O Globo
A promessa de Donald Trump de aumentar os investimentos na produção de petróleo para reduzir o custo da energia nos Estados Unidos pode afetar os esforços globais de ampliação de fontes renováveis e forçar o Brasil a decidir que papel deseja ter no mapa da transição energética, avaliam especialistas.
Em meio às incertezas envolvendo a exploração de petróleo na Margem Equatorial, no litoral norte, para ampliar as reservas da Petrobras, e à projeção internacional que o governo Lula busca no combate às mudanças climáticas — inclusive sediando a COP30 em 2025 —, a volta de um negacionista à Casa Branca prometendo estimular combustíveis de origem fóssil mexe com o tabuleiro global desse mercado.
Atualmente, os Estados Unidos lideram o ranking mundial de produção de petróleo, com 12,9 milhões de barris diários. Em seguida vêm Rússia (10,6 milhões), Arábia Saudita (9,6 milhões), Canadá (4,9 milhões) e Iraque (4,3 milhões). O Brasil é o oitavo, com 3,4 milhões de barris diários, de acordo com dados do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP).
Os EUA consolidaram a posição nos últimos quinze anos com o avanço do fracking, uma técnica não convencional em terra que utiliza grandes quantidades de água e produtos químicos. Caro, esse método é questionado por ambientalistas devido aos riscos de contaminação de solo e lençóis freáticos, além de levantar dúvidas sobre o descarte dos componentes utilizados na produção dos chamados tight oil e shale gas.
Custo de energia
Não é difícil perceber que Trump não se importa com isso, nem com as emissões de carbono geradas pelos derivados do petróleo. A prioridade dele é baixar o custo dos combustíveis, que alimenta a inflação, fator que contribuiu para a derrota de Kamala Harris.
Durante a corrida presidencial, Trump afirmou que estabeleceria uma meta nacional para garantir que os EUA tivessem o menor custo de energia entre os países industrializados. E cunhou uma de suas frases mais marcantes na campanha: drill, baby, drill (“perfure, querido, perfure” ou “perfure sem parar”, em tradução livre). Com sua vitória, esse sinal verde já é esperado na indústria de petróleo e gás, com duas consequências principais.
A primeira delas é na cotação internacional do barril, que tende a cair se a oferta americana aumentar ainda mais. Isso trará repercussões à viabilidade econômica da exploração não só nos EUA, mas também em outros países produtores, como o Brasil. O segundo efeito é nos incentivos do governo americano ao desenvolvimento das fontes renováveis de energia, marca da política industrial de Biden.
Em um evento em maio, Trump chegou a declarar, por exemplo, que interromperia projetos de energia eólica offshore (em alto-mar) em seu primeiro dia de governo. Alegou, sem provas, que essa fonte de energia — já adotada em vários países e alvo de estudos no Brasil pela Petrobras e outras petroleiras — é responsável pela morte de baleias, Trump prometeu também reduzir o escritório de fontes renováveis do Departamento de Energia americano.
A promessa de afrouxar a regulação ambiental no setor de óleo e gás em áreas sensíveis nos EUA, como o Alasca e a Costa Leste, além de liberar licenças para a exportação de GNL (gás em estado líquido), que hoje estão suspensas, ajudou Trump a obter votos em estados produtores como Texas, Louisiana, Ohio, Virgínia Ocidental, Pensilvânia, Dakota do Norte e do Sul. Porém, especialistas advertem que aumentar a produção de petróleo depende das condições de mercado, não só da Casa Branca.
— Há uma série de variáveis que definem o valor do barril. Os EUA, ao aumentarem a produção, podem criar um vetor para reduzir o preço, mas existem outros fatores nessa equação, como os conflitos no Oriente Médio e entre Rússia e Ucrânia. Os EUA são os maiores produtores, mas não os únicos. E, dependendo da direção do preço do petróleo, a produção pode se tornar inviável em diversos locais — afirma o consultor Cleveland Prates, mestre em Economia de Empresas pela FGV.
Analistas do setor energético, no entanto, concordam que o cenário para investimentos em renováveis se tornará ainda mais desafiador nos EUA e, por consequência, no mundo. Em um relatório recente, o presidente da consultoria Wood Mackenzie, Simon Flowers, foi taxativo: um governo Trump significa mudanças radicais para a política climática.
