Valor Econômico
A gestão de Joaquim Silva e Luna à frente da Petrobras completa 100 dias hoje, marcada pela continuidade do programa de venda de ativos a despeito das dúvidas iniciais de que um militar, na presidência, pudesse mudar o perfil liberal das últimas administrações da petroleira. Nos primeiros meses sob novo comando, a companhia concluiu cinco negócios que estavam em andamento, no valor de US$ 2,6 bilhões; assinou quatro novos contratos, no valor de US$ 425 milhões; e lançou no mercado três novos processos de desinvestimentos.
Na política de preços, houve uma mudança na estratégia, na tentativa de se reduzir a volatilidade por meio de um espaçamento maior dos reajustes. Em que pese a petroleira tenha segurado aumentos, as ações da companhia não refletem a desconfiança que investidores, temerosos com uma possível ruptura, precificaram após o anúncio da troca no comando da estatal, em fevereiro. Ontem, o papel ordinário da empresa fechou o pregão próximo a R$ 28, depois de cair para R$ 21 no início de março.
General superou desconfiança do mercado e manteve programa de venda de ativos
A continuidade da gestão foi a tônica do discurso dirigido por Silva e Luna, ontem, durante o seu primeiro encontro com analistas. Em relatório sobre o encontro, o UBS destacou que o general reiterou a independência da administração da empresa e o foco na execução do plano estratégico. O banco defende que “nada mudou” nos pilares da atual gestão.
Segundo o UBS, Silva e Luna relatou que, desde a troca no comando da empresa, o presidente Jair Bolsonaro não discutiu, com ele, questões relacionadas à gestão da Petrobras. Sobre a política de preços, a estatal reafirmou aos analistas que manterá o alinhamento ao preço de paridade de importação (PPI), mas que evitará repassar a volatilidade minuto a minuto aos preços domésticos.
A petroleira deixou claro também que o foco continua na desalavancagem, mas reforçou a preocupação em tornar o fluxo de pagamentos de dividendos mais recorrente e em patamares maiores, no momento oportuno. O UBS estima que a petroleira conseguirá alcançar a redução da dívida bruta para US$ 60 bilhões – gatilho para a nova fórmula de remuneração aos acionistas – no segundo semestre, antes de 2022, conforme previsto pela empresa.
Segundo uma fonte, o general também sinalizou que o próximo plano de negócios não deve trazer mudanças radicais, mas incluirá mais detalhes sobre a agenda ESG (questões sociais, ambientais e de governança). A ideia é dar mais clareza aos investidores sobre a estratégia para a transição energética.
Sobre os desinvestimentos no refino, o comando da companhia esclareceu que continua trabalhando com os prazos acordados com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), mas que o avanço dos negócios não depende exclusivamente da estatal. Até o momento, a Petrobras só vendeu uma das oito unidades colocadas à venda: a Rlam (BA), para o Mubadala.
Para Ilan Arbetman, da Ativa Investimentos, os primeiros 100 dias de administração Silva e Luna marcam a cautela da gestão, na tentativa de mostrar que não houve ruptura. Ele destaca que a bandeira dos desinvestimentos segue forte e teve, na oferta da fatia remanescente de 37,5% da BR Distribuidora, o seu grande marco. O analista, porém, ainda não considera descartados os riscos políticos associados aos preços dos derivados e vê falta de clareza nos critérios dos reajustes: “Ainda vejo algumas dificuldades de se diferenciar movimentos conjunturais de estruturais”, afirma ele, em referência à promessa de Silva e Luna de evitar repassar ao mercado doméstico as oscilações de cunho conjuntural.
Nos primeiros meses sob gestão de Silva e Luna, o câmbio favorável permitiu à empresa segurar reajustes diante da alta do petróleo. Alguns movimentos nos preços, porém, causaram estranhamento no mercado, como a decisão da Petrobras de cortar os preços duas vezes entre maio e junho, sem mudanças estruturais que justificassem os ajustes. Segundo um ex-executivo da estatal, existe hoje uma defasagem em relação à paridade de importação. Resta saber se a empresa se ajustará e retomará o alinhamento ao longo do tempo.
O diretor do Centro Brasileiro de infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, não vê rupturas. Segundo ele, porém, o aumento do preço do petróleo e a intensificação da corrida eleitoral no segundo semestre trazem riscos para a continuidade dos pilares da gestão da companhia.
“Como a campanha eleitoral está cada vez mais polarizada, devemos continuar com taxa de câmbio depreciada. Isso pode forçar a aumentos nos derivados”, disse. “O calendário eleitoral pode começar a afetar também os desinvestimentos, vai depender muito como as brigas eleitorais se darão. Começou um novo governo Bolsonaro, com Ciro Nogueira à frente da Casa Civil. É a mudança mais forte desde o início desse governo. Não vamos nos iludir. Essa continuidade [da gestão Silva e Luna] foi uma surpresa positiva, mas o cenário [para o segundo semestre] não favorece a continuidade”, completou.
O coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo (Ineep), Rodrigo Leão, pontua que, em um primeiro momento, a gestão Silva e Luna tenta conciliar a relação por vezes conflituosa entre os interesses da União e dos acionistas minoritários.
“Minha sensação é de que a gestão está de olho para onde o cenário vai se encaminhar. Vai depender muito do preço do petróleo neste segundo semestre, está ainda muito incerto. Num cenário de disparada do barril, aí há risco de ruptura. Estamos falando de um tema de sensibilidade [política] alta. Não é uma especificidade dessa gestão. Para qualquer presidente da Petrobras, em qualquer governo, esta é uma variável que se coloca”, afirmou.