ por litro) e uniformes em todo o território nacional.
Para garantir a isonomia entre os derivados, é necessário que o conceito da LC seja estendido também ao etanol hidratado, o que, espera-se, seja feito quanto da edição da LC que regulará a Emenda Constitucional 123 quanto ao diferencial competitivo dos biocombustíveis. Somente com todos os combustíveis dentro do mesmo regime fiscal será possível efetivar o desejado diferencial competitivo.
A aprovação da LC 192/22 é, sem dúvida, a principal conquista do setor com reais benefícios para os estados, pois facilita a fiscalização e confere previsibilidade na arrecadação; para os contribuintes, ao reduzir os custos com as obrigações tributárias acessórias e prevenção de desequilíbrios concorrenciais decorrentes de inadimplência na cadeia de circulação; e para o consumidor que passa a ter clareza sobre quanto paga de imposto em cada litro de combustível.
Além disso, ao determinar que as alíquotas do ICMS sejam específicas (ad rem), a lei desindexa o tributo do preço do produto e deixa de potencializar a volatilidade decorrente das oscilações do mercado, especialmente diante de um cenário de crise e escassez de produtos no cenário mundial.
Para que LC 192/22 seja efetiva, é necessária sua regulamentação pelos estados, a por meio da emissão de convênio no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
Em recente decisão, o ministro do STF André Mendonça concedeu prazo de 30 dias para que os estados e seus respectivos secretários implementem o regime monofásico referente ao ICMS-combustível, em consonância com a referida Lei Complementar, e a Emenda Constitucional nº 33, de 2001.
Já no que tange à LC 194/22, ainda que a pauta principal da indústria fosse a simplificação tributária e não a redução de tributos, sua aprovação reconhece relevância dos combustíveis para todos os setores da economia. A essencialidade dos combustíveis é aceita normativamente desde 1989, com a Lei 7.783/89, que dispõe sobre o direito de greve e define quais as atividades são essenciais.
Mais recentemente, o entendimento proferido pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 714.139, considerando inconstitucional a fixação de alíquotas superiores às gerais nas operações com energia elétrica e de telecomunicações, com base no princípio da seletividade, abriu diálogo para a extensão do conceito aos combustíveis.
Na nossa visão, o grande mérito da LC 194/22 é que, ao unificar as alíquotas de ICMS que no caso da gasolina variavam entre 23% e 34% no país, ela possibilita a implementação da LC 192/22 de forma mais imediata, pois afasta a necessidade de implementação de compensações entre os estados na adoção da alíquota única inerente à monofasia do ICMS.
Estamos acompanhando a discussão de conciliação entre governo federal e estados e coordenada pelo STF sobre o impacto que a LC 194/22 trouxe às finanças dos entes federados. No entanto, nosso entendimento é que, do ponto de vista tributário, não há que se falar em inconstitucionalidade a Lei.
O Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) reforça o caráter estruturante da LC 192/22 por tornar realidade a simplificação tributária para a circulação de combustíveis, setor que está na base da economia brasileira, e que garante o suprimento diário estável destes produtos a todos os estados da federação. A redução da atual alta complexidade tributária terá impactos positivos na efetividade e eficiência fiscalizatória, nas obrigações acessórias do contribuinte, na transparência ao consumidor e no combate a condutas anticompetitivas e lesivas à ordem econômica decorrentes da sonegação. A regulamentação da monofasia pela emissão do Convênio ICMS pelo Confaz é o instrumento que garante o pleno efeito deste inegável avanço tributário. A inclusão do etanol hidratado neste mesmo regime tributário completará esta fundamental reforma setorial.