“As expectativas de crescimento de curto prazo para energia eólica, solar, armazenamento de bateria e veículos elétricos dependem de incentivos”, que, escreveu o especialista, “provavelmente serão removidos ou modificados”.
Carros elétricos
No setor automobilístico, Flowers afirma que a expectativa é que o novo governo Trump “revise os padrões de emissão do escapamento a partir de 2027, aliviando as pressões que estavam empurrando os fabricantes em direção aos modelos elétricos”.
Edmar Almeida, professor do Instituto de Energia da PUC-RJ, tem dúvidas sobre o impacto do estímulo do governo Trump a projetos de petróleo e gás na transição energética:
— Evidentemente, nesse cenário, as políticas de promoção de renováveis terão de ser mais assertivas. Posso estar errado, mas não creio que haja clima para que os EUA assumam uma postura explicitamente contra os renováveis, como Trump fez em sua primeira administração ao retirar o país do Acordo de Paris (no qual os países se comprometeram com metas de redução de emissões de gases do efeito estufa). Mas haverá um ambiente mais desafiador.
Prates, da FGV, ressalta que, se atualmente muitos projetos de energia renovável já estão com a luz amarela devido aos custos elevados, a tendência é que sejam engavetados nos próximos anos por empresas ao redor do mundo.
— Ao colocar uma energia mais barata, como o petróleo, o que acontecerá com as mais caras? Muitos projetos podem se tornar inviáveis. Quem vai pagar essa conta? Ter países como o Brasil investindo em renováveis e descarbonização, enquanto os EUA não se comprometem, cria um cenário de incerteza. Quem vai arcar com o custo da transição?
O que fazer aqui?
É por isso que especialistas ressaltam a importância de o Brasil, dono de uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, aprimorar sua estratégia. Para eles, é preciso planejar o setor energético de forma integrada, desde a decisão de explorar petróleo em novas áreas até a criação de leis para estimular fontes renováveis e evitar subsídios cruzados.
— O Brasil precisa decidir se deseja ou não se manter como um grande produtor e exportador de petróleo ou se focará apenas no pré-sal, cuja produção começará a decair na próxima década. Por enquanto, essa decisão (como a exploração da Margem Equatorial) está sendo tomada pelos órgãos ambientais, de forma não explícita e sem um debate amplo. Acho que existem bons argumentos para os dois lados, mas o clima político impede um debate mais transparente — diz Almeida.
Para Roberto Ardenghy, presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), a intenção de Trump de aumentar a produção de petróleo está ligada à ideia de segurança energética. Ele lembra que os EUA importam cerca de 26% do que consomem — patamar semelhante ao do Brasil.
— Por isso, é importante para o Brasil ficar atento e buscar o seu papel na segurança energética, pois o mundo vai continuar geopoliticamente complexo nos próximos anos. A depender da imposição de tarifas dos EUA a países como a China, que compram etanol americano, pode representar também uma oportunidade para o Brasil — diz Ardenghy.
Marcus D’Elia, sócio da Leggio Consultoria, pondera que a demanda internacional de petróleo deve permanecer em torno de 105 milhões de barris por dia nos próximos 20 anos, mesmo com esforços para reduzir emissões. A exportação de petróleo americano atualmente representa 4,3% da demanda mundial, segundo o especialista.
— Por isso, um bom planejamento para o uso das reservas nacionais é interessante para prolongar o ciclo de produção no Brasil. A ampliação da exploração de reservas nacionais deve ser orientada pela capacidade de investimento da Petrobras, dentro de sua visão estratégica como empresa exportadora de petróleo.
Consumo vai aumentar
D’Elia defende que o Brasil dê atenção às metas de redução de emissões de gases de efeito estufa, mas acredita que o consumo interno de derivados de petróleo ainda deve aumentar, uma vez que subsídios à eletrificação ou tarifas para a importação de veículos elétricos podem ser afetados por novas políticas nos EUA.
— O principal impacto do governo Trump seria a retirada do país de acordos climáticos e o não cumprimento das metas pelos EUA, o que afetará o esforço global para a redução de emissões de carbono. A influência de Trump deverá ser forte no consumo doméstico americano, devido a mudanças nas políticas relativas à mudança climática — diz D’Elia.