‘Transição energética é principal oportunidade de desenvolvimento do Brasil’

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O Estado de S.Paulo

Indicado pelo governo brasileiro para ser o “climate high-level champion” (campeão climático de alto nível) da COP-30, o empresário Dan Ioschpe vê na transição energética a principal oportunidade para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil. Foi esse, inclusive, um dos motivos que o levou a aceitar o convite para assumir o cargo, diz ele. Na função, Ioschpe será responsável por tentar acelerar a adoção das soluções climáticas pelas empresas.

Presidente do conselho de administração da fabricante de rodas para veículos Iochpe-Maxion, o empresário não está entre aqueles mais envolvidos no debate ambiental nem aparecia na lista dos cotados para o cargo. Ele, no entanto, acredita que sua capacidade de implementação de estratégias o fez ser indicado para a posição. Ioschpe liderou, no ano passado, o B-20, o fórum da comunidade empresarial ligado ao G-20, numa atuação vista como bem-sucedida.

Ioschpe também é vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e já presidiu o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI). Ainda faz parte do conselho de administração das empresas Weg, Marcopolo e Embraer.

Ao Estadão, Ioschpe afirmou que, com todos os atores com quem tem conversado, está clara a percepção de que é preciso atingir as metas de redução das emissões de gases poluentes “sob pena de haver um retrocesso muito grande no desenvolvimento socioeconômico”.

Questionado sobre como está o diálogo com empresários americanos após o anúncio de que os Estados Unidos vai deixar o Acordo de Paris, disse não querer abordar um governo específico. Destacou, no entanto, que o processo de redução das emissões será longo e, nesse período, o mundo terá de conviver com incertezas.

“A gente precisa entender isso como uma peça do tabuleiro. Já tivemos isso também em outros países. A gente mesmo (o Brasil) passou por isso. Acho que o fato de a própria COP ser feita no Brasil neste momento é um exemplo dessas transições que vão acontecendo.”

Confira, a seguir, trechos da entrevista:

O sr. não é um empresário que costuma se envolver no debate sobre clima. Como surgiu o convite para ser o campeão climático da COP e o que o faz aceitá-lo?
Recebi o convite da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, do presidente da COP, o embaixador André Corrêa do Lago, e da diretora executiva da COP, Ana Toni. Fiquei feliz com o convite, porque, embora não seja em uma área da minha especialidade, ela tem cruzado em todos os assuntos que acompanho, no B-20, na Fiesp, na Confederação Nacional da Indústria. Esse é um tema superveniente, que está acima de todas as outras coisas. Também entendi que não estavam buscando uma pessoa com conhecimento técnico, mas alguém com uma visão de como as coisas se dão na implementação.

Por que o sr. decidiu aceitar?
Por um lado, a questão da transição energética é a principal estratégia de desenvolvimento socioeconômico do Brasil. Isso ficou muito claro no B-20. Grande parte das recomendações do B-20 conversava com essas oportunidades e esses desafios. O segundo grande aspecto de uma estratégia nacional passa por digitalização e uso das novas tecnologias, que dependem de energia e precisarão ser sustentáveis e renováveis. Isso também dá uma oportunidade de uma nova onda de desenvolvimento socioeconômico do Brasil. Espero que a gente consiga acelerar a agenda de ação climática e mostrar para o mundo inteiro mais tecnologias e mais opções daquilo que está dando certo. Também liderei o B-20 no Brasil. Não é a mesma coisa que a COP, mas tem um pouco de proximidade. Gosto de ajudar quando tenho a sensação de que posso. Acho que o convite está conectado à minha trajetória. Eu teria alguma preocupação se estivessem buscando uma pessoa que não tem as características que eu poderia trazer para o projeto. Mas, nesse aspecto, estou tranquilo.

Quais são as características?
Poder pensar na implementação. Os grandes objetivos estão traçados desde o Acordo de Paris. A gente precisa agora é acelerar a implementação. Essa é uma parte próxima do meu mundo. Tem uma série muito grande de iniciativas em curso. Talvez tenhamos de verificar quais mais contribuem para se atingir o objetivo e colocar foco nelas. A Presidência da COP também tem essa visão de que talvez a gente possa priorizar o que trará o maior benefício no processo de mitigação das emissões, além dos eixos horizontais que sempre cruzam a temática, como o financiamento.

O que já foi possível fazer desde sua indicação, no começo do mês?
Tenho começado as conversas. A ideia é pensar na agenda de ação climática não deixando ninguém de fora. Vou ter cuidado para garantir que converso com aqueles agentes um pouco mais distantes da minha experiência pregressa.

