Folha de São Paulo
A Shell deverá lucrar US$ 20 milhões (R$ 101,5 milhões) com um carregamento barato de petróleo russo que comprou poucos dias depois que a petroleira anunciou que estava se retirando da Rússia após a invasão da Ucrânia.
Quando a empresa listada em Londres revelou na segunda-feira (28) planos para sair de sua joint-venture na Rússia, seu executivo-chefe, Ben van Beurden, disse estar chocado com a perda de vidas na Ucrânia, resultante de um “ato sem sentido” de agressão militar, que “ameaça a segurança europeia”.
“Nossa decisão de sair é uma que tomamos com convicção”, disse ele. “Não podemos —e não vamos— ficar parados.”
No entanto, na sexta (4), o poderoso braço comercial da Shell comprou 725 mil barris de Urals, o principal petróleo russo, da trader de commodities Trafigura, com um desconto recorde de US$ 28,50 (R$ 144,64) em relação ao Brent, a referência global de petróleo, com base na entrega.
A transação foi o primeiro negócio concluído em uma janela pública de negociação administrada pela S&P Global Platts desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, e traders disseram que a Shell ganharia cerca de US$ 20 milhões (R$ 103 milhões) quando o petróleo for colocado em seu sistema de refino e depois vendido aos consumidores.
“Estou surpreso que a Shell tenha levantado essa carga”, disse um trader sênior.
A Trafigura é legalmente obrigada a levantar várias cargas dos Urais por mês sob um acordo que assinou com a produtora russa Rosneft antes da guerra na Ucrânia. Ela estava procurando um comprador durante toda a semana para uma carga de 7,25 milhões de barris, aumentando constantemente o desconto na janela S&P na esperança de encontrar uma contraparte.
A maioria dos comerciantes supôs que o petróleo seria comprado por um comerciante ou refinaria da China ou da Índia, não uma grande empresa internacional de petróleo que acabara de anunciar planos de se retirar da Rússia.
Em comunicado, a Shell, que além de ser uma grande produtora de petróleo e gás também é uma das maiores traders de energia do mundo, disse estar chocada com os eventos na Ucrânia e interrompeu a maioria das atividades envolvendo petróleo russo.
“No entanto, atualmente compramos petróleo e outros produtos russos para algumas refinarias e usinas químicas para garantir a continuidade da produção de combustíveis e de produtos essenciais dos quais pessoas e empresas dependem diariamente.”
“Reduziremos ainda mais nosso uso de petróleo russo à medida que petróleos alternativos se tornarem disponíveis para compra, mas isso é altamente complexo, pois o petróleo russo desempenha um papel significativo na oferta global, e no mercado atual apertado há uma relativa falta de alternativas.”
Embora as exportações russas de energia tenham sido cortadas das duras sanções dos Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia que foram impostas a Moscou e seu sistema financeiro, a maioria das refinarias, bancos e armadores ocidentais evitam o vasto mercado de commodities do país.
A consultoria Energy Aspects disse na semana passada que 70% do petróleo russo estava “lutando para encontrar compradores”, mesmo com preços com grandes descontos.
Enquanto os grandes traders vasculhavam o mercado em busca de fontes de oferta alternativas, o preço do Brent aumentou, atingindo uma alta de nove anos de quase US$ 120 (R$ 609,02) o barril esta semana.
“Em conformidade com as sanções atuais, estamos trabalhando para continuar fornecendo energia com segurança para nossos clientes na Europa e em outros mercados”, disse a Shell.
A Trafigura se recusou a comentar. No início desta semana, a empresa disse que estava revisando sua participação na Vostok, projeto gigante de petróleo no Ártico que está sendo desenvolvido pela Rosneft. A Trafigura é um parceiro comercial favorito da produtora de petróleo controlada pelo Kremlin.