Folha de São Paulo
O setor de petróleo deve fechar 2024 como principal produto da balança comercial brasileira pela primeira vez, superando a soja, em um resultado provocado tanto pelo crescimento da produção petrolífera quanto pela quebra da safra de grãos.
A consolidação do Brasil como um grande exportador de petróleo é questionada por organizações ambientalistas, que acusam incompatibilidade com o discurso verde do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e pregam a redução da queima de combustíveis fósseis.
Em entrevista à Folha, o presidente do IBP (Instituto Brasileiro do Petróleo e Gás), Roberto Ardenghy, defendeu a ampliação da produção nacional, mesmo diante da emergência climática, com o argumento de que gera empregos e renda e produz no país um petróleo menos sujo do que o de outras regiões do mundo.
“O Brasil está produzindo hoje 3,5 milhões de barris de petróleo por dia e vai chegar em a 5,2 milhões”, diz o executivo, prevendo que o setor disputará a liderança da balança comercial nos próximos anos. “Vamos continuar a ter superávit, não vamos conseguir consumir esse volume todo.”
A estimativa de crescimento da produção considera apenas projetos já contratados, principalmente da Petrobras, ainda sem a abertura de novas fronteiras como a margem equatorial, alvo de embate entre as áreas energética e ambiental do governo.
A EPE (Empresa de Pesquisa Energética) estima que essa região tenha reservas de cerca de 10 bilhões de barris recuperáveis de petróleo, o equivalente a dois terços das reservas conhecidas atualmente no país.
O setor alega que novas descobertas são fundamentais para evitar o declínio da produção nacional na próxima década, mas ambientalistas rebatem que o país poderia esticar a produção das reservas atuais se não exportasse tanto.
Ardenghy argumenta que o consumo de petróleo continuará crescendo até 2040, ao menos, e que a produção brasileira ajuda a descarbonizar a indústria por emitir menos CO². “Se a gente não produzir petróleo, o mundo vai consumir um petróleo que emite mais”, afirma.
Ele ressalta que o mundo vai começar a discutir o “direito de explorar” como um mecanismo para restringir a produção de acordo com características e necessidades de cada país. “A questão da emissão de carbono de CO2 por barril produzido tem que ser levada em consideração”, defende.
O argumento é questionado por ambientalistas, já que a maior parte das emissões do petróleo está na queima. O setor e parte do governo acrescentam que o Brasil já tem uma matriz energética limpa e que o desmatamento, não o petróleo, é a principal fonte de emissões de gases do efeito estufa do país.
Nos últimos meses, a indústria petrolífera passou a sugerir que parte da arrecadação com a produção seja usada para reflorestamento e, por consequência, redução das emissões brasileiras. A proposta é usada no embate pela autorização para perfurações na margem equatorial.
“Por que a gente não pensa na margem equatorial como um projeto que ajude o Brasil a reduzir a emissão de CO2 pela mudança do uso da terra?”, diz o presidente do IBP, afirmando que, apenas em 2024, o setor arrecadará R$ 250 bilhões em impostos e royalties.
Para os próximos quatro anos, a estimativa apenas de royalties, participações especiais e venda do óleo da União chega a R$ 600 bilhões.
Parte dessa arrecadação, porém, fica com estados e municípios produtores, gerando grande concentração de receita nas cidades localizadas em frente ao pré-sal, principalmente as fluminenses Maricá, Niterói e Saquarema. A parcela do governo federal tem sido usada para equilibrar as contas públicas.
“O IBP, e eu pessoalmente, temos defendido um sobre como podemos efetivamente fazer com que esses recursos sejam melhor distribuídos por todos os entes da federação e sobre como melhorar a governança no seu uso”, diz Ardenghy.
Uma tentativa de mudança na distribuição durante o governo Dilma Rousseff (PT) gerou uma crise federativa e terminou no STF (Supremo Tribunal Federal). O presidente do IBP diz que o instituto pode contribuir, mas não cabe a ele iniciar o debate.
Em setembro, o setor foi alvo de protestos no Rio de Janeiro com questionamentos sobre os elevados ganhos de executivos como bonificação pela produção de combustíveis fósseis. “Eles lucram, a gente sofre”, diziam os cartazes.
Citando as fintechs, Ardenghy diz que outros setores têm rentabilidade elevada como a do petróleo. “O nosso diferencial é a parcela que a gente contribui de impostos. A carga tributária de nossos projetos, em alguns casos, chega a 69%.”