Entre os envolvidos no debate climático, há a expectativa de que o sr. consiga trazer a indústria para mais perto das discussões. Como vê o comprometimento da indústria brasileira com a descarbonização? Como pretende atuar com esse setor?
Os setores da indústria com os que estou mais próximo estão trabalhando as questões climáticas há um bom tempo. O setor automotivo é um exemplo, tem metas claras e inclusive adota remuneração variável dos executivos que depende do cumprimento de metas de redução de emissões. Alguns segmentos da atividade industrial, da agroindustrial e até da prestação de serviços têm mais dificuldade tecnológica para atingir os objetivos. Para esses, a gente precisa dar uma atenção especial para ter certeza de que a difusão de soluções está acontecendo. Claro que precisamos achar as melhores soluções para que o esforço econômico vá se reduzindo ao longo do tempo. Se os setores mais fáceis de se transformar andarem bem, talvez a gente tenha espaço para que aqueles setores com maior dificuldade levem o seu tempo de fazer a transição.

Imagino que o sr. tenha diálogo com empresários americanos. Como está a discussão sobre clima entre eles após o anúncio da saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris?
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A ideia da superveniência está posta. Não quero falar especificamente de um governo. Tenho conversado com diferentes empresas, entidades, pessoas e organizações. A questão climática é entendida como algo obrigatório sob pena de haver um retrocesso muito grande no desenvolvimento socioeconômico. Mas a gente vai precisar conviver com incertezas, porque não se trata de um processo curto. Já tivemos isso também em outros países. A gente mesmo (o Brasil) passou por isso. O fato de a própria COP ser feita no Brasil neste momento é um exemplo dessas transições que vão acontecendo.

Como o sr. vê a preparação do Brasil para receber a COP? Há uma preocupação com a falta de hotéis em Belém, preços de hospedagem altos fazendo com que delegações sejam menores, desmatamento para construção de rodovia, demora na indicação do seu nome e do presidente da COP…
Meu capítulo na COP tem um uma fronteira bastante clara: fazer a aceleração da implementação das ações climáticas em entidades não-governamentais, empresas, associações, organizações. Então, além de eu ter uma falta de conhecimento prévio sobre essas questões – sei somente o que leio na imprensa –, não vou interagir com as questões da organização do evento.

Mas o sr. pode fazer uma avaliação do que está lendo sobre o tema. Há pessoas envolvidas no debate climático afirmando que não virão à COP por causa da falta de local para se hospedar.
Pelo que ouvi, o público ao longo das últimas COPs tem aumentado muito, o que é bom, demonstra o engajamento global. Eventualmente, se não puder haver o mesmo tipo de atendimento de público, vai haver alguma forma de acomodação… Mas, francamente, não poderia opinar sobre algo que não conheço. Agora, tudo que escuto é que as delegações brasileiras das COPs anteriores sempre foram das mais capacitadas. Então, vamos trabalhar cada um na sua praia. A minha praia é essa questão da difusão da ação climática, para que seja um grande sucesso e para que seja um marco de mudança. Se a gente conseguir mostrar ao mundo as soluções que estão disponíveis e o bom andamento de determinados caminhos, talvez a gente já tenha contribuído bastante.

O que é mais difícil nesse trabalho de ajudar a implementar o que já foi definido em COPs anteriores?
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Muita coisa já está sendo feita. Se não tivéssemos feito o Acordo de Paris há quase 15 anos, as coisas seriam piores. Quando você olha no mais específico, a economicidade desse processo tende a ser o mais desafiador. É preciso encontrar um caminho para que o esforço de adaptação daquele processo ou daquela tecnologia não exaure as capacidades financeiras dos agentes. Quanto mais rápida for essa curva de economicidade e de adaptação tecnológica, mais fácil será a transição.

Como empresário, como analisa a criação do mercado regulado de carbono, que coloca um preço para indústrias que emitem mais?
Acho positiva a ideia de que haja incentivos e desincentivos para o atingimento do objetivo. Quanto mais global for essa política pública, mais efetiva ela será. Quanto mais regional ela for, mais difícil será gerar resultados e mais caro ficará. Num sistema eficiente, com agentes alienando créditos e agentes adquirindo créditos, deveria haver um equilíbrio. Não vejo o crédito de carbono como uma política arrecadatória. Não vejo nenhum país pensando dessa forma. Vejo os países pensando em premiar aqueles que conseguem acelerar a mitigação da geração do carbono. E alguns outros agentes, que por alguma razão não estão conseguindo, vão acabar subsidiando para que alguém o faça.

Como a sua empresa trabalha a redução das emissões?
Eu sou acionista da Iochpe-Maxion. Temos metas, temos compromissos que são públicos, e estão indo bem. As empresas em que estou no conselho também estão superando expectativas de quatro anos atrás. O primeiro ponto para isso é sair de um grid de energia menos sustentável e renovável para um mais sustentável e renovável. Via de regra, a maior parte dessa mudança se deu proativamente pela empresa. Em geral, vários setores veem que há uma boa perspectiva de redução de carbono sem dano econômico, mas que requer o investimento ativo de procurar a fonte de energia sustentável. O setor empresarial está no meio do caminho. Precisa agora seguir pisando no acelerador para que quem já fez bastante faça mais e para que quem ainda fez pouco faça bastante.

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