Fonte: Automotive Business
A evolução do programa brasileiro de controle de emissões de poluentes para veículos comerciais pesados, o Proconve P8, está atrasada e sua adoção não será simples nem indolor. Para atender à próxima etapa da legislação, os fabricantes de caminhões e ônibus terão de adotar motorização com sistemas de pós-tratamento Euro 6 no Brasil – como fizeram com o Euro 5 para o P7 que entrou em vigor em 2012. Mas não basta trazer a tecnologia Euro 6 já adotada na Europa desde 2016, o processo vai exigir adaptações complexas às condições brasileiras, mais uma vez esbarrando na qualidade variável do diesel e condições adversas de rodagem no País.
Após seis anos de hiato legislativo do Proconve, a expectativa é que o P8 seja finalmente regulamentado até o fim deste ano, para entrar em vigor só em 2023. Por isso o tema foi intensamente discutido entre os participantes e nos painéis de debates do 15º Fórum SAE Brasil de Tecnologias Diesel e Alternativas para Veículos Comerciais e Fora de Estrada, realizado esta semana em Curitiba (PR).
“O desafio para o Euro 6 aqui é grande, não basta só trazer a solução pronta na Europa, porque ela não serve para o Brasil, o combustível é diferente e sua qualidade é variável no País, já aprendemos isso com o Euro 5”, pondera o engenheiro Luiz Noronha.
Gerente de projetos para América Latina da FPT, braço de motores do grupo CNH Industrial que detém a marca de caminhões e ônibus Iveco, Noronha abordou os principais desafios para a adoção da tecnologia Euro 6 de controle de emissões no Brasil. Ele afirma que o tempo de cinco anos à frente (se o P8 for mesmo aprovado até o fim do ano para valer em 2023) “é suficiente” para adaptar os veículos brasileiros ao novos limites. “Seria possível em menos tempo, mas com risco maior de falhas”, pontua.
ATRASO LEGISLATIVO
Nas fases anteriores do Proconve, quando uma terminava, já era conhecido o prazo para a próxima. Esse processo parou no P7/Euro 5, que passou a vigorar em 2012 sem estipular a data de início para o P8. Logo depois veio a crise econômica que derrubou a produção de caminhões e ônibus no País a menos de um terço dos melhores anos – e então todos, governo e indústria, evitaram falar do P8 que envolve custos de desenvolvimento e milhares de quilômetros de rodagem para homologar os veículos com as diferentes qualidades de diesel que se encontram no País.
“É importante regulamentar o quanto antes, para dar um rumo à indústria e fazer as coisas acontecerem, pois o processo é complexo e precisa começar a andar o quanto antes”, avalia Carlos Briganti, diretor para América do Sul da consultoria Power Systems Research, especializada no segmento de caminhões.
“O Euro 6 no Brasil vai exigir testes mais complexos [do que foram com o Euro 5], em condições reais de rodagem com equipamentos conectados on-line”, alerta Gustavo Castagna, gerente de centros técnicos da Bosch dedicados a ensaios de motores. “Temos condições de fazer o melhor motor Euro 6 para rodar no Brasil, mas não será igual ao europeu”, destaca. Para homologar a tecnologia no País e ter certeza que ela funciona nas condições brasileiras, cada modelo de caminhão ou ônibus precisará rodar com paramentação técnica de medições. Cada equipamento custa algo como € 200 mil e é necessário instalar em vários veículos ao mesmo tempo. Esse processo é custoso, leva tempo e sem a regulamentação conhecida não é possível começá-lo.
Celso Argachoy, professor do Instituto Mauá de Tecnologia e gerente de consultoria técnica da Cummins Brasil, ressalva que o território brasileiro tem condições de rodagem muito diversas e bem mais severas que na Europa, o que influencia diretamente no desempenho do powertrain e do sistema de redução de emissões. “O ciclo de funcionamento do motor fica prejudicado, abaixo de sua eficiência, quando o veículo roda em estradas esburacadas ou de lama, como vemos muito no País. A infraestrutura precária interfere negativamente a aplicação da tecnologia”, explica. Mas ele destaca que, independentemente das condições, é importante seguir adiante com a legislação de emissões: “Isso afeta a saúde de todos nós e aumenta os gastos públicos. Nesse sentido devemos adotar não só o Euro 6, mas ao mesmo tempo endereçar soluções para os problemas de infraestrutura e de renovação de frota que farão efeito direto na qualidade do ar que respiramos”, analisa.
Julio Lodetti, engenheiro-líder de calibração e performance da Volvo do Brasil, destaca que a tecnologia Euro 6 é mais complexa que a Euro 5, a linha de pós-tratamento é maior, integra um catalisador de oxidação (DOC), filtro de particulados (DPF) e o reator com injeção de solução de ureia (SCR). Também envolve sistema de recuperação de calor e uma longa turbina (turbo-compound) que trabalha junto com o turbocompressor para aproveitar melhor a energia dos gases de escape. “Tudo isso funciona diferente dependendo da aplicação. Por exemplo, em um ônibus urbano o SCR trabalha mais frio, de 150 a 200 graus, e não tem 100% da eficiência de um caminhão na estrada que opera a 600 graus”, explica.
COMBUSTÍVEL DE PREOCUPAÇÕES
A qualidade e formulação do diesel vendido no Brasil é fonte de grande preocupação para a adaptação do powertrain Euro 6 no País. “O sistema é ainda mais sensível que o Euro 5, só pode operar com diesel S10 [de baixo teor de enxofre]”, alerta Lodetti. E aí começam os problemas, já que o combustível com no máximo 10 partes de enxofre por milhão ainda não está disponível em todo o vasto e desigual território brasileiro. Segundo a Petrobras, 60% dos postos têm bombas de S10.
Outro possível problema que se apresenta é a formulação adotada no País de diesel fóssil com biodiesel, hoje adicionado em proporção de 10% (B10), que até 2023 deve subir a 14% e há pressão por 15%. “Testes demonstraram que a maior concentração de biodiesel acelera o envelhecimento e reduz a vida útil dos catalisadores e filtro de particulados do sistema Euro 6”, afirma Eduardo Nogueira Dias, engenheiro de aplicação de catalisadores automotivos da Basf.
“Não somos contra o biodiesel de maneira alguma, mas os resultados dos testes comprovam que Euro 6 não é uma tecnologia plug-and-play, será necessário fazer mais ensaios e adaptações. É preciso ter muito cuidado com a qualidade do combustível B15 e B20 no Brasil para desenvolver a aplicação aqui”, pondera Dias.
Claudio Martins, da gerência de desenvolvimento de produtos da Petrobras, reconhece que a qualidade do biodiesel brasileiro em dosagem maior de 7% no diesel fóssil afeta a durabilidade e eficiência do catalisador. Ele destaca que uma solução para evitar o problema seria o maior uso de HVO (sigla de Hydrotreated Vegetable Oil), óleo vegetal hidrogenado misturado ao diesel, que cria combustível de alta qualidade e baixo teor de enxofre. Desde 2006 a Petrobras pesquisa e investe no refino de seu próprio HVO, batizado H-Bio.
Diferente do biodiesel, que é extraído por esterificação de oleaginosas como soja e palma (com adição de etanol ou metanol ao óleo vegetal) e depois adicionado ao diesel mineral, o HVO é incorporado durante o processo de refino do combustível, por isso se funde completamente ao composto. “Seria apropriado elevar a meta de produção do H-Bio para uso em motores Euro 6, porque melhora a qualidade do diesel”, afirma Martins.
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