Folha de S. Paulo
Medida foi apoiada por Bolsonaro em 2021.
Para as distribuidoras de combustíveis, a pouca adesão reforça a tese de que a medida não terá grande impacto no mercado. Os produtores de etanol reclamam que o modelo atual gera insegurança jurídica e, por isso, as vendas ainda não deslancharam.
Segundo levantamento feito pelo consultor Dietmar Schupp com base em dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis), essa modalidade representou 0,14% das vendas de etanol em novembro e 0,21% em dezembro.
As operações de venda estão concentradas nas regiões Nordeste e Centro-Oeste, que sediaram 100% dos contratos desse tipo em novembro e 86% em dezembro.
Segundo os dados da ANP, dez usinas venderam produtos diretamente aos postos nos dois primeiros meses de vigência da nova regra. No período, o volume comercializado nesta modalidade somou 3,9 milhões de litros, em um mercado total de 2,3 bilhões de litros.
A venda direta de etanol hidratado para os postos foi aprovada pela ANP em novembro, como parte de um pacote de medidas que prometia ampliar a competição no setor, incluindo a possibilidade de venda de gasolinas de outras marcas pelos postos.
Na época, o tema já vinha sendo discutido também no Congresso, a partir de MP (medida provisória) apresentada pelo Palácio do Planalto. A MP foi aprovada em dezembro e, em janeiro, sancionada com diversos vetos por Bolsonaro.
Um dos principais apoiadores da mudança, o Sindaçúcar (Sindicato da Indústria do Açúcar no Estado de Pernambuco) avalia que os vetos de Bolsonaro fragilizaram a proposta, ao deixar o tema regulamentado apenas pela ANP.
O presidente vetou os dois artigos da MP 1.063 que tratavam sobre o tema, defendendo que a regulamentação da ANP já garantia as operações.
“É preciso mais estabilidade jurídica”, diz o presidente da entidade, Renato Cunha.
Segundo ele, há hoje negociações com a Casa Civil para uma solução, que pode vir com a inclusão do tema em outra MP que trata do mercado de combustíveis ou com a edição de nova MP exclusiva sobre a venda direta.
Cunha defende que, com regras mais claras, as operações desse tipo tendem a crescer. “Por enquanto, as vendas sofreram em função da insegurança”, afirma.
Procurada, a Casa Civil não respondeu ao pedido de entrevista sobre o assunto.
O presidente do Sindaçúcar argumenta ainda que o início de vigência da venda direta foi prejudicado pela queda no consumo de etanol no país. Com menos vendas, o preço do combustível vem caindo desde novembro, mesmo em um período de entressafra.
Segundo dados da Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada) da Esalq/USP, a cotação do etanol hidratado nas usinas de São Paulo caiu 22% desde o início daquele mês.
“Ao mesmo tempo em que as estimativas de safra de cana-de-açúcar e produção de etanol para 2022-23 estão aumentando, os números mais recentes de consumo mostram vendas decepcionantes”, diz a consultoria S&P Global Platts.
Nas bombas, porém, o preço do etanol hidratado ficou praticamente estável entre a última semana de outubro de 2021 e a semana passada, passando de R$ 5,066 para R$ 4,938 por litro, segundo a pesquisa semanal de preços da ANP.
Diante da queda no consumo, a S&P Global Platts cortou de 1,9% para 0,5% sua projeção para o crescimento do consumo nacional de combustíveis do ciclo Otto, aqueles usados por veículos leves, para 2022.
A consultoria, porém, espera alguma recuperação de preços nas próximas semanas, quando a queda recente nas cotações deve chegar às bombas e começar a impulsionar o consumo.